18 Fevereiro 2012
A socióloga francesa Danièle Hervieu-Léger analisa a pluralização das nossas sociedades, enfatizando a paradoxal homogeneização contemporânea.
A reportagem é de Élodie Maurot, publicada no jornal La Croix, 06-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
De onde vêm as nossas interrogações recorrentes sobre a pluralização das nossas sociedades?
Leio essa inquietação como uma curiosa inversão dos diagnósticos anteriores – que remontam, grosso modo, aos anos 1960 – que consistia em pôr em discussão o monolitismo da nossa sociedade e em reivindicar a posssibilidade de expressar a pluralidade das situações, dos pontos de vista, das identidades que eram anuladas ou limitadas pelas restrições de um sistema. Desejava-se reivindicar o reconhecimento da singularidade e da diversidade.
Hoje, estamos um pouco no extremo oposto! Preocupamo-nos com a manifestação dessas diferenças por serem suscetíveis de ameaçar o viver juntos... Penso que essa inversão deve ser estudada, investigada. Por que hoje temos a sensação de que a pluralidade está em excesso, enquanto há 50 anos achava-se que ela estava faltando? Na verdade, a diversidade é percebida como uma riqueza e uma oportunidade contanto que possa ser ordenada dentro de um projeto comum. Sem um dispositivo de codificação comum, as afirmações dos indivíduos não permitem a leitura da carta do social.
Pode citar alguns fortes indicadores da pluralização?
Podemos dizer coisas banais, considerando que a mundialização, a aceleração da circulação das pessoas e das informações, a rapidez da mudança em todos os âmbitos nos dão a sensação de sermos bombardeados por uma quantidade cada vez maior de novidades e de diversidade. Na incerteza resultante dessa mudança permanente, os julgamentos, as opiniões se dispersam sem pode se confrontar em um debate público produtivo.
Tomemos o exemplo da ciência. Vivemos por muito tempo com um consenso – pelo menos relativo – sobre os benefícios do desenvolvimento da ciência. Hoje, a nossa relação com a ciência é muito mais complexa. Sabemos que mais ciência não é apenas mais capacidade de destruição, mais questões éticas difíceis, mas sobretudo, paradoxalmente, um número ainda maior de problemas não resolvidos, cujos resultados escapam aos cidadãos. Queremos transgênicos ou não? O debate não se traduz em "a favor" ou "contra". Ele é muito mais pluralizado. Não opõe apenas "progressistas" de um lado e "reacionários" de outro.
Durante muito tempo, pôde-se descrever a cena social dividindo-a entre aqueles que queriam ir para o movimento e aqueles que, ao contrário, o rejeitavam e se opunham a ele. Essa simplificação não se sustenta mais hoje. Mesmo no campo religioso, o esquema que opõe "progressistas" e "conservadores" ou "tradicionalistas" simplifica muito e não permite dar um quadro completo da variedade das opiniões religiosas e das opções espirituais.
No seu livro Catholicisme, la fin d'un monde, você descreve o colapso – no fundo, recente – da cultura cristã comum...
A diminuição da população católica praticante na França começou há muito tempo, mas esse processo foi por muito tempo compatível com a preservação de uma matriz cultural originária do catolicismo, secularizada. Os indivíduos, embora não fossem de convicção católica, embora estivessem distantes ou fossem hostis ao catolicismo, se inseriam nessa matriz comum, que ajudou a dar forma às instituições seculares (o Estado, a escola, o hospital, a universidade, a família...) e continuou impregnando as mentalidades.
Desse ponto de vista, a França, um país muito secularizado e religiosamente plural de longa data, podia, no entanto, ser chamado de "país de cultura católica". A partir dos anos 1960, observa-se a dissolução dessa matriz cultural com o advento de uma cultura mundializada do indivíduo.
O que poderia substituir hoje essa matriz cultural?
O que eu observo é precisamente que não há nada que possa substituí-la. A ideia de "cultura comum" é uma noção praticamente vazia, e essa é uma das causas do aumento das obsessões comemorativas e patrimoniais que são um modo um pouco desesperado para retomar as rédeas. A nossa sociedade é composta por universos culturais separados, que entram muito pouco em contato uns com os outros.
Essa afirmação pode parecer em contradição com a suposta "homogeneização" de uma cultura mundializada, mas a circulação mundializada de bens culturais não significa a apropriação compartilhada de saberes, de valores, de experiências que poderiam desenvolver uma relação comum com o mundo. Os grandes relatos federadores – nacional, operário, católico, secular – perderam a maior parte da sua capacidade mobilizadora.
Esses grandes relatos, confrontando-se e polemizando entre si, criavam o espaço para uma pluralidade fecunda. A atonia presente do debate público é um indicador da dispersão e da impermeabilidade dos universos culturais uns aos outros, como bolhas flutuantes umas ao lado das outras.
Você propôs, em O Peregrino e o Convertido (Ed. Vozes, 2008), uma leitura da crescente diversidade religiosa nas nossas sociedades. Desde então, você tem visto uma evolução na pluralidade religiosa?
Minha opinião não mudou, mas também observo o crescimento de um fenômeno ao qual eu não tinha prestado atenção suficiente naquele momento, que é o do esgotamento do peregrino! Eu associava a figura do peregrino – e a mobilidade que lhe é conexa – a uma espécie de apetite pela descoberta de novos territórios, uma atração espiritual pela alteridade.
O convertido, ao contrário, era como um peregrino que depunha suas malas, suspendia a busca e assumia a sua identidade religiosa como uma escolha pessoal, pronto para ir, depois, de escolha em escolha.
O que constato hoje é que a trajetória do peregrino não chega necessariamente a uma escolha. Ele também pode se esconder, se diluir, quando a busca espiritual é submersa pela dificuldade de ser si mesmo, como diz Ehrenberg. A religiosidade peregrina também pode ser uma forma – que merece atenção – de sair da religião.
O que você diria sobre a qualidade da diversidade religiosa hoje? É real?
A "metáfora do supermercado" foi muito utilizada para descrever a diversidade religiosa contemporânea, com a ideia de que o indivíduo faz as suas "compras" de bens simbólicos e espirituais e coloca em seu carrinho o que quiser. Fora do quadro das instituições, ele compõe, então, o seu pequeno relato crente singular.
Mas essa metáfora também pode ser lida de forma diferente. O supermercado também é o lugar em que se encontram todos os tipos de marcas diferentes que cobrem um produto, no fundo, idêntico. No âmbito dos bens simbólicos e religiosos, assim como em outros âmbitos, a economia ultramoderna produz tanto a padronização da produção, quanto a extrema personalização do consumo. Somos convidados a consumir, "como se nos fossem destinados pessoalmente", produtos absolutamente iguais.
Independentemente das diversas famílias religiosas, constata-se assim uma redução minimalista da mensagem religiosa – do ponto de vista da sua densidade teológica – e uma diversificação da "oferta", apresentada em uma forma que se considera adaptada para responder às expectativas mais imediatas dos consumidores espirituais.
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''É preciso questionar a nossa ansiedade diante da pluralidade''. Entrevista com Danièle Hervieu-Léger - Instituto Humanitas Unisinos - IHU