Polônia. Bispos estão mudando de atitude na luta contra a pedofilia

Catedral de São João, Varsóvia, Polônia. Foto: Adrian Grycuk | Wikicommons

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11 Junho 2020

Depois de outro documentário sobre o abuso sexual clerical na Polônia, o primaz do país pede que o Vaticano investigue o bispo que protegeu um perpetrador.

A reportagem é de Magda Viatteau, publicada em La Croix International, 10-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

O jornalista freelancer Tomasz Sekielski desencadeou um debate nacional em sua Polônia natal no ano passado, quando lançou o documentário Tell No One [Não conte a ninguém], um documentário sobre padres pedófilos na Igreja Católica do país.

Ele fez um desdobramento desse filme chamado Hide and Seek” [Esconde-esconde], que ele postou na internet no dia 16 de maio.

Mas, em vez de contar várias histórias, desta vez ele optou por investigar um padre da Diocese de Kalisz e o bispo local, Edward Janiak, que o protegeu.

Nas horas seguintes ao lançamento do novo filme, o arcebispo Wojciech Polak, de Gniezno – que também é o primaz da Polônia e delegado da Conferência dos Bispos da Polônia para a proteção de menores – pediu que o Vaticano investigue Janiak.

O bispo Janiak, 67 anos, não suspendeu o padre acusado nem o denunciou ao Vaticano, medidas que ele é obrigado a tomar, e isso apesar do testemunho de um dos pais das vítimas.

Início de uma nova era

A abordagem do primaz de 55 anos, portanto, rompe com a tradição que remonta à era comunista, na qual as disputas entre os bispos são resolvidas internamente e, acima de tudo, sem ir a público.

“O concreto está começando a rachar”, disse Stanislaw Obirek, professor de antropologia e ex-jesuíta.

“O primeiro filme, mesmo que tenha causado ondas de choque, resultou em nada mais do que belas palavras e uma demonstração de emoções. Desta vez, o bispo não só se pronunciou e prometeu fazer alguma coisa, mas também efetivamente fez algo”, disse Obirek.

“Podemos estar testemunhando o início de uma nova era nas relações episcopais internas”, opinou Zbigniew Nosowski, editor da revista católica Więź.

Ele também ressaltou que o bispo auxiliar de Kalisz instou os membros do conselho presbiteral a assinarem uma carta ao Papa Francisco em apoio ao bispo Janiak.

Mas os padres se recusaram a fazer isso, algo inédito nesse tipo de situação.

Conscientização crescente

O Pe. Andrzej Kobylinski, professor de ética da Universidade Católica de Varsóvia, disse que o aumento da capacidade de resposta da hierarquia se deve a mudanças recentes no direito civil e no direito canônico polonês. Agora, ambos os sistemas criminalizam a não denúncia do abuso.

Os filmes e outras investigações jornalísticas de Sekielski, por sua vez, estão aumentando muito lentamente a conscientização.

“É um processo que levará muitos anos”, previu o padre.

“A lei do silêncio é muito forte na sociedade polonesa em relação à pedofilia. Herdamos essa falta de transparência da era comunista”, disse ele.

O Pe. Kobylinski disse que o poder político da Igreja polonesa é outro obstáculo.

“No ano passado, tivemos as eleições parlamentares. Neste ano, as eleições presidenciais. Cada vez, a pedofilia dos padres é vista como um instrumento de luta política e não como um problema moral”, ressaltou.

Vítimas encorajadas a sair das sombras

Entretanto, mais pessoas estão se manifestando, o que sugere que o primeiro documentário de Sekielski – visto por 25 milhões de pessoas – ajudou a provocar uma mudança de consciência na sociedade polonesa.

“Segundo as pesquisas, quase 80% dos poloneses acham que os bispos devem ser responsabilizados pelos crimes pedófilos dos padres”, disse Artur Nowak, advogado de muitas vítimas.

Ele disse que o sucesso do filme “gerou um clima que encoraja as vítimas a saírem das sombras”.

O Pe. Piotr Studnicki, porta-voz da Arquidiocese de Cracóvia, concorda.

“Embora ainda não tenhamos estatísticas, alguns delegados episcopais me disseram que, desde o lançamento de ‘Tell No One’, eles tiveram o mesmo número de casos novos quanto nos anos anteriores”, disse o padre de 39 anos.

Ele está encantado com a criação da Fundação São José, em novembro de 2019, que forma os empregados da Igreja e auxilia as vítimas de abuso.

Ela é financiada por contribuições impostas ex officio a todos os padres e bispos diocesanos. E uma de suas codiretoras, Marta Titaniec, é uma mulher conhecida pela sua postura progressista.

Linha direta gratuita para as vítimas

Junto com Nosowski e um grupo de amigos, Titaniec iniciou uma linha direta gratuita em março de 2019 chamada “Feridos na Igreja”. Ela ouve as supostas vítimas e oferece conselhos.

“Fomos pegos pelo clericalismo, pensando que a Igreja é, acima de tudo, eles – os padres e os bispos. Com essa iniciativa, decidimos transformar a nossa queixa em ação”, disse ela.

Em apenas um ano, eles receberam 121 ligações.

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