15 Junho 2022
"Não quero subestimar a pretensão histórica da Igreja de possuir a única verdade, mesmo que o Concílio Vaticano II nos proponha uma abordagem completamente diferente e se ainda se possa duvidar de sua capacidade de impô-la, se tal tivesse sido seu projeto, para uma sociedade secularizada. Mas será este realmente o único registro de seu diálogo - ou de seu não-diálogo - com a sociedade e a única explicação de sua exculturação?", questiona René Poujol, jornalista, ex-chefe de redação da revista Pèlerin, em artigo publicado por seu blog, 12-05-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um olhar sociológico agudo que sabe ir além da simples constatação da fragmentação e da divisão.
Especialista em religiões, a socióloga Danièle Hervieu-Léger teorizou, há vinte anos, a exculturação do catolicismo na França como perda definitiva de sua influência sobre a sociedade. Mais recentemente, o relatório do CIASE sobre a criminalidade pedófila na Igreja e suas divisões em torno das restrições de culto ligadas à Covid-19 parecem ter acelerado uma forma de “desregulamentação” institucional que se tornou irreversível. Em um livro de entrevistas com o sociólogo das religiões Jean-Louis Schlegel, que chegou em 13 de maio às livrarias, Danièle Hervieu-Léger especifica sua visão de um catolicismo que se tornou não apenas minoritário, mas plural e fragmentado. Um catolicismo que, em sua opinião, está condenado a uma forma de diáspora da qual poderia, no entanto, extrair uma nova presença social na forma de "catolicismo hospitaleiro". Desde que se reforme em profundidade, não apenas na França, mas também no topo da hierarquia. Uma tese que, sem dúvida, provocará debate, se não polêmicas. E sobre a qual faço perguntas e expresso dúvidas nesta minha resenha.
O interesse por essas “conversas sobre o presente e o futuro do catolicismo” deve-se certamente à reconhecida competência e à reputação da socióloga Danièle Hervieu-Léger, mas também ao bom conhecimento do seu interlocutor sobre a instituição católica. Jean-Louis Schlegel também é sociólogo das religiões, autor, tradutor, editor e diretor editorial da revista Esprit. “O projeto deste livro, escreve ele na introdução, está ligado à sensação, baseada nos numerosos ‘sinais dos tempos’ e em argumentos fortes, que para o catolicismo europeu e francês esteja acabando uma longa fase histórica”.
Esta não é uma intuição nova do mundo da sociologia religiosa. E a panorâmica apresentada no livro é uma oportunidade para Danièle Hervieu-Léger retornar ao que ela define de exculturação do catolicismo francês. Ela a descreveu desde 2003 como uma "desconexão silenciosa entre a cultura católica e a cultura comum". Os sintomas do declínio do catolicismo na França são bem conhecidos: crise de vocações e envelhecimento do clero desde 1950, queda da prática dominical e da catequização desde os anos 1970, erosão paralela do número de batismos, matrimônios e até funerais religiosos, diminuição - de levantamento a levantamento - de pertencimento ao catolicismo minoritário e um aumento simultâneo do indiferentismo.
As causas ainda precisam ser analisadas. Para a socióloga, é preciso procurá-las na pretensão da Igreja ao "monopólio universal da verdade" em um mundo há tempo caracterizado pelo pluralismo, pelo desejo de autonomia das pessoas e pela reivindicação democrática. A virada decisiva se situaria na década de 1970. A Igreja, que até aquele momento havia conseguido compensar sua perda de influência no campo político com a “gestão” no âmbito da intimidade familiar, só vai de um fracasso a outro nos temas do divórcio, da contracepção, da liberdade sexual, do aborto, do casamento para todos...
"O que se deve tentar entender, escreve a socióloga, não é apenas como o catolicismo francês perdeu sua posição dominante na sociedade francesa e a que preço por sua influência política e cultural, mas também como a própria sociedade – incluindo grande parte de seus fiéis – tenha se distanciado massivamente dela”. De fato, é justamente o "cisma silencioso" dos fiéis, que foram embora na ponta dos pés, que em grande parte levou à situação atual.
Para melhor responder à pergunta, os autores nos propõem uma rápida panorâmica da história recente do catolicismo. Destacam as rupturas introduzidas pelo Concílio Vaticano II em relação ao Syllabus de 1864 e ao dogma da infalibilidade pontifícia aqui descrito como “coroação de uma forma de arrogância” clerical. Só que a implementação do Concílio teria se chocado com os eventos de 1968 e com as profundas reviravoltas que se seguiriam. O escritor Jean Sulivan escrevia, desde 1968, sobre os atores de um concílio que acabava de terminar: "no tempo que levaram para dar dez passos, os homens vivendo se afastaram cem". A lacuna entre a Igreja e o mundo, que o Concílio queria e pensou em preencher, mais uma vez se havia alargado. E isso teve o efeito imediato e prolongado de assustar a instituição católica da própria audácia conciliar, que, no entanto, era considerada por alguns como insuficiente.
Assim, se a constituição pastoral Gaudium et spes sobre a "Igreja no mundo contemporâneo" (1965) representa simbolicamente um progresso em termos de inculturação no mundo de hoje, três anos depois, a encíclica Humanae Vitae que proíbe os casais católicos de usarem a contracepção artificial já representa um giro de 180 graus que terá por efeito acelerar a exculturação do catolicismo e provocar uma hemorragia nas fileiras dos fiéis. Algo que teria sido confirmado pelos pontificados de João Paulo II e Bento XVI através de uma leitura minimalista dos textos conciliares e depois de uma tentativa de restauração em torno da reconquista dos territórios paroquiais e da centralidade da imagem do padre, pontas de lança da "nova evangelização". Em vão!
Daquelas décadas pós-conciliares que antecedem a eleição do Papa Francisco em um contexto de crise agravada, os autores também tomam em consideração o florescimento de novas comunidades de tipo carismático, percebidas na época como uma "nova primavera para a Igreja", mas que na realidade não cumprirão suas promessas. Com, segundo escrevem os autores, este severo veredicto - que certamente suscitará debate - sobre a extensão de seu caráter missionário: "Os novos movimentos carismáticos fizeram na realidade poucos convertidos fora da Igreja, mas influenciaram católicos cansados da rotina paroquial". Isso teve como efeito, num contexto de contínuo encolhimento do tecido eclesial, reforçar o seu peso relativo e sua visibilidade. Quando o sociólogo Yann Raison du Cleuziou - citado no livro - faz a constatação de que a Igreja se reagrupa em torno "dos que restam", não exclui, porém, o risco de uma "gentrificação" (substituição de uma categoria social abastada por outra mais popular) em torno de "observantes" às vezes tentados por um cristianismo identitário e patrimonial, como visto na recente eleição presidencial.
A esta “constatação” sociológica cujos contornos já estavam bem definidos, o livro pretende acrescer uma atualização que tem por efeito endurecer ainda mais o diagnóstico. Trata-se de dois eventos importantes ocorridos na França no período 2020-2021, ainda que suas raízes remontem a um passado mais distante. Trata-se, em primeiro lugar, do relatório da CIASE sobre a criminalidade de pedofilia na Igreja que, segundo os autores, representa um "desastre institucional" acompanhado de profundas rupturas. O segundo “terremoto” foi o trauma causado a alguns pela proibição e depois pela regulamentação do culto no período culminante da pandemia de Covid-19, e aprofundou as divisões. Enquanto alguns lançaram petições - contra a opinião de seus bispos - para que lhes "devolvessem a Missa", outros se questionaram "sobre o significado da celebração eucarística na vida da comunidade", às vezes a ponto de não retomar a prática dominical uma vez removidas as proibições do lockdown (foi sugerido um montante de 20%).
Desses episódios, que estão longe de serem superados, Danièle Hervieu-Léger tira a conclusão de um catolicismo francês fortemente - e talvez definitivamente - "rompido". Esse adjetivo indica tanto "uma cisão" que coloca frente a frente agrupamentos irreconciliáveis, quanto "o colapso de um sistema, um enfraquecimento do que mantinha seus elementos unidos, que então se espalham em muitos pedaços". E continua: “O problema é saber se esta situação de fragmentação possa levar ao nascimento de uma reforma digna desse nome. A direção que ela pode tomar ainda não é identificável, nem as forças capazes de levá-la adiante, supondo que existam. Estamos diante de uma situação absolutamente inédita para a Igreja Católica desde a Reforma do século XVI, estamos diante de um abalo interno, e não vindo de um exterior hostil. A Igreja enfrenta, no verdadeiro sentido da palavra, o risco de sua própria implosão. Aliás, esse processo já poderia ter começado”.
Minha intenção não é ir além na análise do desenvolvimento do livro. O leitor encontrará abundante matéria para reflexão que poderá, de acordo com seu temperamento, assumir, rejeitar ou discutir. Para além da minha adesão à economia global do texto, que muitas vezes corresponde às minhas intuições pessoais como observador engajado da vida eclesial, gostaria, no entanto, de formular os questionamentos que em mim foram despertados lendo algumas passagens do livro. No início da obra, Danièle Hervieu-Léger pergunta muito oportunamente: "É a cultura que excultura o catolicismo ou o catolicismo é exculturado por sua culpa?". Obviamente, a tese do livro se inclina para a segunda explicação. E essa escolha exclusiva eu considero problemática. Não quero subestimar a pretensão histórica da Igreja de possuir a única verdade, mesmo que o Concílio Vaticano II nos proponha uma abordagem completamente diferente e se ainda se possa duvidar de sua capacidade de impô-la, se tal tivesse sido seu projeto, para uma sociedade secularizada. Mas será este realmente o único registro de seu diálogo - ou de seu não-diálogo - com a sociedade e a única explicação de sua exculturação?
Não se pode também analisar as intervenções do Papa Francisco e de outros atores da Igreja – entre os quais simples fiéis – como leais questionamentos colocados à sociedade sobre possíveis contradições entre os atos que ela coloca e os “valores” a que faz referência? Será que o pedido individual de emancipação e autonomia, que governos e parlamentos parecem agora apoiar sem reservas em nome da modernidade, é totalmente compatível com as exigências de coesão social e de interesse geral a que não renunciam? E em todo caso, a modernidade ocidental, em sua pretensão a um universalismo que desafia à Igreja, tem certeza de ter a última palavra sobre a verdade humana e sobre o sentido da história? Não poderíamos ler o desenvolvimento dos populismos em todo o planeta - e o fenômeno das democracias iliberais - como iguais recusas leigas de inculturação?
O liberalismo social ocidental não seria em parte “o idiota útil” do neoliberalismo do qual – divina surpresa– se tornou o motor, como denuncia o Papa Francisco? E então, trazer ao debate público a preocupação pelo grupo e pela fraternidade contra o risco de fragmentação individualista teria algo a ver com qualquer pretensão da Igreja de impor à sociedade uma verdade revelada de cunho religioso?
Permitam-me citar aqui Pier Paolo Pasolini: "Se as culpas da Igreja foram muitas e graves em sua longa história de poder, a mais grave de todas seria aceitar passivamente sua liquidação por um poder que zomba do Evangelho. Em uma perspectiva radical (...) o que a Igreja deveria fazer (...) é, portanto, muito claro: deveria passar para a oposição (...). Retomando uma luta que, aliás, está na sua tradição (a luta do papado contra o Império), mas não pela conquista do poder, a Igreja poderia ser a guia, grandiosa mas não autoritária, de todos aqueles que recusam (é um marxista que fala, e justamente como marxista) o novo poder consumista, que é completamente irreligioso, totalitário, violento, falsamente tolerante e, na verdade, mais repressivo do que nunca, corruptor, degradante (jamais como hoje teve sentido a afirmação de Marx segundo o qual o Capital transforma a dignidade humana em mercadoria de troca). É esta recusa que poderia, portanto, simbolizar a Igreja”.
A Igreja como "consciência inquieta das nossas sociedades"
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Catolicismo francês em risco de implosão. Artigo de René Poujol - Instituto Humanitas Unisinos - IHU