13 Junho 2016
"A unidade é um objetivo, não é dada", diz o Reverendo John Chryssavgis, um arquidiácono e conselheiro teológico do Patriarca Bartolomeu I de Constantinopla. "Pode estar lá de maneira espiritual, litúrgica e sacramental, mas para torná-la visível é difícil, doloroso, lento, e leva tempo."
A entrevista é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 07-06-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Em certo sentido, o "Grande e Santo Concílio da Igreja Ortodoxa", concebido como uma reunião de todos os chefes das 14 igrejas ortodoxas independentes ao redor do mundo, em Creta, entre os dias 16 e 27 de junho, levou no mínimo um milênio para sua realização. Mais aproximadamente, o planejamento está em curso desde 1961, correspondendo a mais de meio século.
Como resultado, talvez não seja nenhuma surpresa que tenham acontecido alguns contratempos ao longo do caminho.
Recentemente, duas das catorze Igrejas ortodoxas iniciaram boicote - os búlgaros, porque estão aborrecidos com alguns dos documentos em discussão, com a distribuição de lugares no evento e também com o Patriarcado da Antioquia devido a uma disputa jurisdicional envolvendo o Qatar.
Na segunda-feira, o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, tradicionalmente conhecido como o "primeiro entre iguais" no mundo ortodoxo, fez um apelo a todos os líderes ortodoxos para que se apresentem e mantenham as condições para a reunião combinadas em janeiro de 2016.
De acordo com o Rev. John Chryssavgis, o arquidiácono e conselheiro teológico do Patriarca Bartolomeu de Constantinopla, que participará de um comitê de elaboração da mensagem final do Concílio, a cúpula está indo adiante, não importa o que aconteça.
"O concílio continua", disse Chryssavgis para a revista Crux, em uma entrevista em 06 de junho, um pouco antes de sua partida para Creta. "Se uma ou mais igrejas não participarem, todas as decisões tomadas serão mantidas e vigorarão em todas as Igrejas ortodoxas."
Embora admitindo que provavelmente existam "mais diferenças do que semelhanças" entre o Grande Concílio e o Concílio Vaticano II, Chryssavgis disse que espera que o Grande Concílio, em Creta, possa ter um impacto sobre a ortodoxia semelhante ao impacto do Vaticano II sobre o catolicismo - especialmente, disse ele, na pressão por unidade, dentro da ortodoxia e também em outras igrejas no restante do mundo.
"A unidade é um objetivo, ela não é dada. É algo a que aspiramos", disse Chryssavgis. É algo que pode estar lá de maneira espiritual, litúrgica e sacramental, mas torná-la visível é um trabalho difícil, doloroso, lento e que demanda tempo.
Em outras frentes, Chryssavgis disse:
• As relações com a Igreja Católica permanecerão uma questão controversa dentro de algumas igrejas ortodoxas, pois algumas delas podem ficar preocupadas que um líder que se reúna com um Papa esteja "barganhando ou traindo" a fé.
• Alguns observadores da Igreja Ortodoxa ficaram tão impressionados com a cordialidade entre Bartolomeu e Francisco quanto os católicos - eles também, disse ele, às vezes brincam que os dois parecem "Best Friends Forever" - e acrescentou que não acredita que seja por acaso que esses dois líderes estão liderando suas igrejas ao mesmo tempo.
• Ressoando ao que disse o Papa Francisco quando encontrou- se recentemente com o Grande Imã de Al-Azhar, Chryssavgis concordou que, quando se trata do Concílio pan-ortodoxo, "o encontro é a mensagem".
Chryssavgis, um prolífico teólogo e ensaísta nascido na Austrália e agora um clérigo da Arquidiocese Ortodoxa Grega da América, concedeu a entrevista por telefone, no dia 6 de junho.
Eis a entrevista.
O Concílio continua?
O Concílio ainda continua. Eu não sei se alguma vez houve dúvidas de que continuaria.
Em 1992, o Patriarca Ecumênico estabeleceu uma reunião de todos os primatas das 14 Igrejas Ortodoxas, sendo a reunião mais recente a que aconteceu em janeiro de 2016, em que as leis e documentos para o Concílio foram adotados por todos. Esta manhã, o Patriarcado Ecumênico se reuniu em uma sessão extraordinária do Sínodo e decidiu que todas as diversas preocupações e reclamações, incluindo a retirada da Bulgária, não são baseadas em erros processuais ou omissões e, portanto, as decisões tomadas em janeiro de 2016 devem ser mantidas.
E se uma ou mais igrejas não participarem, isso muda o estado teológico ou eclesiológico do Concílio?
A simples resposta a isso é não... Se uma ou mais igrejas não participarem, se retirarem durante o conselho ou não comparecerem e não votarem, todas as decisões tomadas ainda serão mantidas e vigorarão em todas as Igrejas Ortodoxas. Um Grande Concílio está acima e além de qualquer concílio ou sínodo individual de qualquer igreja... e isso permanece inalterado mesmo sem a participação de uma ou mais igrejas.
Certamente se alguém faltar, será uma lacuna que sentiremos e ficaremos muito, muito tristes. Acho que isso traria um impacto não somente ao concílio, mas também à própria igreja que optar por não vir... Se uma igreja decide se retirar e não participar, acredito que seria uma triste reflexão sobre a automarginalização daquela igreja.
Quais você espera que sejam as grandes questões?
Manter em mente o propósito de um concílio, o seu objetivo, que é a unidade. A unidade é um objetivo, não é algo dado. É algo a que aspiramos. Ela pode estar lá de forma espiritual e litúrgica e sacramental, mas torná-la visível é um trabalho difícil, doloroso e lento, que leva tempo. A unidade vem no final do concílio, não antes. É uma consequência, não uma condição.
Por exemplo, as relações ecumênicas com outros cristãos são dadas como certas no Patriarcado Ecumênico [de Constantinopla], mas nem sempre em outras igrejas ortodoxas. Ao longo dos últimos 50 anos nos tornamos próximos da Igreja Católica e tivemos relações de colegialidade consideráveis com o Papa Francisco. Esses gestos e movimentos são naturais para nós, mas eles não refletem necessariamente o lugar onde toda a Igreja Ortodoxa se encontra.
Este concílio pode ser crucial em trazer algum tipo de resposta unificada, e algumas orientações nesta resposta, como foi o Concílio Vaticano II para o catolicismo. Há provavelmente mais diferenças do que semelhanças entre este Concílio e o Vaticano II, mas poderiam ter impactos equivalentes.
Outras questões incluem: o que acontece quando um ortodoxo se casa com um cristão não-ortodoxo, como um parceiro católico ou protestante? O que significa para a Ortodoxia estar em diálogo, tanto culturalmente quanto em termos de fé, com o judaísmo e o islamismo?
Além disso, o que significa para a Igreja Ortodoxa funcionar como uma Igreja unida, como uma única Igreja, na diáspora, por exemplo, nos Estados Unidos, na Europa Ocidental e em outros lugares? Nos Estados Unidos, todas as 14 igrejas autocéfalas estão representadas. . . e mais algumas. Será que ministramos somente para nosso próprio grupo nacional ou para todos os fiéis ortodoxos?
Existe uma palavra profética que possamos oferecer em conjunto sobre a nossa relação com o resto do mundo, incluindo os desafios do mundo contemporâneo, sejam sociais, econômicos, militares ou ambientais?
Outra questão é a autonomia das igrejas ortodoxas, e quem reconhece a autonomia de alguém? Em geral, a idéia é avançar para uma forma mais transparente e menos política de levantar questões.
Como fazer isso quando há tensões internas óbvias?
Unidade não significa apenas entre as igrejas ortodoxas entre si, mas sim um passo no sentido de uma maior unidade, mesmo dentro de cada igreja ortodoxa.
Há diferenças, por exemplo, dentro da Igreja da Grécia, em que alguns elementos são mais e outros menos ecumênicos. Na Igreja da Rússia, o Patriarca Kirill e o Metropolita Hilarion são muito abertos a outras igrejas, estão sempre no Vaticano ou no Concílio Mundial de Igrejas, mas a sua própria Igreja tem vozes conservadoras que são muito críticas a respeito do enontro de Kirill com o Papa Francisco.
Estas são questões que o Concílio pode ajudar a suavizar, resolvendo medos e suspeitas de que quando o Patriarca Ecumênico, por exemplo, se encontra com o Papa, está fazendo negociações escusas ou traindo a fé ortodoxa. Estas questões não são apenas interortodoxas, mas também intraortodoxas.
Vamos nos encontrar justamente por termos diferenças. Se não houvessem diferenças, qual seria o propósito?
De onde você acha que vêm os nervosismos de última hora?
Eu acho que o que estamos vendo é a resposta típica de uma família que não se reuniu por um longo tempo. Quando os familiares se reúnem depois de um longo período de separação e isolamento, as pessoas naturalmente se questionam: "O que vou dizer sobre isso e aquilo? Onde vou sentar? As pessoas ligam para minhas preocupações?" Alguns terão medo de que seus interesses sejam esquecidos.
Temos diferenças que se acumularam ao longo de 1200 anos. Nós já passamos por centenas de anos de perseguição sob o domínio otomano, uma centena de anos de opressão soviética, estamos enfrentando perseguição e opressão ainda hoje, bem como uma crise de refugiados nas regiões onde a Igreja Ortodoxa está em casa e onde tem por centenas de anos vivido lado a lado com os nossos irmãos e irmãs muçulmanos.
Tudo isso, e mais, cria tensões sobre as quais temos que falar.
A Igreja Ortodoxa prega que o concílio é o seu instinto, seu coração, sua própria identidade; a conciliaridade está no nosso DNA. Mas precisamos provar isso, precisamos nos unir e sentar à mesma mesa. Espero que este seja o início de muitos outros concílios. No final, a principal conquista será o próprio encontro.
Você concorda então com o Papa Francisco, que recentemente encontrou-se com o Grande Imã de Al-Azhar e disse: "O encontro é a mensagem"?
Eu sem dúvida concordo neste caso e essa certamente tem sido a convicção do Patriarcado Ecumênico, que trabalhou por 100 anos para realizar este sonho. A ideia é avançar em conjunto na Igreja. A palavra grega para concílio é "synodos", que significa estar na mesma viagem; e o primeiro passo para isso é dar um passo juntos.
Toda a estrutura da Igreja Ortodoxa baseia-se no princípio da conciliaridade. Sem ele, algo pode ser parecido com uma Igreja Ortodoxa e pode ter certas doutrinas e práticas ortodoxas, mas não é realmente ortodoxo. É apenas em concílio que a Igreja Ortodoxa é fiel à sua identidade, fiel a como deve ser
Também é importante ter em mente que o período após o concílio será tão crucial como o evento em si, porque é o período de recepção. Nenhuma regra ou estrutura na Igreja Ortodoxa vem de cima para baixo. É a consciência dos fiéis, da própria Igreja em geral, que protege definitivamente e garante a verdade e a doutrina ortodoxa.
Você está envolvido no diálogo ecumênico com a Igreja Católica. O Papa Francisco traz algo de especial em relação a isso?
O que o Papa Francisco traz, que é paralelo aos interesses teológicos do nosso Patriarca, é uma face mais humana. Ele compreende que as nossas duas igrejas podem trazer muito mais para o mundo juntas em termos de oferecer esperança às pessoas que sofrem. Ao oferecer uma voz conjunta para um mundo que está dividido e em sofrimento, podemos ser muito mais eficazes e positivos.
Quando Francisco e Bartolomeu se reuniram recentemente na ilha grega de Lesbos, foi extremamente significativo e simbólico. Há muitos refugiados lá que literalmente arriscam suas vidas tentando chegar à civilização e à liberdade e sua aparição juntos colocou a crise sob enormes holofotes, oferecendo um lembrete ético sobre como devemos responder a isso.
O fato de que eles colocaram uma coroa de flores no mar juntos foi uma expressão muito significativa da unidade.
Você sabia que em Roma nós costumamos dizer em tom de brincadeira que Bartolomeu é "BFF" de Francisco?
Sim, isso é comum nos círculos ortodoxos também!
Lembre-se de que o Patriarca Bartolomeu esteve presente na missa do Papa pela primeira vez na história. Houve, de fato, algumas vezes no passado em que um Papa esteve presente em Constantinopla para a mudança de algum patriarca, mas nunca havia participado. Quando perguntado por que ele foi, o Patriarca Bartolomeu disse que sentia que havia algo diferente nesse homem e que ele tinha que estar lá.
Eu não acho que seja por acaso que estas duas pessoas sejam os líderes de suas respectivas igrejas neste momento. Eu não acredito que seja uma coincidência
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Conselheiro teológico de Bartolomeu diz que o Vaticano II da Igreja Ortodoxa vai acontecer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU