26 Julho 2022
O Cardeal Czerny ao lado do Papa no Canadá. A comunidade cristã chamada a abraçar "aqueles que sofreram as consequências do colonialismo e da repressão cultural".
A reportagem é de Riccardo Maccioni, publicada por Avvenire, 24-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A jornada do Papa começa fisicamente hoje, mas para encontrar seu verdadeiro início é preciso voltar mais para trás. Às denúncias dos horrores causados em todas as latitudes pela colonização ideológica, às conclusões do Sínodo sobre a Amazônia, especialmente em 1º de abril passado. Naquele dia, o Pontífice encontrou-se com uma delegação dos povos indígenas canadenses: havia representantes das Primeiras Nações, dos Métis, dos Inuit.
Ao fundo, a dramática história das chamadas escolas residenciais, institutos em que se trabalhava para apagar a identidade dos nativos. Estima-se que cerca de 150.000 crianças foram arrancadas de suas famílias e obrigadas a estudar nesses centros. Cerca de 4 mil morreram ali devido a doenças, fome, abusos. O discurso do Papa foi muito duro lembrando esses acontecimentos, um discurso em que duas palavras ressoaram com força: indignação "porque é injusto aceitar o mal, e é ainda pior acostumar-se ao mal". E depois: vergonha "pelo papel que vários católicos, sobretudo com responsabilidades educacionais, desempenharam em tudo o que vos feriu, nos abusos e na falta de respeito pela vossa identidade, pela vossa cultura e até pelos vossos valores espirituais”.
Pode-se dizer que o encontro de abril deu origem à atual visita que, com uma fórmula inusitada, Francisco definiu como uma "peregrinação penitencial". Na verdade, a mesma expressão também foi usada para a viagem ao Iraque, observa o cardeal Michael Czerny. "O próprio Pontífice disse isso durante a audiência geral de 10 de março de 2021: ‘Senti com força o sentido penitencial desta peregrinação: não poderia me aproximar daquele povo torturado, daquela Igreja martirizada, sem carregar sobre mim, em nome da Igreja Católica, a cruz que carregam há anos; uma grande cruz, como a colocada na entrada de Qaraqosh’”.
O prefeito do Dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral acompanhará o Pontífice na visita. “Minha esperança - explica - é que a peregrinação penitencial do Santo Padre impulsione todas as componentes da sociedade canadense - pertencentes a qualquer comunidade de fé ou não crentes - a manifestar autêntico respeito pelos povos indígenas. E que estes últimos estejam plenamente envolvidos no processo de formação e desenvolvimento do país, trazendo seus valores espirituais, comunitários e ambientais. Da mesma forma, espero que dentro da comunidade católica possam participar e contribuir mais plenamente com a vida da Igreja”.
Embora o senhor tenha nascido na então Tchecoslováquia, cresceu no Canadá. Com que sentimentos viverá os próximos dias?
Morei no Canadá até 1989. Como a maioria dos canadenses "não-indígenas", não sabia o que veio a público após o pedido de desculpas do governo em 2008 e o relatório da Comissão de Verdade e Reconciliação de 2015. Acredito que a experiência adquirida no Sínodo da Amazônia poderá me ajudar a compreender melhor tanto os desafios como as possibilidades para os povos indígenas do Canadá.
A referência essencial da viagem são os abusos cometidos nas chamadas escolas residenciais. Os momentos centrais desse percurso, que quer ser de reconciliação, de cura das feridas, serão o encontro e a escuta.
Houve um grande trabalho preparatório, com consultas em todos os níveis. Não sei o que dirá o Papa, mas prevejo que suas intervenções serão humanamente, simbolicamente e espiritualmente ainda mais fortes do que as declarações feitas em 1º de abril. É preciso ainda ter presente que esta viagem representa uma exceção ao calendário habitual. De fato, o Papa decidiu interromper as habituais férias de verão em julho e, apesar da dor evidente, quer traduzir em fatos o que diz. A atenção aos marginalizados, excluídos, descartados da humanidade é central para sua liderança da Igreja e no mundo. Tenho certeza que isso vai emergir claramente nos discursos e nos gestos da viagem.
O Pontífice falou de colonização ideológica, que é exatamente o contrário da "boa" evangelização, se assim podemos dizer, também baseada no testemunho. Aquela pela qual a Igreja cresce por atração...
Como canadense, sacerdote católico e jesuíta, participei da belíssima cerimônia intercultural no Santuário dos Mártires em Midland, Ontário, em 1984, e ouvi pessoalmente São João Paulo II proclamar: "Cristo anima o próprio centro de cada cultura, portanto, não só o cristianismo interessa todas as populações indígenas, mas Cristo, nos membros de seu corpo, é ele mesmo índio” ou indígena, como dizemos agora. Hoje somos capazes de apreciar melhor o que na época tínhamos dificuldade para entender. Quase 40 anos depois, é realmente comovente acompanhar o Papa Francisco em seu grande esforço físico para encontrar os membros do Corpo de Cristo no Canadá que pertencem às Primeiras Nações. Uma peregrinação penitencial para buscar o perdão pelos terríveis efeitos causados por não reconhecer Jesus Cristo "ele mesmo como um indígena".
Trata-se também de valorizar a sua riqueza, a sua profundidade espiritual. Poucos meses depois de ser eleito Papa, Francisco escreveu: "É um fato indiscutível que nenhuma cultura pode esgotar o mistério de nossa redenção em Cristo" (Evangelii gaudium 118). Se essa convicção tivesse sido aceita por todos os que estiveram envolvidos nos séculos seguintes no "descobrimento" das Américas, muitos sofrimentos teriam sido evitados, grandes desenvolvimentos teriam ocorrido e as Américas teriam sido melhores como um todo.
Um lembrete que diz respeito às Igrejas e a todos os crentes. Os católicos de hoje podem não se sentir envolvidos nos erros do passado, mas são chamados a cuidar daqueles que sofrem as consequências do colonialismo, do racismo, da repressão cultural. Os pecados de ontem sobrevivem e todos devem fazer sua parte para superá-los. Os canadenses em geral, não apenas os católicos, precisam de um maior conhecimento das dinâmicas do colonialismo praticado dentro do país e não apenas pelas potências estrangeiras que entram em seu território.
Em abril passado, o Papa dirigindo-se aos bispos canadenses disse: “Meus irmãos bispos: obrigado! Obrigado por vossa coragem. O Espírito do Senhor se revela na humildade. Diante de histórias como as que ouvimos, a humilhação da Igreja é fecunda”. A humildade diante de atos vergonhosos e ofensivos, independentemente de ser pessoalmente responsável ou não, é fecundidade. Espera-se que este seja um efeito de longo prazo da Comissão da Verdade e Reconciliação e dos vários pedidos de perdão.
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O Papa no Canadá. Cardeal Czerny: “Mais respeito pelos indígenas” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU