08 Novembro 2018
"Este é um cisma criado para nenhuma outra razão, exceto por um abuso de poder que levou milhões de fiéis ortodoxos a pagar o preço de tais políticas". É o rev. John Chryssavgis, arquidiácono do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, que concedeu ao Sir o "ponto de vista" de Constantinopla sobre a questão ucraniana.
A entrevista é de M. Chiara Biagioni, publicada por SIR, 06-11-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nenhuma decisão tomada de improviso. A questão da independência da Igreja Ortodoxa Ucraniana de Moscou estava nas agendas das Igrejas há pelo menos três décadas. O Patriarcado de Constantinopla tentou resolver a questão com o diálogo, mas Moscou sempre se recusou a participar de discussões bilaterais e multilaterais. Esta é a "linha de defesa" do Patriarcado de Constantinopla, ou melhor, as razões que levaram o Patriarca Bartolomeu de abraçar a demanda por "autocefalia" dos fiéis ortodoxos ucranianos. Quem explica isso ao SIR é o rev. John Chryssavgis, arquidiácono do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla.
Por que o Patriarcado Constantinopla decidiu ir em frente com a concessão de autocefalia à Igreja ucraniana, colocando m risco a unidade das Igrejas ortodoxas, com um cisma que vai ter consequências muito graves no futuro?
É muito equivocado apresentar a concessão da autocefalia à Igreja na Ucrânia como algo repentino ou recente. A questão foi proposta, discutida e invocada por mais de três décadas, durante as quais literalmente milhões de cristãos ortodoxos na Ucrânia foram, injusta e indevidamente, excluídos da comunhão e cortados da comunicação com todas as outras Igrejas Ortodoxas. Por que Moscou está agora questionando Constantinopla em vez de questionar suas ações de divisão na Ucrânia conduzidas por tanto tempo? Este é um cisma criado apenas por um abuso de poder que levou milhões de crentes ortodoxos a pagar o preço de tais políticas. Foi por isso que a política entrou em jogo, não algo de agora.
Não é ético - especialmente para líderes religiosos - tentar jogar dos dois lados da mesa, usando teologia e política por conveniência.
O Patriarcado de Moscou disse que a atual situação cismática não é um processo irreversível. Mas a condição é que o Patriarcado de Constantinopla reverta a decisão. Vocês estão prontos para rediscutir a questão, colocando em prática um processo de diálogo duradouro?
Por pelo menos duas décadas, o Patriarca Ecumênico tem repetidamente solicitado, incentivado e pessoalmente mediado para houvesse um processo de diálogo para resolver o problema, mas o Patriarcado de Moscou tem sistematicamente evitado, rejeitado e suspenso qualquer esforços para conversas bilaterais ou multilaterais.
É difícil entender como uma igreja que tem persistentemente suspenso e interrompido as conversações para resolver o problema eclesiástico na Ucrânia - a mesma Igreja que, deliberadamente, boicotou o único Concílio pan-ortodoxo em mil anos, onde tais questões poderiam ter sido levantadas e resolvidas – esteja agora recomendando o diálogo e a discussão.
Muitos se perguntam como é possível que uma questão mais política do que teológica leve a uma divisão entre as Igrejas. Como o Patriarcado de Constantinopla responde a tal argumentação?
Considero um pouco irônico - embora na realidade seja bastante trágico - que o Patriarcado de Moscou repute o problema ucraniano como um problema político. Talvez seja assim que é percebido através da lente de uma "visão do mundo russo". Mas a motivação exclusiva e a única intenção do Patriarca Ecumênico é resolver um problema eclesiástico, que a Igreja da Rússia criou e exacerbou provavelmente por razões políticas.
Existem bem poucas igrejas ortodoxas nacionais que possam reivindicar total independência da política.
Por outro lado, enquanto os críticos zombam e denigrem o Patriarcado Ecumênico por ser desprovido de liberdade, a realidade é que o Patriarca Ecumênico usufrui de uma maior liberdade do que, por exemplo, a Igreja da Rússia. No caso de Constantinopla, não há histórico de conduta complicada com os líderes comunistas, nem qualquer apoio nacional a campanhas militares por parte dos líderes políticos.
O Patriarcado de Moscou acredita que Constantinopla perdeu o papel de "primus inter pares" nas relações interortodoxas, porque metade de todos os cristãos ortodoxos no mundo não está em comunhão com ele. O que pensa dessa afirmação? Como o futuro aparece hoje?
Moscou resistiu por um longo tempo e regularmente criou obstáculos para a liderança de Constantinopla com base no poder e nos números. Mas seria absurdo que Moscou questionasse essa liderança com base na história da Igreja e nos cânones da Igreja. Às vezes me pergunto como Moscou possa ousar culpar Constantinopla pelo monopólio! Moscou deveria se lembrar que, como muitas - senão a maioria - das Igrejas Ortodoxas elevadas depois do primeiro milênio para o status de "autocefalia", a Rússia recebeu sua independência da própria Constantinopla, e pelo mesmo processo amplo e demorado pelo qual a Ucrânia justamente solicitou a sua.
Como diz o ditado: "Você não pode ter tudo ao mesmo tempo". Não se pode aceitar o direito de Constantinopla de conceder autocefalia a algumas igrejas, e depois questionar as ações de Constantinopla como "papais" quando faz o mesmo para outras Igrejas.
Se os cristãos estão divididos, como podemos esperar que o mundo esteja unido e em paz? O patriarca Bartolomeu, como seus antecessores, é um homem de unidade. Como está vivendo esta situação? Quais são as esperanças agora?
O Patriarca Ecumênico tem sido paciente por muitas décadas sobre a questão da Ucrânia, esperando e rezando para que a Igreja da Rússia assumisse as iniciativas apropriadas para resolver os problemas, em vez de lançar indiscriminadamente o epíteto de "cismáticos" sobre milhões de cristãos ortodoxos inocentes. Deveríamos lembrar que a primeira ação que declarou o cisma na Ucrânia foi desencadeada pela Rússia anos atrás. Da mesma forma, a primeira ação que declara a excomunhão contra Constantinopla foi tomada pela Rússia justamente recentemente. O Patriarca Ecumênico não reagiu contra a decisão da Rússia de cortar a comunhão com milhões de cristãos ortodoxos na Europa e na Grã-Bretanha, Austrália e Ásia, América do Norte e Sul e, até mesmo, Monte Athos!
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O cisma ortodoxo, fala Constantinopla. Chryssavgis: "Um cisma criado por abuso de poder" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU