São Francisco, objetor de consciência. Artigo de Tomaso Montanari

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25 Abril 2022

 

Francisco louvou o Senhor por todos os aspectos da vida e até pela “Irmã Morte”: mas nunca pelas armas, que todas as igrejas, na época e ainda hoje, abençoam e encorajam.

 

A reflexão é do historiador da arte italiano Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles. O artigo foi publicado no caderno Il Venerdì, do jornal La Repubblica, 22-04-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

Eis o texto.

 

(Em memória de Chiara Frugoni [falecida no dia 9 de abril passado])

 

No terceiro episódio da vida de Francisco de Assis representada e transfigurada por Giotto na Basílica Superior de Assis, o santo é ainda um jovem cavalheiro, que dorme na sua rica cama com baldaquino. O Senhor lhe aparece em sonho, mostrando-lhe um grande e elegante palácio, completamente cheio de armas cruzadas: escudos, elmos, bandeiras.

 

Vida de São Francisco, “O sonho das armas”, 1290-1292, Basílica Superior de São Francisco, Assis (Foto: Wikimedia Commons)

 

Mas o que as armas dos cruzados têm a ver com o santo que soube viver em paz até mesmo com o lobo e os leprosos, que foi inerme ao encontro do sultão e ordenou aos seus frades que não provocassem brigas e disputas com quem não acreditasse em Cristo?

 

Segundo a “Legenda maior”, Francisco interpretou mal o sonho e, “ignorando os desígnios divinos, decidiu ir à Puglia, a serviço de um nobre conde, com a esperança de adquirir assim o título de cavaleiro que a visão lhe havia indicado”. Mas primeiro Tomás de Celano e depois São Boaventura, constrangidos pela incompreensão de Francisco, leram o sonho em um nível simbólico: a cruz de Cristo impressa nas armas sugere o destino do santo, um “guerreiro de Cristo”.

 

Era uma traição: “Francisco (...), cuja vida transcorreu enquanto a Igreja estava perenemente em armas, pessoalmente não tinha nenhum desejo de se tornar Christi miles, cavaleiro de Cristo: Christi miles, militia e militar são termos totalmente ausentes dos seus escritos para conotar a sua missão e a de seus companheiros, nem mesmo usados em sentido metafórico. Também por esse aspecto, Francisco se destacava claramente da linguagem presente na literatura monástica e hagiográfica de origem bíblica, que preferia a terminologia bélica” (Chiara Frugoni).

 

Aparentemente, não parece fácil dizer qual versão Giotto prefere, mas as bandeiras que ele pinta no palácio das armas são púrpuras e douradas: as cores de Roma e da Igreja. A mensagem é muito clara: os Frades Menores, que encomendaram os afrescos junto com um papa que era seu confrade, estão “prontos a seguir em tudo as diretrizes e as lutas do pontífice, até mesmo tomando partido em favor das cruzadas” (Chiara Frugoni).

 

Afinal, na pintura suprema de Giotto, essas armas são realmente bonitas e convidativas demais: tanto que parecem boas e justas. Totalmente ao contrário do que Francisco pensava, ele que louvou o Senhor por todos os aspectos da vida e até pela “Irmã Morte”: mas nunca pelas armas, que todas as igrejas, na época e ainda hoje, abençoam e encorajam.

 

E talvez hoje entendamos ainda melhor por que este papa profético que veio do fim do mundo quis assumir, o primeiro entre todos os papas, o nome do pequeno santo de Assis: que não amava as armas e amava a vida.

 

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