11 Junho 2022
Quem disse que as mulheres da Igreja não têm direito de palavra? Certamente não foi o apóstolo Paulo, que, na passagem de 1Coríntios 14,34 – “que as mulheres fiquem caladas na assembleia” – não estava se referindo ao pertencimento a um gênero, mas precisamente às mulheres de Corinto, que naquele momento estavam fazendo barulho, perturbando a reunião.
A reportagem é de Federica Tourn, publicada na revista Jesus, de junho de 2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como poderia ser de outra forma? Paulo sabia bem que o Espírito não pode ser amordaçado: ele sopra onde quer e chama todos e todas para serem testemunhas da sua mensagem. Quem defende isso não é uma teóloga dos nossos dias, mas Domenica Narducci da Paradiso, que em 1507 reivindicava o seu direito de pregar, porque era Deus quem havia lhe dirigido o chamado.
Ao contar isso, Adriana Valerio volta a sentir a mesma emoção: “Descobri 10 pregações inéditas dessa temerária seguidora de Savonarola quando eu trabalhava nos Arquivos de Florença e foi uma fulguração: já naquela época as mulheres liam a Bíblia e ofereciam interpretações alternativas do texto”.
Historiadora e teóloga, Valerio escreveu e editou dezenas de livros no meticuloso trabalho de reconstrução da memória das mulheres na história do cristianismo. Entre eles, destaca-se o monumental projeto interconfessional e multidisciplinar da “Bibbia delle donne” [Bíblia das mulheres], idealizado em conjunto com três biblistas europeias – Irmtraud Fischer, Mercedes Navarro e Jorunn Okland – que prevê um plano global de 21 volumes dedicados à relação das mulheres com o texto sagrado. Uma viagem fascinante, que a estudiosa fez como pioneira e que se tornou o compromisso da sua vida.
“A história das mulheres na Igreja está entrelaçada com a minha experiência pessoal”, conta ela, voltando com o pensamento ao período em que frequentava a Faculdade Diocesana de Teologia de Nápoles.
“Eu era atraída pelo estudo dos Evangelhos e pela teologia, mas não havia mulheres nos tratados e nas aulas em que eu participava. Eu mesma me sentia transparente.” Até os colegas do curso a provocavam com bom humor: “O que você está fazendo aqui?”, perguntam-lhe. Valerio, então, se convenceu de que as mulheres não merecem essa invisibilidade: a sua vida é de estudo e de redescobertas, de escavação nas fontes e entre os documentos, para trazer à tona o tesouro escondido da sabedoria das mulheres, o olhar feminino sobre os textos bíblicos e, não por último, uma visão da Palavra que restitua a cada fiel a liberdade e a vida nova prometidas pelo Evangelho.
Fazer exegese feminista significa tornar visível uma evidência: as mulheres na Bíblia existem e desempenham um papel crucial na história da salvação. Como Rute, a moabita que, viúva e pobre, não abandona a sogra Noemi, mas a segue até a terra de Israel: a genealogia que levará a Davi se fundamenta nessa aliança feminina, demonstrando que a salvação de um povo também passa pela força e pela determinação de uma estrangeira.
“Nesse pequeno texto, polêmico e muito atual em um período de nacionalismos e de fechamento das fronteiras, Deus se manifesta na capacidade de duas mulheres se resgatarem, encontrando justiça e identidade dentro da lei dos homens”, explica a estudiosa.
Rute, na sua humildade, é também um modelo para quem luta por uma reforma da Igreja que vá na direção do serviço a toda a comunidade. “Não estou interessada em reproduzir o mesmo esquema de poder que vemos dentro do clero. Pelo contrário, acho que é importante pôr novamente em discussão o conceito de sagrado”, raciocina Valerio sobre a possibilidade de ter mulheres sacerdotes. Mesmo que, lembra ela, a história de Rute ainda ensine que, sem o envolvimento dos homens, as mulheres não vão a lugar nenhum, “porque a mudança diz respeito a ser Igreja juntos”.
Sobre o seu caminho pessoal de fé, ela recua, como que tomada por uma espécie de pudor: “Não me sinto uma devota: não acho sequer que pertenço a uma Igreja, talvez porque venho de uma família de não crentes. Em vez disso, vivo à margem: frequento uma comunidade de base hospedada pela Igreja Valdense de Vomero, em Nápoles”, confessa.
Depois, acrescenta: “Não sei dizer por que tenho uma grande paixão por esses temas”, como se o corpo a corpo com o texto bíblico não denunciasse por si só uma pergunta urgente sobre o sentido de si e do mundo que os outros chamam de fé. Ou, usando as palavras de outro napolitano, Erri De Luca, que aprendeu hebraico especificamente para traduzir as histórias do povo de Israel: “Acompanhar com o indicador na folha as mesmas pistas, ler as palavras já infinitamente lidas: pode-se encontrar nisso uma devoção nada fútil”. Uma devoção compartilhada com outros e outras ao longo das gerações, e que no caso de Adriana Valerio cimentou a relação entre estudiosas, levando à partilha e a um intercâmbio profícuo entre teólogas.
“Fomos mestras umas das outras, mas não em uma relação de dependência”, especifica, citando com afeto e reconhecimento Romana Guarnieri, Marinella Perroni, Cettina Militello.
Seu próximo livro também falará sobre a sororidade, centrado na figura de Maria Lorenza Longo, fundadora no século XVI do Hospital dos Incuráveis de Nápoles e de três mosteiros, uma farmácia, um banco para ajudar os pobres: “Ela tinha uma visão global do cuidado”, sublinha a historiadora. “Quando se entra nas histórias das mulheres, muitas vezes se encontra essa capacidade de responder às necessidades das pessoas.”
Por fim, por trás de tanta atenção ao pensamento das mulheres, sempre há o desejo de fazer memória. Há cinco anos, Adriana Valerio doou os seus livros – alguns milhares – para a biblioteca Leopoldina Naudet, de Verona. “Pelo menos os meus livros têm um futuro”, diz ela sorrindo. Agora, graças a ela, uma seção dedicada a “Mulheres e Fé” poderá se tornar um ponto de referência para a pesquisa feminista.
“Estou contente que eles estejam em um local de encontro secular, à disposição de todos”, comenta. Depois, acrescenta rindo: “Mesmo que, de vez em quando, eu acabe procurando um deles e me perguntando: onde está este livro? Ah sim, está em Verona!”.
Nascida em 1952 e graduada em Filosofia e em Teologia, lecionou História do Cristianismo e das Igrejas na Universidade Federico II de Nápoles. Autora de muitos ensaios, foi presidente da Associação Feminina Europeia para a Pesquisa Teológica e atualmente dirige o projeto internacional “La Bibbia e le Donne”, que envolve estudiosas de todo o mundo.
Na Itália, os 10 primeiros volumes do projeto foram publicados pela editora II Pozzo di Giacobbe. Seu último livro, “Eretiche” [Hereges], acaba de ser lançado pela editora II Mulino. Casada, tem dois filhos e vive em Nápoles. O arcebispo de Nápoles, Domenico Battaglia, nomeou-a como sua delegada para os leigos no Sínodo.
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Ser Igreja, homens e mulheres juntos. A perspectiva de Adriana Valerio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU