30 Junho 2020
Na pátria de São João Paulo II, o sistema eclesiástico que levou a encobrir os casos de padres pedófilos está sendo descoberto. Como as cartas enviadas nos últimos anos ao Vaticano (ao Papa Francisco, à Congregação dos Bispos, à nunciatura, à Secretaria de Estado) produziram muito poucos resultados, um grupo de 600 fiéis arrecadou o dinheiro necessário para comprar uma página publicitária inteira no jornal italiano La Repubblica, no qual foi lançado um apelo clamoroso ao pontífice para “reparar a Igreja das feridas da pedofilia na Polônia, onde a lealdade à instituição é cega e surda, mais importante do que o bem das vítimas”.
A reportagem é de Franca Giansoldati, publicada em Il Mattino, 29-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os anunciantes acrescentam que, até agora, a falta de uma reação decisiva por parte hierarquia vaticana às denúncias de “comportamentos repreensíveis atribuídos a alguns bispos é motivo de escândalo público”. Os casos específicos de abuso e encobrimento aparecem listados em um site polonês, disponível em vários idiomas (confira neste link).
O site explica que, de várias maneiras, esses comitês de fiéis “tentaram quase desesperadamente contatar o Santo Padre porque – afirmam – amamos a Igreja e não podemos mais ficar em silêncio diante da quantidade de mal que está crescendo nela. Há muitos anos, surgem acusações contra alguns dos nossos bispos, que, mesmo que fossem apenas parcialmente verdadeiras, comprovam abusos escandalosos, relacionados à simonia, mobbing/violência contra os sacerdotes e outras pessoas consagradas e encobrimento de casos de pedofilia”.
Nesse contexto, aparecem os nomes do arcebispo Sławoj Leszek Głódź e dos bispos Jan Tyrawa e Edward Janiak, mas também de outros.
O caso polonês estava naturalmente bem presente no Vaticano, onde há anos se alongavam sombras e suspeitas sobre uma prática amplamente aplicada durante o pontificado de João Paulo II, voltada a salvaguardar a instituição em detrimento das vítimas. O apoio, por exemplo, desfrutado no Vaticano pelo Pe. Maciel– o fundador mexicano dos Legionários de Cristo, que faleceu em 2008 sem nunca ter sido submetido a um processo, apesar da sequência assustadora de violências sistemáticas contra crianças e adolescentes – continua sendo uma prova indelével da prática de encobrir e evitar escândalos públicos.
No ano passado, um filme-documentário disponível no YouTube intitulado “Não conte a ninguém” [assista abaixo] e feito com uma câmera de vídeo escondida por uma vítima de violência, Anna Misiewicz, tocou na ferida.
A mulher havia sido molestada quando tinha 8 anos de idade. Falando com os seus padres agressores, ela coletou seus testemunhos de quando a tocavam, a beijavam e a violavam. “Eu sei que não deveria, mas sucumbi a uma estúpida paixão”, disse um dos padres agora aposentado. “Era o diabo que me aconselhava.” O filme foi visto por 18 milhões de pessoas na Polônia (a população polonesa é de 38 milhões).
O bispo polonês que encobriu o caso do pedófilo que violou Anna passou a ser investigado apenas alguns dias atrás. O Papa Francisco nomeou Dom Grzegorz Rys, arcebispo metropolitano de Lodz, como administrador apostólico.
O arcebispo Wojciech Polak, arcebispo de Gniezno e primaz da Igreja polonesa, além de delegado do episcopado polonês para a proteção das crianças e dos jovens, comentou o documentário sobre os abusos com uma declaração de circunstância, na qual informava a opinião pública de que havia relatado a questão ao Vaticano. “O filme que eu vi mostra que os padrões de proteção das crianças e dos jovens em vigor na Igreja não foram observados.”
Francisco promulgou recentemente uma nova lei para fortalecer a luta contra os abusos, os encobrimentos e a transparência, embora precisamente a transparência continue sendo um dos pontos fracos de muitas nações, incluindo a Itália, onde ela é até um elemento inexistente.
O arcebispo Polak havia expressado a sua dor pelo sofrimento vivido por cada vítima, às quais, segundo ele, sempre compete uma oferta imediata de assistência psicológica, pastoral e jurídica. O bispo reiterava a necessidade de cooperação da Igreja com a justiça civil, a fim de proteger os menores e punir os culpados. “Não há lugar para os ministros que abusam sexualmente de menores. Não pretendemos ocultar os seus crimes.”
Precisamente nestes dias, foi divulgado o resultado de uma verificação feita pela Conferência dos Bispos dos EUA sobre o impacto financeiro de todos os pedidos de indenização feitos pelas vítimas dos abusos durante o ano de 2019. Entre despesas legais e as indenizações, saíram dos cofres da Igreja 280 milhões de dólares em um ano.
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Apelo chocante da Polônia ao papa: exponha os bispos que encobriram os padres pedófilos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU