03 Julho 2021
“Por décadas, o povo de Deus ficou angustiado com a ofuscação por parte dos líderes da Igreja que liberaram apenas um pingo de documentos incompletos de arquivos diocesanos e provinciais, enquanto os investigadores lutavam para descobrir a verdade sobre o abuso de crianças por padres norte-americanos e os encobrimentos desses crimes. A Igreja nos Estados Unidos deve demonstrar que aprendeu com o sofrimento que essas falhas impuseram aos sobreviventes, suas famílias e católicos em todos os lugares”, escrevem os editores da revista America, dos jesuítas estadunidenses, 30-06-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
A Comissão de Verdade e Reconciliação do Canadá tem ajudado todas as comunidades de canadenses e das Primeiras Nações a lidarem com as dolorosas realidades do passado colonial de sua nação, particularmente o legado horrível de suas escolas residenciais para crianças indígenas. Essas escolas, muitas administradas por ordens religiosas católicas e destinadas a serem motores de assimilação, tornaram-se centros de desespero e brutalidade.
A recente descoberta de centenas de tumbas sem nomes em duas escolas, e a probabilidade de encontrar outras milhares em outras escolas residenciais, aumentaram a angústia. Mas, pelo menos no Canadá, uma fundação para a reparação está sendo pensada por uma comissão apoiada pelo governo para a verdade e a reconciliação.
Nenhum processo similar começou nos Estados Unidos, embora muitas outras crueldades parecidas ocorreram neste lado da fronteira, em um sistema de mais de 350 escolas para nativos americanos no século XIX que era o modelo para a rede canadense. E assim como no Canadá, a Igreja Católica tinha um papel significativo na administração dessas escolas, que despiu as crianças indígenas de suas linguagens e culturas.
Começando em 1819 e continuando até 1969, o governo dos EUA forneceu os recursos e apoio logístico para as escolas, e grupos religiosos, incluindo a Igreja Católica, estavam entre os destinatários dispostos. De acordo com a Coalizão Nacional de Cura do Colégio Interno de Índios Americanos, em 1926 havia 357 escolas em 30 estados com mais de 60 mil crianças. As ordens religiosas católicas aqui nos Estados Unidos administraram 84 escolas. A Companhia de Jesus administrou quatro delas.
O Departamento do Interior é, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, liderado por um nativo americano. A secretária do Interior, Deb Haaland, ordenou uma investigação sobre a história dessas escolas e uma busca por túmulos de crianças que podem ter morrido nelas.
Ao anunciar a iniciativa, Haaland disse que esperava que “lançasse luz sobre os traumas não ditos do passado”.
“Sei que esse processo será longo e difícil”, disse ela. “Eu sei que este processo será doloroso. Não vai desfazer o desgosto e a perda que tantos de nós sentimos. Mas somente reconhecendo o passado podemos trabalhar em direção a um futuro que todos temos orgulho de abraçar”.
Depois de tanto tempo, será difícil determinar a causa da morte de muitas das crianças que serão encontradas nessas sepulturas. Muitos dos mortos certamente morreram por causa de doenças como a tuberculose, que também ceifou muitas vidas entre crianças em escolas residenciais no Canadá. Mas identificar a tuberculose e outras formas de mortalidade “natural” entre essas crianças em idade escolar não contará toda a história.
Uma revisão completa dos registros sobreviventes será importante para ajudar a descobrir histórias individuais e ajudar a construir uma narrativa mais ampla da mortalidade nos internatos. A Igreja nos Estados Unidos deve fazer todos os esforços agora para se preparar para esta investigação do Departamento do Interior e para o empreendimento mais amplo e abrangente de desvendar a história completa dos internatos e do papel da igreja nos maus tratos a essas crianças indígenas.
Por décadas, o povo de Deus ficou angustiado com a ofuscação por parte dos líderes da Igreja que liberaram apenas um pingo de documentos incompletos de arquivos diocesanos e provinciais, enquanto os investigadores lutavam para descobrir a verdade sobre o abuso de crianças por padres norte-americanos e os encobrimentos desses crimes. A Igreja nos Estados Unidos deve demonstrar que aprendeu com o sofrimento que essas falhas impuseram aos sobreviventes, suas famílias e católicos em todos os lugares.
Agora é a hora e aqui está a oportunidade. Quando esta investigação preliminar começa, a Igreja deve trazer tudo à luz – completa e rapidamente. As autoridades da Igreja dos EUA devem buscar e compartilhar vigorosamente os arquivos e materiais trancados em chancelarias, arquivos acadêmicos e sótãos de comunidades religiosas. O perdão e a cura só podem começar depois que a parte mais difícil for abordada: confrontar o passado, falar a verdade, revelar o pior.
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A Igreja Católica precisa começar a esclarecer – completamente – o que fez aos nativos norte-americanos. Editorial da revista America - Instituto Humanitas Unisinos - IHU