02 Junho 2022
Observando a história da Igreja Católica, notamos como, especialmente nos últimos cinquenta anos, os temas que atravessam a sexualidade ganharam um espaço cada vez mais relevante: a Humanae Vitae de Paulo VI (1968), com a proibição da contracepção artificial; na década de 1970 as batalhas contra o divórcio e o aborto na Itália; depois a explosão dos escândalos da pedofilia do clero, o papel das mulheres, os homossexuais, as uniões civis, o celibato obrigatório, até o gênero.
A reportagem é de Luca Kocci, publicada por Il Manifesto, 01-06-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Porém na Bíblia, nos Evangelhos e até mesmo na tradição, o sexo não é um tema nem central - Jesus nunca falou a respeito - nem monolítico, se considerarmos que o modelo de família apresentado nas Escrituras não é exatamente aquele da "lei natural" proclamada pelos pontífices, que a obrigação do celibato para padres e religiosos tornou-se lei canônica apenas no século XII e que inclusive o aborto até o Concílio Vaticano I (1869-70) era considerado pecado grave, mas não equiparado ao assassinato.
Então, como não tem fundamentos sólidos bíblicos nem no “depósito da fé”, a razão do peso conquistado pela questão sexual é outra, ou seja, o poder. O ano chave - é a tese do historiador Daniele Menozzi - é 1789. Quando a Igreja, após a Revolução Francesa que promoveu a autodeterminação dos comportamentos políticos, começa a acreditar que o único âmbito em que pode tentar continuar a exercer uma forte influência é o da moral sexual.
Porque controlar a sexualidade e os corpos significa controlar as pessoas e relançar o projeto de "reconquista cristã" da sociedade. Eis então a emanação dos documentos magistrais ad hoc, a insistência obsessiva na confissão sacramental dos pecados sexuais, até os "princípios não negociáveis" de Ratzinger, onde se destaca a "estrutura natural da família", como união homem-mulher baseada no casamento.
Um imobilismo doutrinário que se constitui como uma falha na relação com a modernidade, que entra em conflito com uma sociedade em movimento e que provoca aquele "cisma silencioso" que, iniciado nos tempos da Humanae Vitae, está cada vez menos submerso hoje. O muro de silêncio foi rompido pelo escândalo da pedofilia nos EUA (desde os primeiros artigos de Jason Berry na década de 1980 até o explosivo caso Spotlight em Boston) e pelas investigações jornalísticas sobre o abuso de freiras por padres (pelo National Catholic Reporter nos EUA e Adista na Itália), abrindo o debate na sociedade e na Igreja, sobre todas as questões sensíveis: abusos sexuais, mas também papel da mulher, condição dos homossexuais, celibato dos padres. Em suma, as situações de “irregularidade”.
A traçar esse percurso de forma documentada e clara e dar conta da discussão que ocorre na Igreja é o livro do vaticanista Iacopo Scaramuzzi (Il sesso degli angeli. Pedofilia, femminismo, lgbtq+: il dibattito nella Chiesa, em tradução livre, O sexo dos anjos. Pedofilia, feminismo, lgbtq +: o debate na Igreja, Edizioni dell’asino, pp. 216, euro 18), enriquecido por entrevistas com historiadores (Menozzi e Adriana Valerio), jornalistas (Berry), ativistas dos direitos das mulheres e dos homossexuais e da ex-presidente irlandesa Mary McAleese.
Il sesso degli angeli. Pedofilia, femminismo, lgbtq+: il dibattito della Chiesa
Como o Papa Francisco se situa nessa história? Como um papa "paradoxal", que por um lado contribuiu a destampar muitas questões e por outro parece retardar os processos que ele mesmo iniciou: "o papa argentino abriu portas e janelas para deixar entrar ar novo, depois as encostou para evitar o vento”, resume com eficácia Scaramuzzi.
Sobre o mesmo tema, mas dedicado exclusivamente à "questão homossexual", há outro volume, cuja nova edição acaba de ser publicada: Antonio De Caro, La violenza non appartiene a Dio. Relazioni omosessuali e accoglienza nella Chiesa, em tradução livre, A violência não pertence a Deus. Relações homossexuais e acolhimento na Igreja (Calibano editore, p. 242, € 15). Com um viés "militante" em relação ao Il sesso degli angeli, De Caro tece experiências de vida, exegese bíblica e reflexões teológico-morais para revelar as obsessões homofóbicas da Igreja Católica e abrir novos caminhos de pesquisa, num horizonte segundo o qual em cada relação autêntica de amor, mesmo que não heterossexual, "se revela a bênção de Deus".
La violenza non appartiene a Dio. Relazioni omosessuali e accoglienza nella Chiesa
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Corpos, sexualidade e poder para além dos limites da esfera espiritual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU