“Suspeito que os filhos de casais homossexuais tenham o batismo recusado porque foi feito um julgamento de que eles não podem criar seus filhos na fé católica como pais LGBTQIA+. Isso não é verdade. É verdade que os casais homossexuais não podem viver de acordo com o entendimento do casamento pretendido por Deus e ensinado pela Igreja em todos os aspectos, mas devemos admitir que nenhum casal pode viver de acordo com esse entendimento em todos os aspectos. O ministro da Igreja é chamado a ajudar o casal que busca o batismo de seu filho a se esforçar para tornar seu casamento cada vez mais sintonizado com o entendimento da Igreja sobre esse vínculo, permitindo que essa abertura à fé lhes dê credibilidade na criação de seus filhos como católicos”, escreve dom John Wester, arcebispo de Santa Fé, Novo México, EUA, em artigo publicado por Outreach, 31-07-2022. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A Grande Missão, como apresentada no final do Evangelho de Mateus (cf. 28, 16-20), poderia facilmente ser chamada de “A Grande Graça”, como o Cristo ressuscitado e ascendido, que possui “todo poder no céu e terra”, capacita os discípulos a “fazer discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
Desde o cume da montanha, há 2 mil anos, até os dias atuais, a Igreja vem realizando sua missão divina e compartilhando a graça do batismo com a mesma generosidade com que nosso Salvador o deu a nós.
Este impulso generoso da Igreja se reflete no livro de Isaías: “Todos os que estão com sede, venham buscar água. Venham também os que não têm dinheiro: comprem e comam sem dinheiro e bebam vinho e leite sem pagar!” (55,1). Embora falando da Eucaristia, o Papa Francisco também captou esse tema em sua última carta apostólica, Desiderio desideravi. Ele escreveu: “Ninguém ganhou um lugar naquela Ceia. Todos foram convidados. Ou melhor: todos foram atraídos para lá pelo desejo ardente que Jesus tinha de comer aquela Páscoa com eles”.
É de grande preocupação, portanto, quando às pessoas é recusado o sacramento do batismo, ou qualquer um dos sacramentos, para esse assunto. Entendo que a Igreja, como guardiã e dispensadora das graças dos sacramentos, deve exercer prudência na sua celebração e mesmo, em certos casos graves e raros, recusar os sacramentos a alguns até que sejam removidas a reconciliação e/ou o levantamento dos impedimentos.
No entanto, a disposição geral da Igreja é de hospitalidade, abertura e acolhimento, no espírito da nova evangelização. Recusar-se a batizar filhos de casais do mesmo sexo não está de acordo com esse alcance, e acho bastante preocupante. Recusar o batismo a essas crianças apenas com base no fato de terem pais do mesmo sexo, embora possivelmente feito com boas intenções, não é apoiado pelo ensino ou prática da Igreja, na minha opinião.
Deixe-me dizer desde o início que quando um pai (ou pais) solicita o batismo de seu filho, este é um momento de graça não apenas para a criança, mas também para os pais. De fato, a primeira resposta nunca deve ser “Claro!” ou “Não!”. Aprovações automáticas ou recusas gerais nunca são boas práticas pastorais. Em vez disso, o padre, diácono ou líder leigo deve caminhar com os pais e ajudá-los a compreender a beleza, as implicações, as responsabilidades e os direitos deste importante momento de fé. Isso é verdade para todos os pais que solicitam o batismo de seus filhos, incluindo casais homossexuais.
A declaração do Vaticano II sobre a liberdade religiosa, “Dignitatis Humanae”, afirma que a família, “por ser uma sociedade em seu próprio direito original, tem o direito de viver livremente sua própria vida religiosa doméstica sob a orientação dos pais”. Portanto, a Igreja não apenas anuncia a acolhida, mas também está incumbido à Igreja institucional respeitar a Igreja doméstica, a família.
Enquanto a família ideal, segundo o ensinamento da Igreja, é chefiada por um pai e uma mãe, na realidade batizamos muitos filhos de famílias que não cumprem esse ideal. Algumas famílias têm apenas um dos pais por divórcio, abandono ou morte. Infelizmente, muitas famílias estão fragmentadas pelo vício, violência, disfunção e pobreza. Em todos esses casos, não estou ciente de que a norma é recusar o batismo a seus filhos.
Em vez disso, encontramos esses casais onde eles se encontram e os encorajamos a crescer na fé à medida que passam essa fé para seus filhos. No entanto, aos casais homossexuais às vezes é recusado o batismo de seus filhos. Por quê?
Suspeito que os filhos de casais homossexuais tenham o batismo recusado porque foi feito um julgamento de que eles não podem criar seus filhos na fé católica como pais LGBTQIA+. Isso não é verdade. É verdade que os casais homossexuais não podem viver de acordo com o entendimento do casamento pretendido por Deus e ensinado pela Igreja em todos os aspectos, mas devemos admitir que nenhum casal pode viver de acordo com esse entendimento em todos os aspectos.
No ensinamento da Igreja, o casamento é uma realidade humana, consistindo em um relacionamento comprometido, duradouro e exclusivo de amor total entre um homem e uma mulher; o ato conjugal é a expressão privilegiada disso (e requer a complementaridade do masculino e feminino para ser unitiva), e no desígnio de Deus, esse ato conjugal de amor também traz vida nova ao mundo. Não é de admirar que esse relacionamento agraciado seja visto como análogo ao vínculo de Cristo com a Igreja.
O ministro da Igreja é chamado a ajudar o casal que busca o batismo de seu filho a se esforçar para tornar seu casamento cada vez mais sintonizado com o entendimento da Igreja sobre esse vínculo, permitindo que essa abertura à fé lhes dê credibilidade na criação de seus filhos como católicos.
É importante ter em mente que a questão em questão é o batismo da criança e não a capacidade dos pais de viver de acordo com todos os ensinamentos da Igreja sobre o casamento. Da mesma forma, existem elementos substanciais, fundamentais e críticos no relacionamento de casais homossexuais que oferecem fortes garantias de que a criança será criada na fé.
Quero sublinhar aqui a importância crítica do amor. No rito batismal, o padre ou diácono diz aos pais que eles são “os primeiros mestres de seus filhos nos caminhos da fé, testemunhando a fé com o que dizem e fazem, em Cristo Jesus, nosso Senhor”. Sem dúvida, os casais homossexuais são perfeitamente capazes de ensinar seus filhos sobre a fé, vivendo vidas que respeitam os outros, permanecendo fiéis um ao outro e amando-se mutuamente.
Deus é amor e a catequese mais fundamental que uma criança pode receber é ser amada, retribuir o amor e ser membro de uma família amorosa. Todas as outras catequeses se baseiam nisso. Além disso, os casais homossexuais testemunham muitos outros aspectos da vida católica que formam uma catequese coerente para as crianças: compromisso, fidelidade, doação, honestidade, humildade, bondade, profundidade espiritual, frequência à igreja, respeito e muito mais. Essas considerações formam a base para o ensinamento católico específico que os pais do mesmo sexo dão aos seus filhos.
Portanto, não vejo razão para que um casal seja recusado quando apresenta seu filho para o batismo com base apenas no fato de serem um casal do mesmo sexo.
Como pastor, também estou persuadido a batizar filhos de pais do mesmo sexo porque os pais, ao solicitarem o batismo de seus filhos, estão demonstrando boa-fé. O simples fato de estarem se aproximando da Igreja Católica a esse respeito, sabendo que seu relacionamento não pode ser reconhecido como sacramento, evidencia que eles levam a sério sua fé e desejam criar seus filhos nessa fé. A boa vontade deles deve ser presumida.
Este é um tempo de graça para os pais. O sacerdote, o diácono ou o ministro leigo deve aproveitar isso passando tempo com o casal, explorando a fé com eles, desafiando-os a crescer nessa fé e apoiando-os em seu desejo de seguir a Cristo como católicos. Acredito que a atenção indevida dada ao fato de o casal ser gay cega o ministro da Igreja para a abundância de qualidades positivas e virtuosas que permanecem em seu relacionamento.
Além disso, a comunidade crente na qual a criança é iniciada, e que é representada pelos padrinhos, também é responsável pelo aprofundamento da fé nessa criança. A igreja sempre apontou o Corpo de Cristo como parte integrante do desenvolvimento da fé dos recém-batizados. Anos atrás, quando os missionários perguntaram a Roma se eles poderiam batizar crianças mesmo que os pais não tivessem se convertido, eles foram informados de que a comunidade assume a responsabilidade de criar as crianças na fé católica.
Isto é muito bem vivido pela multidão de professores de educação religiosa em nossas paróquias e escolas. Também é exemplificado em nossas paróquias, pois as crianças são catequizadas pela celebração da Eucaristia e pelo testemunho dado pelos paroquianos ao longo da semana. No Catecismo da Igreja Católica nos é apresentada uma bela reflexão sobre a comunidade de fé na qual os batizados são iniciados e que se torna um canal de graça para os recém-iniciados (n. 1267-71).
As Escrituras também nos dão orientação para abordar a questão em questão. O Evangelho de Marcos mostra que Jesus responde generosamente ao pai que queria que seu filho fosse curado de um espírito mudo (9, 14-29). Mesmo que a fé do pai fosse fraca (“eu creio, ajude minha incredulidade!”), Jesus realizou o milagre e curou seu filho. Pais LGBTQIA+ que creem, embora cientes de seus próprios desafios à fé, não são menos dignos, por terem seus filhos batizados, da cura buscada pelo homem no Evangelho de Marcos.
No nono capítulo do Evangelho de João, vemos que Jesus rejeita a ideia de que os filhos sejam punidos pelas ações de seus pais. Essa trajetória de graça me leva à visão de que os filhos de pais do mesmo sexo não devem ter o batismo recusado com base apenas no relacionamento homossexual de seus pais.
A propensão da Igreja para batizar está traduzida nos Atos dos Apóstolos (8, 26-40). As palavras saltam com entusiasmo e alegria quando o eunuco etíope diz: “Aqui existe água. O que impede que eu seja batizado?”. A carruagem foi ordenada a parar naquele momento e Filipe o batizou. Jesus ecoou esse impulso de batizar no Evangelho de Mateus: “Deixem as crianças, e não lhes proíbam de vir a mim, porque o Reino do Céu pertence a elas” (19, 14).
Os pais LGBTQIA+ que se esforçam para viver e amar sua fé católica podem perguntar com razão, como o etíope em Atos: “O que nos impede de batizarmos nossos filhos?”. Acredito que a resposta seja: Nada. “Todos os que estão com sede, venham buscar água!” (Is 55, 1).