"Se o fato de não reconhecer a 'igual dignidade de todos os povos' foi fruto de uma 'mundanização' que a Igreja sofreu por muitos séculos, por que não deveria sê-lo não reconhecer os direitos dos trabalhadores perante seus patrões e direitos das mulheres no espaço público?", pergunta o teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado no blog Come Se Non, 27-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "mundana é uma Igreja que não sabe ouvir a história, que não sabe ler a cultura, que não se deixa interpelar por diferentes tradições, que não se deixa provocar e que reage enrijecendo-se, fechando-se, parando. Assim como uma igreja mundanizada não consegue atribuir igual dignidade a todos os povos, uma igreja mundanizada não consegue reconhecer o papel de autoridade da mulher".
O impacto da viagem papal ao Canadá permanece no equilíbrio entre instância de "reconciliação" e "diálogo entre culturas". Muitos chavões precisam passar por uma revisão urgente. Algumas reações, inclusive muito críticas, se dividem entre "escândalo de fé" e "escândalo de cultura". Há aqueles que "pela fé" acreditam que tudo está errado: pedir desculpas e usar vestimentas locais.
Ligados à tradição, mas não àquela cristã, mas àquela da sociedade fechada, esses católicos "íntegros" caem em um equívoco realmente clamoroso. Eles pensam que podem defender a fé sem pensar, ou pensando mal. No "escândalo pelas palhaçadas" fala uma falta de cultura que consegue conceber os "pele-vermelha" na melhor das hipóteses como "máscaras de carnaval". Se você não se esforçar para entrar na cultura indígena, que se representa com "vestes sagradas" de uma forma tão diferente da nossa, você fica naquela posição de "superioridade entre os povos" que "Pacem in terris", pela primeira vez, em 1963, havia entendido como completamente ultrapassada pela história.
Na história do Canadá há os graves sinais de uma injustiça, de uma negação da identidade, que o Papa, no discurso de Edmonton de 25 de julho, define em duas breves passagens. Na primeira, ele descreve o que aconteceu:
"Dói-me pensar que os católicos contribuíram para as políticas de assimilação e emancipação que veiculavam um sentimento de inferioridade, roubando comunidades e pessoas de suas identidades culturais e espirituais, cortando suas raízes e alimentando atitudes preconceituosas e discriminatórias, e que isso tenha sido feito também em nome de uma educação que se supunha cristã."
Depois, na segunda, interpreta o caso:
"Os crentes se deixaram mundanizar e, em vez de promover a reconciliação, impuseram seu próprio modelo cultural. Essa atitude é dura de morrer, mesmo do ponto de vista religioso. De fato, pareceria mais conveniente inculcar Deus nas pessoas, em vez de permitir que as pessoas se aproximem de Deus. Mas isso nunca funciona, porque o Senhor não age assim: não obriga, não sufoca e não oprime; sempre, por outro lado, ama, liberta e deixa livres. Não é possível anunciar Deus de uma maneira contrária a Deus, mas quantas vezes isso aconteceu na história!”
Para compreender as razões da viagem e do pedido de perdão, é necessário ir à raiz da questão, que Francisco expressa com esse conceito, que lhe é próprio, mas que, no entanto, passa por uma palavra que pode facilmente ser mal interpretada. O que significa a expressão "os crentes se deixaram mundanizar"? As práticas católicas de injustiça resultaram de uma "mundanização" que não significa antes de tudo uma "submissão ao mundo", como seríamos tentados a pensar, mas um "enrijecimento numa cultura fechada, incapaz de reconciliação".
O mundanismo espiritual não é escuta dos novos sinais, adaptação a novas condições, rendição a novas evidências, mas sim enrijecimento nas próprias convicções e falta de escuta das histórias de vida dos homens e das mulheres. Isso nos surpreende, porque coloca o "mea culpa" que Francisco proferiu no Canadá, dentro de um contexto muito mais amplo e complexo, afastando-o da lógica epidérmica dos bons sentimentos. Se o fato de não reconhecer a "igual dignidade de todos os povos" foi fruto de uma "mundanização" que a Igreja sofreu por muitos séculos, por que não deveria sê-lo não reconhecer os direitos dos trabalhadores perante seus patrões e direitos das mulheres no espaço público?
Os três sinais dos tempos, que João XXIII enumera em sua última encíclica, são um terreno extremamente insidioso, no qual é fácil inverter as coisas e pensar que a "mundanizar" consiste em atender aos sinais dos tempos e que, portanto, "não se tornar mundano" exige "permanecer fechado". Mas a Igreja em saída é a Igreja que sai da mundanização, porque ser mundanos consiste em não sair!
A expressão "sinais dos tempos", por sua vez, pode ser facilmente mal interpretada. Para realmente entendê-la, em sua formulação que se encontra em Pacem in terris, podemos dizer como os sinais dos tempos eram chamados até 1963: ou seja, nada menos que “erros modernos”. Que todos os povos desfrutem da mesma dignidade, que o trabalho seja um lugar de direitos fundamentais e que a mulher tenha autoridade em público são três “chavões” na luta do antimodernismo contra o modernismo.
Quando os "erros modernos" se tornam "sinais dos tempos", o mundo muda porque a teologia da igreja muda. No caso do Canadá, a inércia da persuasão sobre os "erros modernos" possibilitou manter uma relação discriminatória com os "povos diferentes", permitindo que a igreja compartilhasse abordagens discriminatórias, abusivas e desenraizantes que a cultura institucional canadense havia produzido e apoiado por décadas. Se os homens da Igreja tivessem se posto à escuta desses "sinais", em que a história tem que ensinar à Igreja, poderiam ter evitado muitas injustiças, muitas vidas destruídas, muitos ódios insuperáveis.
Mundana é uma Igreja que não sabe ouvir a história, que não sabe ler a cultura, que não se deixa interpelar por diferentes tradições, que não se deixa provocar e que reage enrijecendo-se, fechando-se, parando. Assim como uma igreja mundanizada não consegue atribuir igual dignidade a todos os povos, uma igreja mundanizada não consegue reconhecer o papel de autoridade da mulher.
O mesmo papa que veste penas de pássaros como cocar, e assim restitui simbolicamente toda a dignidade aos povos indígenas do Canadá, começou a remover outro elemento de mundanidade, acolhendo outro "sinal dos tempos": a autoridade da mulher no mundo e na Igreja. Uma igreja que não se mundaniza sabe superar a reserva masculina como critério geral para a compreensão de cada ministério na Igreja.
O mesmo papa que beija a mão e abraça os ombros dos povos indígenas pode embarcar em viagens da reconciliação com as mulheres excluídas de toda autoridade. Este é mais um sinal dos tempos para o qual tanto mais teremos que pedir perdão quanto mais ainda permitirmos que as lógicas da sociedade fechada, aquelas mesmas que produziram as "escolas residenciais" no Canadá, ditem a lei sobre como delimitar ontologicamente a autoridade feminina na comunidade dos discípulos de Cristo.
Mesmo que não tenham uma "coroa de plumas", essas "dignidades incompreendidas" também serão lugar de viagens penitenciais, num futuro não muito distante, sem sombra de dúvida. Para não impor aqui também um modelo cultural, e mundanizarmo-nos com ele, precisamos escutar e valorizar.
Não se deve impor e inculcar, mas deixar ao Espírito mostrar com liberdade e imaginação as riquezas a que facilmente seríamos convencidos de ter que renunciar. Como acontecia no Canadá, na Igreja, até algumas décadas atrás, certamente havia mais de um ministro eclesial que estava convencido de que as práticas de "desenraizamento e assimilação" fossem necessárias e oportunas, para "dar dignidade" aos povos que não a tinham. Da mesma forma, não faltam sujeitos católicos que ainda estão convencidos, não apenas no Canadá, de que a "irrupção da mulher no espaço público" não deve ser lida como um "sinal dos tempos" com o qual aprender, mas como um "erro moderno" a ser combatido e negado.