11 Janeiro 2011
Um ano após o falecimento da médica e fundadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns, o pensamento de voluntários de todo o país é um só: continuar o trabalho e honrar a missão deixada pela "mãezinha", como ela era chamada. As ações não perderam o fôlego, ao contrário, Zilda se tornou uma espécie de refúgio espiritual nas horas de dificuldades. Os números da Pastoral continuam impressionando e transformando milhões de vidas mundo afora. Somente no Brasil, são acompanhados 1,5 milhão de meninos e meninas. Prova de que o legado de Zilda está mais vivo do que nunca.
A reportagem é de Paola Carriel e publicada pela Gazeta do Povo, 11-01-2011.
O filho da médica, Nelson Arns, coordenador-adjunto da Pastoral da Criança, afirma que o primeiro ano de trabalho sem Zilda foi, como ela dizia, "na mais santa correria". "A agenda dela acumulou com a nossa e ainda houve centenas de homenagens, muitas das quais precisávamos participar pessoalmente". Ele conta que durante o ano ocorreram muitas dificuldades, mas nenhuma em especial. "Ela preocupou-se muito em deixar uma equipe capacitada para o dia em que viesse a faltar."
O sentimento das líderes e voluntárias é que agora têm uma missão para cumprir em nome do legado deixado por Zilda Arns. "Achei muito bonito um depoimento de uma líder referindo que não cuidávamos mais de uma semente, e sim de uma árvore cheia de frutos. Deveríamos fazer, segundo ela, esses frutos alcançarem todas as crianças do mundo que sofrem alguma privação", conta o filho. "Curioso ainda é referirem que sentem sua proteção, do céu. Muitos contam fatos inesperados que ocorreram, em algum momento de angústia ou perigo, e atribuem a ela a ajuda para solucioná-los."
O grande desafio apontado por Nelson são novas ações visando o desenvolvimento infantil. "Em um país que melhorou muito desde o Sistema Único de Saúde e a nova Constituição, as ações são muito mais complexas e exigem maior capacidade de nossos líderes comunitários." O trabalho da instituição fora do país também continua. O aprendizado no Brasil em relação a temas como mortalidade por sarampo e paralisia infantil serve de auxílio para outras nações. "O Brasil, através da Pastoral da Criança, é visto pelas autoridades de outros países como solidário e interessado no maior bem que uma nação possui: suas crianças", afirma o coordenador-adjunto.
Para Flávio Arns – vice-governador, secretário de Educação e sobrinho de Zilda –, o sentimento das lideranças e voluntários é de uma lembrança muito positiva da fundadora da Pastoral. "Em viagens a Minas Gerais, São Paulo, Espírito Santo e Paraná percebi que há, por um lado, uma saudade e tristeza e, por outro, uma vontade maior ainda de trabalhar." Ele afirma que Zilda era uma grande líder, tinha carisma, entusiasmo e união. "As pessoas dizem que ela deu a vida pelo trabalho, então devem seguir com esta missão."
Lembrança
O dia 12 de janeiro de 2010 ainda não saiu da memória da irmã Rosângela Altoé, 54 anos. Era ela quem acompanhava Zilda Arns na visita ao Haiti. A companhia da médica havia se tornado uma constante nos 11 meses que antecederam a tragédia. Zilda procurava alguém para auxiliá-la na coordenação internacional da Pastoral. Rosângela aceitou a missão e passou o ano de 2009 ao lado de Zilda nas viagens e reuniões.
Elas haviam aterrissado no Haiti um dia antes da tragédia. Hospedadas na Casa Episcopal, passaram o primeiro dia conversando com padres de toda a região caribenha sobre o trabalho da Pastoral.
No dia 12, a agenda estava apertada. À tarde, as duas deram uma palestra em Porto Príncipe. Elas conversaram com lideranças haitianas sobre a implantação da Pastoral no país. Quando o terremoto ocorreu, algumas pessoas ainda tiravam dúvidas com Zilda.
Na hora do impacto, Rosângela caiu e perdeu a amiga de vista. Ela acreditava que a fundadora da Pastoral estivesse viva. "Me vi diante do caos total, sem conhecer ninguém. Era como se estivesse perdida no espaço. Foi um momento muito difícil." Ela passou meia hora perambulando próximo ao local da palestra até descobrir que Zilda estava embaixo dos escombros. "Tudo aconteceu muito rápido. Escureceu, a energia foi cortada e fomos alertados para ir à base militar. No dia seguinte, a embaixatriz do Haiti localizou o corpo de Zilda."
As lembranças deste dia ainda surgem na memória de Rosângela. "Ficará marcado para sempre. Digo sempre que não sei distinguir qual o limite entre a tragédia e a graça de Deus, o mistério e o milagre dessa situação." Para ela, a tragédia fez com que o mundo olhasse para a população haitiana. "Todo esse fato serviu para mobilizar o coração das pessoas, para que sejamos menos apegados às coisas e sejamos solidários."
De Forquilhinha à indicação ao Nobel da Paz
Zilda Arns nasceu em Forquilhinha, Santa Catarina, em 1934. Descendente de imigrantes italianos, tinha 13 irmãos, entre eles Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo. Graduou-se em Medicina, casou-se em 1959 com Aloísio Bruno Neumann e teve seis filhos. Dezoito anos depois, o companheiro faleceu e Zilda teve de assumir a família sozinha.
No início da década de 80, fundou, a pedido da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Pastoral da Criança e iniciou um projeto piloto em Florestópolis, no Norte do Paraná. A metodologia inovadora permitia que um batalhão de voluntários em todo o país ajudasse a monitorar a saúde de crianças e gestantes. Em 2004, fundou a Pastoral da Pessoa Idosa.
Apesar da agenda lotada, Zilda gostava de dedicar tempo à família e tinha especial carinho pelos netos. Gostava de participar de almoços e reuniões e passava as férias de final de ano com os filhos. Em 2006, foi indicada ao Prêmio Nobel da Paz. Em 2007, Zilda passou a coordenação da Pastoral para a irmã Vera Lúcia Altoé.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Zilda Arns vira "refúgio espiritual" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU