25 Novembro 2021
“Nosso futuro depende de como lidaremos com o passado”, disse Antoine Garapon.
O magistrado de 69 anos é o homem da Conferência de Homens e Mulheres Religiosas da França – Corref tendo sido escolhido para liderar a Comissão Independente para Reconhecimento e Reparação – Cirr, que foi criada no final da Assembleia Geral de 16 a 19 de novembro, em Lourdes.
Garapon era um membro-chave da Comissão Independente sobre o Abuso Sexual na Igreja – CIASE, liderada por Jean-Marc Sauvé, quando ele estava a cargo da seção “vítimas”.
Ele gosta de citar a máxima “do maior mal pode nascer o maior bem”.
Garapon é um intelectual de campo que começou sua carreira como juiz no tribunal juvenil, o que, segundo ele, moldou o trabalho de sua vida.
Ele também esteve envolvido por muitos anos na justiça internacional, situações de conflito e problemas pós-guerras civis.
Em 2004 ele fundo um instituto que estuda “novas formas de justiça” (L’institut des Haute Études sur la Justice) e serviu como secretário-geral até o último ano.
“Justiça restaurativa é sobre tornar possíveis as relações”, disse Garapon.
Um discípulo de Paul Ricoeur e autor de 30 livros, com frequência aparece na mídia francesa para comentar assuntos sobre a justiça.
O La Croix conversou com Antoine Garapon sobre o novo papel que desempenhará.
A entrevista é de Christophe Henning, publicada por La Croix, 23-11-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A Conferência de Religiosos e Religiosas da França (Corref) lhe pediu para presidir a Comissão Independente de Reconhecimento e Reparação: do que se trata isso?
Corref entendeu que não se pode fazer justiça às vítimas de abuso sexual sendo representantes dos agressores: recebe-se justiça de outra pessoa.
A dificuldade para a Igreja tem sido tentar cumprir todos os papéis: estar perto das vítimas, ser a instituição dos perpetradores e, ao mesmo tempo, fazer justiça. É necessário envolver uma terceira parte da justiça.
Esta abordagem da Corref é extremamente corajosa porque aceita que um terceiro coloque o seu nariz nos seus negócios. Ninguém gosta de revelar seus assuntos familiares.
Você foi membro da Comissão Independente de Abuso Sexual na Igreja (CIASE). Essa nova responsabilidade é a consequência lógica?
Como membro da CIASE, passei três anos trabalhando com vítimas. Foi ao mesmo tempo cativante, comovente e difícil, mas cheio de esperança, quando se descobre a vitalidade, a força de vida das vítimas que se recuperaram.
De certa forma, aceitar liderar essa nova comissão é para mim uma forma de dar continuidade ao trabalho. Investigamos: agora devemos organizar a reparação.
Você vai se cercar de pessoas diversas. É um pouco parecido com a CIASE?
O golpe de gênio de Jean-Marc Sauvé foi compor uma comissão multidisciplinar representativa da diversidade da sociedade francesa hoje.
Ficamos muito felizes por trabalharmos juntos. E Jean-Marc Sauvé teve a audácia de fazer a investigação em condições que não eram fáceis devido à covid, garantindo uma boa colaboração com a Igreja, mesmo que algumas dioceses resistissem.
Por fim, o enfrentamento do tema com diferentes abordagens – histórica, demográfica, sociológica – permitiu um relato completo e claro. Tiro lições disso para minha comissão.
O que você ganhou com esses anos de trabalho?
Rapidamente entendemos que é por meio das histórias das vítimas que realmente entenderíamos nossa missão.
Durante as entrevistas, fomos confrontados com a profundidade humana do trauma a longo prazo.
Por que alguém não pode falar quando está machucado? Normalmente, as pessoas gritam e gritam!
As vítimas carregam sua história há 20, 40 anos... Aprendi muito com elas.
Você continuará a ouvir as vítimas?
Testemunhar é reconectar-se de certa forma com toda uma comunidade humana. Há uma profundidade simbólica no testemunho: é uma forma de recriar o vínculo.
São palavras pesadas, mas é uma questão de ouvir quem fala de uma vida atormentada e espera algum tipo de validação de sua jornada.
Diz a eles que talvez eles tenham sobrevivido, embora tenham passado a vida inteira lutando contra um demônio interior porque um sacerdote os molestou quando eles tinham 11 anos.
A vida das vítimas foi totalmente invadida por aquele ataque inicial.
O trabalho da sua comissão será implementar a justiça restaurativa: o que isso acarreta?
A justiça restaurativa está mais preocupada com o ser das pessoas do que com seus direitos formais.
É uma forma de justiça que se liberta de certos constrangimentos da justiça penal (o julgamento, o procedimento...) para dar uma resposta, especialmente nos casos em que já não haja resposta judicial (prescrição, morte do autor do crime, etc.).
Além disso, o abuso sexual é o crime perfeito: a criança é abusada aos 11 anos e não entende o que aconteceu. Quando a vítima fala aos 50 anos, o abusador está morto.
A justiça tradicional já não pode fazer nada. A justiça restaurativa apresenta soluções adequadas para reconhecimento, compensação e (re)conexão da pessoa com a sociedade.
Como você responderá aos pedidos das vítimas?
Podemos atuar como mediadores entre a vítima e o instituto religioso para organizar a reparação. É raro que as vítimas sejam agressivas.
E os institutos, pressionados pelos pares após esta assembleia do Corref, estarão no encontro.
A mediação é uma forma de deslizar para um relacionamento para tentar permitir a reconstrução pessoal para a vítima e, talvez, a reconstrução institucional para a congregação.
A vítima estará no centro do seu processo?
No final da vida, a pessoa já não é exigente.
As vítimas procuram apaziguar-se. Elas geralmente estão naquele momento especial no final da vida, quando a pessoa começa a fazer um balanço do que fez com a própria vida.
E é neste momento que o abuso volta as atingir cada vez mais forte. O que eles pensaram ter dominado por 20 ou 50 anos, de repente se torna uma obsessão e eles têm que se libertar.
É um tempo muito especial da vida.
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França. “Somente uma terceira parte pode prestar justiça às vítimas de abuso sexual na Igreja”, afirma magistrado da CIASE - Instituto Humanitas Unisinos - IHU