21 Julho 2021
O assassinato do presidente Jovenel Moïse em 7 de julho de 2021 mergulhou o Haiti completamente no caos. O que alimenta a mentalidade fatalista sobre o destino do país, marcado pelo culto vodu, contra o qual muitos habitantes lutam.
A reportagem é de Pierre Jova, publicada por La Vie, 13-07-2021. A tradução é de André Langer.
A notícia surpreendeu todos os haitianos, até mesmo os opositores do presidente do país. Na noite de 6 para 7 de julho de 2021, um comando executou Jovenel Moïse, chefe de Estado desde 2017, em sua própria residência em Porto Príncipe.
“O Haiti está devastado por crises políticas, mas no inconsciente coletivo isso era inconcebível! A ‘gangsterização’ do país parece ter chegado ao palácio nacional”, lamenta Wilem Jean, estudante haitiano da Universidade de Estrasburgo. “Para um país onde os presidentes se sucederam em um ritmo às vezes frenético, no final das contas são muito poucos os assassinados”, lembra Jacques de Cauna, historiador de Bordeaux, ex-membro da Sociedade Haitiana de História e Geografia e eminente conhecedor do país.
O último governante a morrer de forma violenta foi Vilbrun Guillaume Sam, em 1915, o prelúdio de uma ocupação de 20 anos dos Estados Unidos. Mais de um século depois, as autoridades haitianas mais uma vez apelam ao poderoso vizinho por ajuda para proteger o país...
Esse drama se soma à longa lista de tragédias haitianas, das revoluções palacianas ao terremoto de 12 de janeiro de 2010, que matou 230.000 pessoas, passando pelo escândalo Petrocaribe, um grande desvio de fundos venezuelanos para a classe política haitiana, revelado em 2018, e pelos furacões que regularmente varrem a antiga pérola das Antilhas, que se tornou um dos países mais pobres do mundo.
Neste país majoritariamente cristão, uma angústia existencial agita os espíritos. Segundo rumores populares, o Haiti seria amaldiçoado por causa de seu apego ao vodu, religião sincrética considerada satânica pelas Igrejas evangélicas haitianas.
“Após o terremoto de 12 de janeiro de 2010, houve campanhas de evangelização espontâneas para libertar o país do pacto firmado entre os dirigentes da época e os espíritos vodus durante a cerimônia Bois-Caïman, em 1791”, confirma Henri Claude Télusma, teólogo batista e professor da Universidade Cristã do Norte do Haiti.
Para entender o significado dessa recriminação, é preciso mergulhar na longa história do Haiti. No final do século XVII, os escravos da opulenta colônia francesa de Santo Domingo acrescentaram às práticas católicas as religiões tradicionais dos atuais Benin e Nigéria.
Assim nasceu o vodu haitiano, crença em um Deus distante, o Grão-Mestre, e nos loas, esses espíritos que se revelam durante as cerimônias xamânicas. Ao som do tambor, os “voduístas” em transe são possuídos pelos loas, que falam e agem por meio deles.
Cada santo católico tem um correspondente loa: Erzulie é a Virgem Maria; Papa Legba, São Pedro; Ogum, São Tiago… “A liturgia católica tem seu duplo no culto do vodu, destaca Henri Claude Télusma. Durante sua primeira comunhão, uma criança vodu guarda uma parte da hóstia para consagrá-la novamente em um ritual vodu”.
Para estar em contato com os loas, é preciso ser batizado no rito católico; o batismo protestante não é reconhecido. O que desperta medo nas Antilhas é o cheiro demoníaco que envolve o vodu.
“É uma religião que mete medo!, diz o teólogo. Um medo experimentado pelos próprios fiéis submetidos aos loas. Se você for consultar o loa para ter um filho, ele realizará o seu desejo, mas todos os anos, em um feriado específico, como o Dia de Todos os Santos, você terá que oferecer um sacrifício ao loa. Se você desobedecer, você corre o risco de ser punido mortalmente!”
O voduísta vive com medo de ser comido pelos loas, ou de ser vítima dos bekas, espíritos malignos à disposição de seus mestres, que podem transformá-lo num zumbi, devolvê-lo ao estado de morto-vivo... Sua salvação nunca estará assegurada.
O vodu está intimamente ligado à cultura haitiana. De acordo com a história da fundação do país, a insurreição vitoriosa dos escravos negros, que culminou na independência em 1804, foi iniciada com um sacrifício vodu em Bois-Caiman na noite da Assunção em 1791.
“Na verdade, o levante já tinha sido planejado durante uma reunião política preliminar, sob a égide de Toussaint Louverture, em Morne-Rouge”, descreve Jacques de Cauna. O futuro chefe supremo dos rebeldes era, além disso, um católico fervoroso, que desconfiava do vodu.
“Se aquela segunda reunião religiosa não tivesse acontecido, não teria mudado muita coisa para as operações. Não é conveniente dizer isso, mas é a realidade histórica!” Nos séculos seguintes, o vodu permaneceu a religião das massas camponesas negras, apesar dos esforços da Igreja Católica para erradicar esse culto pagão, enquanto as elites mestiças ocidentalizadas se envergonhavam do que viam como um sinal de atraso.
Com a invasão americana de 1915, o vodu tornou-se o motor de um nacionalismo negro, que tomou o poder com o regime dos Duvalier, de 1957 a 1986, e depois com o destituído padre Jean-Bertrand Aristide, em 1990. Desde então, o vodu tem boa fama entre certos ativistas pan-africanos da África e do Ocidente, que veem nele a expressão da alma haitiana.
A Igreja Católica, por sua vez, modera sua hostilidade ao vodu, reconhecido em 2003 como religião oficial do país. “Hoje, o protestantismo é majoritário entre os haitianos, mas existem fenômenos de dupla ou mesmo tripla pertença religiosa no Haiti”, observa Henri Claude Télusma. Muitos cristãos se comunicam em segredo com os loa, o que as Igrejas evangélicas denunciam com um radicalismo que os católicos não têm mais.
No entanto, aos olhos do teólogo protestante, o vodu não é capaz de explicar todos os males do país. “Discordo desse fatalismo, que é uma falta de coragem diante da realidade, protestou. Não, o Haiti não está amaldiçoado! É a nossa cidade que é muito mal administrada...”.
Os sanguinários Duvalier e seus milicianos, os Tontons Macoutes, foram sucedidos por Jean-Bertrand Aristide e seus Chimères. Em 2004, Aristide foi deposto pelos Estados Unidos, que colocaram o Haiti sob o controle de uma força militar da ONU.
Nesta época, o setor agrícola foi devastado por políticas liberais de inspiração americana, forçando a importação de arroz estrangeiro a baixo custo e criando favelas habitadas por camponeses desempregados. Com o exército dissolvido sob Aristide, a polícia desorganizada e sem recursos é infiltrada pelas gangues.
Finalmente, a poluição e a superlotação urbanas levaram a um desastre ecológico. “O país não é governado nem administrado”, observou Monferrier Dorval, presidente da Ordem dos Advogados de Porto Príncipe, em entrevista concedida no dia 28 de agosto de 2020 a uma estação de rádio haitiana. “Os partidos não têm ideologia e não têm planos para o país”. Poucas horas depois, o magistrado foi assassinado em sua casa...
Durante esse tempo, algumas famílias riquíssimas reinam sobre a economia: muitos haitianos chegam a pensar que é entre eles que devemos procurar os assassinos de Jovenel Moïse, que, em seu disputado desejo de fortalecer o poder presidencial, colocou em risco seus monopólios.
Além disso, a força do vodu na sociedade é a expressão tangível do fracasso do sistema sanitário, educacional e judiciário. “Se uma pessoa é bem-educada e tem recursos financeiros, ela vai ao médico quando está doente. Se essa mesma pessoa for ao tribunal para obter justiça, ela não irá ao padre vodu para se vingar”, esperava o cardeal Chibly Langlois, bispo de Les Cayes, no The Guardian, em 2014.
O cardeal lembrou de passagem a visão contemporânea do catolicismo sobre o vodu: “A Igreja não pode ignorar os elementos culturais e os usos do vodu, como o tambor, o ritmo e a maneira de cantar. Mas você não pode ser voduísta e católico. O católico deve ser 100% católico, o voduísta deve ser 100% voduísta”.
No entanto, o vodu desempenha um papel na mentalidade desse povo “que ri, dança e se resigna”, nas palavras do escritor haitiano Jean Price Mars, ao dar primazia ao fatalismo. O vodu também é um instrumento de poder e serve para aterrorizar seus inimigos.
“Nós somos mal governados e temos uma compreensão imperfeita sobre Deus, quer seja o deus vodu ou o Deus cristão!”, afirma Henri Claude Télusma, dando como exemplo as Igrejas haitianas que convidam os estudantes para participarem de semanas de jejum e oração, às vésperas do bacharelado, em vez de incentivá-los a estudar...
“Em vez de esperar passivamente pela libertação divina, o haitiano deve pedir a Deus que o ajude de acordo com sua capacidade intelectual e sua força de trabalho! Não é uma maldição, é uma questão de escolha! Devemos ajudar nosso povo a repensar nossa maneira de crer”.
Assim, a teologia seria uma das respostas à eterna crise haitiana. Presidente de 2011 a 2016, Michel Martelly não havia declarado que “a verdadeira reconstrução do Haiti passa pela mudança de mentalidade dos haitianos”?
Tentadas a se fechar na esfera espiritual, as Igrejas do país não devem abandonar seu envolvimento social. “O cristão haitiano pensa apenas no transcendental, acusa Wilem Jean. A falta de poder é reflexo de sua não participação política!”.
No entanto, os católicos tiveram um papel ativo na queda de Duvalier, apoiados pela chegada do Papa João Paulo II ao Haiti em 1986: “As coisas precisam mudar aqui!”, disse o Bispo de Roma.
Eles também organizaram em Porto Príncipe o Congresso Internacional de Filosofia de 1944, com a presença de Jacques Maritain e de Aimé Césaire, numa época em que a França era um campo em ruínas. No Haiti, como em outros lugares, não há fatalidade.
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O vodu no Haiti, entre culto popular e vetor de terror - Instituto Humanitas Unisinos - IHU