09 Novembro 2020
Em um movimento sem precedentes para a Igreja polonesa, o Vaticano proibiu um cardeal aposentado de ministrar e aparecer publicamente e usar a insígnia dos bispos.
O cardeal Henryk Gulbinowicz, de Breslávia, também não poderá ser sepultado na catedral arquidiocesana depois de sua morte. A medida disciplinar é um momento histórico e simbólico para a Igreja na Polônia.
A reportagem é de Paulina Guzik, publicada por Crux, 07-11-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Quando a embaixada do Vaticano publica a declaração sobre Gulbinowicz na sexta-feira, o cardeal foi informado sobre a decisão, mas a arquidiocese disse que por seu estado de saúde mental, ele está provavelmente inconsciente do que aconteceu.
O padre Rafał Kowalski o porta-voz da arquidiocese de Breslávia, falou ao Crux que a decisão “é um sinal que as coisas não estão sendo varridas para baixo do tapete na Igreja e que não se reduzirá a pena para ninguém”.
A declaração do Vaticano diz que a decisão vem como “um resultado de inquéritos de acusações contra o cardeal Henryk Gulbinowicz, e depois da análise de outras acusações contra ele no passado, a Santa Sé tomou a medidas disciplinares”.
Embora a declaração do Vaticano não dê detalhes sobre as “acusações” contra Gulbinowicz, isso inclui um requerimento que ele de uma compensação a Fundação São José, a qual foi estabelecida pela Conferência de Bispos da Polônia para ajudar vítimas de abuso sexual.
“Pessoas estão sofrendo, e este é o momento de dizer a elas – sentimos muito”, disse Kowalski ao Crux.
A crise dos abusos na Polônia explodiu após o lançamento de um documentário no YouTube em maio de 2019 chamado Tell No One, dos cineastas conhecidos como Irmãos Sekielski. O filme documentou uma história de abusos e acobertamentos no país e foi visto por mais de 2,5 milhões de pessoas em menos de 24 horas.
Logo após seu lançamento, uma suposta vítima usando o pseudônimo de Karol Chum postou no Facebook que foi abusada por Gulbinowicz, mas nunca denunciou às autoridades da Igreja. No entanto, depois que os escritórios da arquidiocese foram informados da postagem, eles contataram a suposta vítima, e ela finalmente entrou com uma queixa canônica oficial contra o cardeal.
Ele teria sido abusado por Gulbinowicz quando era um estudante de 15 anos no Seminário Menor Franciscano.
Seu caso foi rejeitado pelo Ministério Público Estadual em 2019, devido ao prazo prescricional. A Igreja procedeu com sua própria investigação, que terminou com as medidas disciplinares anunciadas na sexta-feira.
“Mesmo que estejamos falando sobre ações que ocorreram décadas atrás, na Igreja elas nunca serão consideradas muito antigas”, disse a Arquidiocese de Breslávia em um comunicado.
“O fato de sabermos publicamente qual pena foi imposta ao cardeal é uma virada de jogo”, disse ao Crux o padre Piotr Studnicki, chefe do Escritório de Proteção à Criança da Conferência dos Bispos da Polônia.
“As pessoas precisam saber se o caso foi resolvido e qual é a verdade”, disse ele, acrescentando que é um sinal visível de mudança na estratégia de comunicação em torno dos casos de grande destaque na Igreja.
“Basta compará-lo ao caso de Juliusz Paetz, o metropolita falecido de Poznan: Aconteceu há 20 anos e ainda não sabemos como o caso foi julgado”, disse ele.
Robert Fidura, um sobrevivente de abuso sexual clerical, disse ao Crux: “Finalmente. Se uma pena tão séria foi imposta e anunciada publicamente, as razões devem ter sido graves”.
Gulbinowicz foi uma figura importante na Igreja da era comunista na Polônia. Ele se tornou arcebispo de Breslávia em 1975, e era ele quem protegia os recursos da filial local do Solidariedade quando a lei marcial estava para ser imposta ao país em 1981.
Quatro anos depois, João Paulo II o nomeou cardeal. Ele renunciou ao cargo de arcebispo de Breslávia em 2004.
O governo polonês também homenageou Gulbinowicz. O presidente Lech Kaczyński condecorou o cardeal com a Ordem da Águia Branca, e o Instituto da Memória Nacional da Polônia, IPN, o chamou de “o cardeal imparável” à luz de suas atividades anticomunistas.
No entanto, historiadores do IPN mais tarde descobriram uma história mais sombria sobre o cardeal nos arquivos do Estado.
“Antes de estudar os documentos do serviço secreto, parecia que Gulbinowicz era um herói positivo”, disse o professor Rafał Łatka, historiador do IPN, ao Crux.
Łatka e o co-autor Filip Musiał publicarão no final deste mês um novo livro sobre o cardeal chamado “O diálogo precisa continuar. Conversas operacionais do serviço secreto comunista com o cardeal Heryk Gulbinowicz. Um estudo de caso”.
Mesmo que Gulbinowicz não fosse um agente oficial do serviço secreto comunista, historiadores afirmam que suas relações com o Służba Bezpieczeństwa (SB) – serviço secreto comunista na Polônia – por 16 anos foram prejudiciais para a Igreja.
“O bispo Gulbinowicz não informou nem ao primaz [Stefan] Wyszyński, nem ao seu sucessor, o primaz [Józef] Glemp sobre seus encontros com o SB”, disse Łatka, acrescentando que quaisquer encontros entre quaisquer clérigos com o SB foram oficialmente proibidos pela conferência dos bispos.
“Foi graças a essas conversas com o regime que Gulbinowicz conseguiu o cargo que realmente queria – tornar-se metropolita de Breslávia. Era o regime que o queria em Breslávia, considerando que ele não era leal ao cardeal Wyszyński, ao contrário dos candidatos anteriormente indicados pelo primaz”, disse Łatka ao Crux.
O professor também disse que o SB tinha informações sobre as relações homossexuais de Gulbinowicz.
Vários padres poloneses confirmaram em conversas com o Crux que a homossexualidade de Gulbinowicz era um segredo aberto na Igreja na Polônia.
Muitos observadores agora dizem que o caso Gulbinowicz abre a caixa de Pandora para a Igreja na Polônia.
Seu caso toca em vários outros que agora dominam as manchetes no país.
O bispo Edward Janiak foi recentemente removido da diocese de Kalisz depois que alegações de que ele encobriu abusos sexuais clericais foram feitas no início deste ano em Hide and Seek, um segundo documentário produzido pelos Irmãos Sekielski.
Janiak era sacerdote em Breslávia e serviu como bispo auxiliar da arquidiocese de Gulbinowicz.
Além disso, o cardeal era amigo íntimo do arcebispo Józef Kowalczyk, um diplomata polonês do Vaticano que serviu como núncio apostólico em sua terra natal de 1989-2010 e, portanto, foi responsável por enviar nomes de possíveis bispos no país. Kowalczyk mais tarde serviu como arcebispo de Gniezno de 2010-2014.
O jornalista Tomasz Terlikowski disse que as sanções contra Gulbinowicz causarão um terremoto na Igreja na Polônia.
“Agora, as ações do arcebispo Józef Kowalczyk devem ser analisadas através de uma lente de aumento pelo Vaticano”, escreveu ele no Facebook.
Outro colaborador próximo de Gulbinowicz foi o arcebispo recém-aposentado de Gdańsk, Sławoj Leszek Głódź.
Quando era padre, Głódź servia como motorista para as reuniões secretas do cardeal com funcionários do regime.
Głódź foi acusado de encobrir abusos sexuais clericais em sua arquidiocese, e um inquérito foi aberto sob as regras de Vos Estis Lux Mundi, a nova legislação contra abusos do Vaticano que entrou em vigor no ano passado.
“A história dos bispos – incluindo aqueles que morreram como heróis – será escrita novamente”, escreveu Terlikowski.
“Um momento muito difícil está à nossa frente”.
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Polônia. “Tempos árduos” para a Igreja depois de um cardeal ser penalizado pelo Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU