21 Fevereiro 2022
"Pelo que lemos em sua carta, parece-me que falta uma teologia do batismo digna desse nome na decisão do bispo de Phoenix, que não deixe substituir pela supersensível balança do burocrata".
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado em Come Se Non, 18-02-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
As discussões suscitadas pelos "26 anos de batismos nulos" são uma boa oportunidade para desenvolver uma série de convicções, opiniões, inferências e mistificações que circulam na velocidade da luz, mas não por isso obtêm um bom fundamento.
Gostaria de tentar esclarecer tanto quanto possível o que está em jogo no caso que chegou ao nosso conhecimento através da "carta" com a qual o Bispo comunicou os abusos de um pároco em sua diocese.
É bom manter separado o fato, pelo menos até onde sabemos, e as suas interpretações, sobre as quais é possível reorganizar um conhecimento que parece, ao mesmo tempo, obsessivo e desleixado. Parece que um padre da diocese de Phoenix (EUA), há pelo menos 26 anos, tenha batizado todos os fiéis que encontrou em seu ministério utilizando a fórmula batismal: "Nós te batizamos em nome do Pai..." . Como a fórmula ritual é "Eu te batizo..." e não "Nós te batizamos...", o bispo de Phoenix acredita que todos os batismos desse longo período devem ser considerados nulos e sem efeito. Uma espécie de "damnatio in radice"!
Por outro lado, um "responsum" da CdF de um ano e meio atrás parece corroborar a interpretação com que o Bispo procedeu à sua declaração de nulidade. O que me impressiona agora, nesta implementação daquele texto, é o teor das argumentações, com os quais se tenta interpretar este “uso impróprio” como um “abuso”. Eu não acredito que essa fosse a única solução possível. Aliás, parece-me um exagero pretender que toda essa série de atos eclesiais seja considerada nula e sem efeito. É evidente que os ministros da Igreja são obrigados a usar as fórmulas prescritas, que carregam uma longa tradição e que, portanto, têm uma autoridade que não é facilmente substituível. No entanto, creio que o remédio da "declaração de nulidade do batismo" deve ocorrer apenas no caso em que a fórmula não permita que seja reconhecido como pertencente à "mesma fé": vamos supor, caso se usasse uma fórmula não-trinitária, mas quaternária, acrescentando Maria ou algum santo, ou se acrescentassem palavras inadequadas ou sujeitos impróprios para expressar a "passagem a Cristo" do sujeito batizado. Lembro-me que o "responsum" de junho passado havia sido solicitado pelo uso de uma fórmula que era assim: "Em nome do pai e da mãe, do padrinho e da madrinha, dos avós, dos familiares, dos amigos, em nome de comunidade nós te batizamos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.” Uma coisa é dizer “nós” e outra é convocar toda a família como sujeito do batismo!
Mas a questão levantada diz respeito à perspectiva estritamente formal, que se liga, com um salto mortal, ao último significado teológico do ato sacramental. Diz-se: "usar Nós no lugar do Eu significa substituir a Igreja por Cristo e esta é a razão da invalidade". Acredito que seja difícil sustentar uma tese tão extrema de modo coerente e bem fundamentado. Que não é feita de afirmações em si infundadas, mas surge da ligação forçada de afirmações com seu parcial fundamento. Vou tentar colocar ordem nas palavras utilizadas. Houve abuso, mas o abuso não leva necessariamente à nulidade.
Em primeiro lugar se diz: “Aquele Eu que aparece na fórmula é o próprio Cristo, porque quem batiza age in persona Christi. Assim, a substituição do 'Eu' coloca a igreja no lugar do seu Senhor”. Esta interpretação é muito fraca, porque não é justificada pela história. A expressão "in persona Christi" não está ligada a quem pronuncia a frase, mas à fórmula da Eucaristia, que os antigos já notaram ser pronunciada, por quem preside a Missa, "como se fosse Cristo". Todas as outras fórmulas, incluindo o batismo, são pronunciadas "in persona ministri". Portanto, desse ponto de vista, seria possível raciocinar assim: mesmo que o ministro tenha cometido um ilícito, modificando a fórmula, o significado do rito não muda. Supplet ecclesia.
Bem sei que a própria expressão "in persona Christi" foi depois utilizada para tudo o que o padre faz. Todo padre ou bispo, qualquer que seja a fórmula que ele fale, o faz "in persona Christi". Isso, no entanto, não afeta o fato de que a fórmula do batismo também pode ser pronunciada por um diácono, um leigo homem ou mulher, e até mesmo por um não crente.
Por outro lado, toda polarização teológica, que oponha Cristo e a Igreja, visível e invisível, responde a todo problema de forma unilateral. Não é necessário ser antimodernista para defender a tradição sacramental. Em todo batismo o eu do ministro está apenas a serviço do Eu de Cristo e do Nós da Igreja. Portanto, não seria arriscado pensar que no Eu de Cristo ouvimos também o Nós eclesial, e no Nós eclesial podemos encontrar o canto principal da voz do Eu de Cristo. Que o batismo seja um ato comunitário e não individual parece uma notícia estranha ao canonista e ao bispo.
Gostaria de lembrar que para não facilitar a solução de um problema contribui também a "forma mentis", não apenas a fórmula do sacramento. É precisamente a forma mentis clássica, que deveríamos tentar superar, que nos faz dividir o sacramento em duas dimensões:
a) Uma essência indisponível, que seria aquela garantida por fórmula, matéria e ministro, e sobre a qual vigia a Congregação para a Doutrina da Fé.
b) Um quadro cerimonial, extrínseco ao significado teológico, confiado ao cuidado da Congregação para o Culto Divino.
Esta forma mentis, que deriva da ideia de que em cada sacramento o dom da graça sempre possa ser dividido da resposta de quem o recebe, impede-nos de assegurar um acompanhamento adequado do caminho eclesial em casos duvidosos. Por exemplo, a fórmula usada na diocese estadunidense não pode ser realmente compreendida sem entender como era celebrada, em que contexto, com que participação, com que cantos, com que tipo de homilia... Toda a dimensão do culto litúrgico, que há 60 anos deveria ser promovido também em Phoenix, deveria permanecer absolutamente irrelevante para o discernimento? Os dicastérios romanos são por acaso a fonte da experiência de fé? Todo este contexto celebrativo local deveria ser hoje uma referência necessária para compreender o significado teológico do batismo, bem como da Eucaristia. Mas nas palavras do bispo não encontro nenhuma referência a tudo isso.
Uma teologia abstrata dos sacramentos acaba tratando-os como "passaportes", com ou sem visto. E a concentração da validade sobre a "correção literal da fórmula" é uma forma indireta de diminuir o ato em si, pensá-lo em um horizonte objetivo e subjetivo digno de burocratas, não de pastores ou profetas. Uma concorrência entre Eu e Nós, como justificativa para uma nulidade, é a projeção de uma abordagem apologética da tradição, que prefere juízos formais aferidos por balanças de precisão a experiências de substância e de encontro.
Talvez seja precisamente nesse nível que devamos perguntar-nos: todo esse formalismo míope e pedante, essa preocupação por uma validade asséptica e sem corpo, é realmente útil para proclamar o Evangelho e para acolher os discípulos de Cristo na sua Igreja? Um batismo reduzido a essa laranja mecânica pode realmente dizer algo de bom e justo sobre aquele Eu que se quer tanto cuidar, mas apenas projetando-o na figura de seu "intérprete principal"?
Pelo que lemos em sua carta, parece-me que falta uma teologia do batismo digna desse nome na decisão do bispo de Phoenix, que não deixe substituir pela supersensível balança do burocrata. Muito útil para filtrar os mosquitos, enquanto se engolem os camelos.
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O Eu e o Nós do batismo: mosquitos e camelos. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU