05 Agosto 2022
Na segunda-feira, 25 de julho, em Religion News Service apareceu um comentário do Rev. John Chryssavgis sobre o batismo de duas crianças de um casal homossexual celebrado na Grécia pelo Arcebispo Elpidophoros, primaz da Igreja Greco-Ortodoxa da América (cf. aqui em SettimanaNews). Reproduzimos o comentário numa nossa tradução do inglês.
John Chryssavgis, arquidiácono do Patriarcado Ecumênico, nasceu na Austrália, estudou teologia em Atenas e Nova York e obteve um doutorado na Universidade de Oxford. Ele é um dos fundadores do St. Andrew's Theological College na Austrália, onde lecionou Estudos Religiosos na Universidade de Sydney antes de se tornar professor de Teologia em Boston. Sacerdote da Arquidiocese Greco-ortodoxa da América, é consultor teológico do Patriarca Ecumênico para as questões ambientais.
O artigo é de John Chryssavgis, arquidiácono do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, publicado por Settimana News, 04-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No início deste mês, estourou uma tempestade - injustificada e malévola - depois que o arcebispo Elpidophoros, líder da Igreja Greco-Ortodoxa da América, visitou a Grécia e, durante sua estadia, batizou duas crianças que vieram ao mundo por meio de barriga de aluguel e são criadas por um casal homossexual.
Como de praxe, Elpidophoros informou ao bispo local, Metropolita Antonios de Glyfada, que celebraria um batismo em sua diocese. No entanto, ele não mencionou a natureza do nascimento das crianças ou a orientação sexual dos pais. O anúncio pela Igreja grega (no último dia 19 de julho) de uma reclamação ao Patriarca Ecumênico Bartolomeu em Istambul inflamou as discussões nas redes sociais.
Não se trata de um debate sobre a graça sacramental. Tratou-se simplesmente de um outro batismo. Mas o que se seguiu é algo que todos no mundo da fé conhecem muito bem ultimamente: mais um episódio de uma guerra cultural.
Também revela o quanto a Igreja Ortodoxa esteja distante da realidade e do mundo. Vimos isso na resposta ao Covid-19; vemos isso na defesa da guerra da Rússia contra a Ucrânia. Uma simples olhada nos tabloides e blogs reflete como a Igreja Ortodoxa vive em sua própria bolha. Lá, somos excelentes em rituais de ostentação e vestimentas vistosas.
Há temas que os cristãos ortodoxos se sentem singularmente desconfortáveis em abordar. Entre esses, o mais importante é a homossexualidade, que provoca muitas reações apaixonadas, mas poucos discursos racionais. Repetir simplesmente a frase “detestamos o pecado, mas amamos o pecador” pode resultar numa condenação disfarçada de compaixão. Afinal, é mais fácil rotular do que ouvir.
Deveríamos aprender uma lição com os santos, a quem idealizamos mais que imitar. São Porfírio, que viveu de 1906 a 1991, é conhecido por ter sido tão "ferido de amor" por Deus que foi santificar "uma casa de má fama" perto da Praça Omonia, em Atenas, oferecendo aos que ali moravam a possibilidade de venerar a Cruz. Quando lembrado de onde se encontrava, Porfírio declarou que as prostitutas estavam "em melhor estado espiritual" para abraçar a cruz do que muitos outros. Ele estaria acaso perdoando a prostituição quando "sentiu uma sensação de alegria e... de honra" ao abençoar aquelas mulheres?
Não deveria haver controvérsia sobre um batismo, ao qual todos as crianças têm direito. Por que, então, a ação de Elpidophoros suscitou tais polêmicas e acusações? Se uma Igreja independente se dirige para o Patriarcado Ecumênico depois do que aconteceu, não posso deixar de me perguntar o que os nossos medos estão realmente escondendo.
Temos medo de que a tradição ou a verdade sejam diluídas? Temos medo de desfiar um tecido sem costura? A Igreja histórica nunca se esquivou de enfrentar debates difíceis nos concílios ao longo dos séculos, mesmo - e principalmente - quando se tratava de questões controversas e complicadas, como o gênero (a carne) de Cristo e o significado (o estilo) da representação do Santo.
Temos medo de abrir a caixa de Pandora? O Metropolita de Glyfada deveria estar melhor informado sobre o que estava acontecendo em sua diocese? Ou é outra razão pela qual ele se apresou em lavar as mãos e esconder os rastros? De fato, ele admitiu que não teria coragem de decidir se tivesse recebido todas as informações.
O Arcebispo Elpidophoros deveria ter deixado claro por escrito que as crianças batizadas não pertencem àquela que o Metropolita de Glyfada chama de "uma família tradicional"? O mesmo vale para os filhos de pais solteiros? E no caso de pais ateus? E para aqueles que se casam civilmente ou não são casados? Nesses casos, queremos impor limitações às fotografias ou as publicidades do evento, como foi sugerido que deveria ter sido feito para esse batismo?
Temos medo de estar perto demais dos "pecadores" ou de ser contaminados pelo pecado? O Metropolita do Pireu ignorou um batismo semelhante celebrado no centro de Atenas alguns anos atrás, no entanto, ele ficou perplexo com um recente batismo em uma diocese próxima à sua. Perto demais para se sentir tranquilos? Certa vez, quando perguntado se havia ortodoxos homossexuais, ele teria respondido que, se existem "sodomitas" na Igreja, "essas pessoas doentes devem ser afastadas das outras". O que responderia à pergunta se existem bispos homossexuais na Igreja?
Sua opinião, no entanto, é pouco significativa; na verdade, ele também critica o sionismo internacional e os banqueiros judeus, o Papa e todos os hereges. Certa vez, ele advertiu o presidente turco Erdogan para se converter à ortodoxia se não quisesse enfrentar o inferno eterno junto com Maomé. Acredito que o bom metropolita ficaria surpreso ao ver quem, segundo as palavras do Evangelho de Mateus, "nos precede no Reino de Deus!".
Temos medo de admitir nosso desconforto ou constrangimento ao discutir princípios ou práticas sexuais? Chegou a hora de uma discussão franca sobre sexualidade e "gênero" na Igreja? Aqueles que tendem a depreciar o estilo de vida dos outros - sejam bispos consagrados ou críticos compulsivos - não deveriam primeiro "tirar a trave de seu olho", para ver com clareza e poder "tirar o cisco do olho do irmão", como disse Jesus?
O papel dos cristãos ortodoxos não pode ser reduzido nem à expectativa da separação das ovelhas dos bodes, nem à renúncia de um mundo pecaminoso através do distanciamento de tudo o que é secular. Conheço dois textos importantes no mundo da Ortodoxia que ousaram levar em consideração a homossexualidade com determinação e de forma respeitosa e pastoral.
O primeiro é uma "Carta dos Bispos Ortodoxos da Alemanha aos jovens sobre amor, sexualidade e casamento", assinada pelo Metropolita Augustinos da Alemanha, em 2017, como presidente da Conferência Episcopal Ortodoxa na Alemanha. O segundo é o documento intitulado "Para a vida do mundo: Rumo a um ethos social da Igreja Ortodoxa" (2020; aqui a tradução em italiano), formalmente encomendado pelo Patriarca Bartolomeu e aprovado pelo Patriarcado Ecumênico.
Ninguém admite fácil ou voluntariamente seu preconceito. Todos insistem em dizer que nunca "jogariam a primeira pedra", mesmo que estejam jogando pedras. O que Jesus faria? Quem censuraria e como Jesus corrigiria? Quem acolheria e que comportamento Jesus esperaria? Nossa prioridade deveria ser levantar uns aos outros no corpo quebrado de Cristo.
Se formos honestos conosco e com Deus - se tivermos fé no Evangelho cristão e na tradição ortodoxa - espero que possamos largar as nossas pedras, as nossas defesas e os nossos medos para ouvir e aprender uns com os outros em um espírito de cura e de reconciliação.
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Um batismo, os protestos, o nosso desconforto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU