07 Outubro 2020
“Quando o Vaticano comete erros, muitas vezes é porque deseja projetar uma imagem de ser onisciente e, portanto, não precisa de conselhos. Por não receber sugestões, a Congregação cometeu um erro que prejudicou sua credibilidade. Por não praticar a sinodalidade tão ardentemente encorajada pelo papa Francisco, a Congregação gerou o caos na Igreja. A Igreja não deve agir como um computador; deve agir como Cristo”, escreve Thomas Reese, jesuíta e jornalista, em artigo publicado por Religion News Service, 05-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Os computadores não perdoam, mas supõe-se que o cristianismo perdoa. Os computadores insistem que os humanos, especialmente os programadores, sejam exatos. Uma única letra errada em uma linha de código pode travar um programa. Mas mesmo usuários comuns podem experimentar isso. Nada nos coloca em pânico como um computador nos dizendo: “Nome de usuário ou senha inválidos”.
A religião de Jesus deveria ser do perdão. Ele atacou os escribas e fariseus por causa da ênfase nas minúcias da lei. No entanto, mesmo sob o papa Francisco, que tem tudo a ver com compaixão e perdão, os literalistas parecem estar muito vivos dentro da Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano.
Por séculos, a fórmula batismal na Igreja Católica Romana tem sido: “Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”. A maioria das igrejas protestantes também usou essa fórmula.
No entanto, no final do século XX, alguns ministros do Batismo começaram a mexer na fórmula. Alguns ministros diziam “Nós batizamos” para trazer à tona a dimensão familiar ou comunitária do batismo.
Por exemplo, um padre poderia dizer: “Em nome do pai e da mãe, do padrinho e da madrinha, dos avós, dos membros da família, dos amigos, em nome da comunidade, nós te batizamos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
Em junho, a congregação, que lida com questões doutrinárias, decidiu que o batismo era inválido se o ministro dissesse: “Nós batizamos” em vez de “Eu batizo...”.
Isso causou um caos absoluto em Detroit, onde o padre Matthew Hood viu em um vídeo de seu batismo, em 1990, o diácono Mark Springer usando a fórmula “nós”. Como resultado, Hood não era um cristão, muito menos um padre, porque ele não poderia ser validamente ordenado sacerdote se não fosse validamente batizado.
A situação de Hood foi rapidamente remediada em 9 de agosto com seu batismo e em 17 de agosto com sua ordenação. Mas a arquidiocese está tentando rastrear todos os batizados pelo diácono Springer, que serviu em Detroit de 1986 a 1999. Não se sabe quantos outros padres e diáconos em todo o país usaram o “nós”.
Mas como sua ordenação em 2017 era inválida, as pessoas que iam às “missas” de Hood não assistiam realmente à “missa” e não recebiam “a hóstia consagrada” na comunhão. Também significa que suas absolvições na confissão não foram sacramentais. Suas confirmações e unção dos enfermos também eram inválidas. Quando ele realizou esses sacramentos, ele nem mesmo era um cristão, muito menos um padre.
Felizmente, seus batismos foram válidos porque um não-cristão pode realizar um batismo válido.
Esta não é a primeira vez que a fórmula, que a congregação afirma ter sido ordenada por Jesus no Evangelho de Mateus, foi testada. Alguns padres tentaram substantivos de gênero neutro: “Eu te batizo em nome do Criador, do Redentor e do Santificador”. Outros usaram “Criador, Libertador e Sustentador”.
Ambas as fórmulas foram declaradas não apenas ilícitas, mas inválidas pela congregação em 2008. Em outras palavras, não era apenas contra as regras, isso invalidava. A pessoa não está batizada e deve ser batizada novamente usando a fórmula correta.
E sobre casamentos?
Um argumento que pode ser dado sobre os casamentos feitos por Hood é que poderiam ser validados porque o casal são os ministros do sacramento, e não o padre. O padre é simplesmente uma testemunha para a Igreja e a Igreja aceita que não-ordenados (por exemplo, capitães do mar) façam essa tarefa em emergências.
Mas e sobre as pessoas que tiveram seus batizados invalidados e então se casaram na Igreja?
Eles provavelmente estarão a salvo caso tenham se casado com um cristão batizado, porque somente uma das pessoas precisa ser um cristão para o casamento ser válido. Mas se ambas partes não forem batizadas, então não seria um sacramento. São necessários dois cristãos para ter um casamento sacramental.
No pior dos cenários, pode até haver um bispo que foi batizado invalidamente. Não somente as suas missas, confissões e crismas estão inválidas, mas também suas ordenações. Isso significa que os homens ordenados por ele não são padres e todos os sacramentos que fizeram são inválidos.
O problema real aqui é que o Vaticano está tratando as palavras tradicionais do batismo como uma senha de computador. Sem elas, você não pode entrar na Igreja.
De fato, alguns acadêmicos pontuam que as cartas de Paulo evidenciam que os primeiros cristãos eram batizados em nome de Jesus, não da Trindade. A Enciclopédia Católica, por exemplo, atesta que “a fórmula batismal foi mudada, de em nome de Jesus Cristo para as palavras Pai, Filho e Espírito Santo pela Igreja Católica no século II”.
Se essa Congregação está certa, então os primeiros cristãos estão no limbo. Ops, esqueci, o papa Bento XVI fechou o limbo.
E mais, as Igrejas Ortodoxas nunca usaram a fórmula da Igreja de Roma. Eles usam a voz passiva: “Que este servo de Cristo seja batizado em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, ou, “Essa pessoa é batizada pelas minhas mãos em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”.
Tais batizados ortodoxos foram reconhecidos como válidos pela Igreja Católica Romana desde o Concílio de Florença, em 1439.
“Declarar que o batismo é ilícito quando o ministro usa o termo ‘Nós’ em vez de ‘Eu’ é apropriado”, disse o padre Peter Fink, professor aposentado de teologia sacramental da Weston School of Theology e editor do “Novo Dicionário Sacramental”.
“Declarar que o batismo é inválido é uma acusação muito mais séria e parece ir contra a tradição católica de longa data em favor do batismo quando o batismo é solicitado, mesmo na medida em que uma pessoa não batizada pode batizar em emergências, se necessário”, afirmou ele.
As pessoas “esperam que o batismo seja válido e qualquer sugestão de que o batismo não seja simplesmente ridicularizado pelo sacramento em si”, disse Fink. “O casal que buscou na igreja um batismo para seu filho deve sair da Igreja com a convicção de que o batismo de fato aconteceu, e nada deve fazê-los pensar o contrário”.
Se você não sabe como foi batizado, não se preocupe. Poucos ministros usaram a fórmula errada. Se sem o seu conhecimento você foi batizado incorretamente, Deus cuidará disso.
Se você tem motivos sérios para duvidar do seu batismo, é fácil consertar: simplesmente seja rebatizado. Qualquer amigo ou membro da família pode fazê-lo validamente (embora a Arquidiocese de Detroit queira que um padre o faça, e você deve seguir as instruções do seu bispo local).
Se você está preocupado com seu casamento, converse com o pároco local e faça o que ele recomenda. Se necessário, você pode se casar novamente em silêncio por um padre, sem problemas. Se você é um padre que foi batizado de forma inválida, converse com seu bispo. Se você é bispo, que Deus ajude a nós todos.
Se você se confessou com um padre que foi batizado e ordenado de forma inválida, não se preocupe. Deus cuidará disso. Como a Arquidiocese de Detroit disse às pessoas:
“A Igreja, seguindo São Tomás de Aquino, afirma que Deus se vinculou aos sacramentos, mas não é vinculado pelos sacramentos (cf. Catecismo da Igreja Católica, 1257 e São Tomás de Aquino, Summa Theologiae III, q. 64 a. 7 e III q. 68 a. 2). Isso significa que, embora possamos ter certeza de que Deus sempre opera por meio dos sacramentos quando eles são devidamente conferidos pelo ministro, Deus não está vinculado pelos sacramentos porque pode e de fato estende Sua graça de maneira soberana. Podemos ter certeza de que todos aqueles que se aproximaram do padre Hood, de boa-fé, para se confessar, não se saíram sem alguma medida de graça e perdão de Deus”.
A Arquidiocese de Detroit tirou o melhor proveito de uma situação ruim, mas a Congregação para a Doutrina da Fé precisa retirar essa decisão. Foi um erro e uma catástrofe pastoral. Teria sido melhor declarar a fórmula ilícita, mas válida.
A Congregação também precisa mudar sua maneira de tomar essas decisões. Antes de emitir uma decisão tão importante, a Congregação precisa anunciar que está estudando a questão e pedir a opinião de teólogos e pastores de todo o mundo, não apenas de um pequeno grupo de especialistas do Vaticano e de universidades romanas. Em seguida, deve emitir uma regra proposta e solicitar comentários antes de emitir uma decisão final.
Quando o Vaticano comete erros, muitas vezes é porque deseja projetar uma imagem de ser onisciente e, portanto, não precisa de conselhos. Por não receber sugestões, a Congregação cometeu um erro que prejudicou sua credibilidade. Por não praticar a sinodalidade tão ardentemente encorajada pelo papa Francisco, a Congregação gerou o caos na Igreja. A Igreja não deve agir como um computador; deve agir como Cristo.
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Vaticano causa o caos por invalidar a fórmula do batismo. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU