24 Mai 2019
"Não há palavras." É um profundo e doloroso mea culpa aquele dos bispos poloneses por não ter feito o suficiente para prevenir os abusos de sacerdotes e religiosos contra menores. Reunidos na última quarta-feira em Varsóvia para o Conselho Permanente, a Conferência Episcopal reiterou toda a "vergonha" pelos abusos e as violências que foram protagonizadas por eclesiásticos. Palavras certamente não vazias em um momento em que a Igreja na Polônia, seguindo um destino semelhante àquela do Chile, Austrália e Estados Unidos, é varrida por escândalos de pedofilia no clero.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 23-05-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para reacender o pavio, ou melhor, para explodir a bomba - considerando a enorme cobertura midiáticas dos últimos dias no país - foi um documentário apresentado no sábado, 12 de maio. "Tylko nie mów nikomu" (em português, "Não conte a ninguém") é o título do filme rebatizado por alguns como o "Spotlight" polonês, em referência ao filme vencedor do Oscar de 2016 que narra as investigações do Boston Globe sobre padres pedófilos. Neste caso, não se trata de um trabalho jornalístico, mas uma obra de investigação e pesquisa realizada por dois irmãos, Tomasz e Marek Siekielscy, nos papeis de diretor e produtor, que através de depoimentos diretos ou filmagens com câmeras escondidas quiseram reacender os refletores sobre antigos e novos casos de abusos.
A produção nasceu "de baixo" visto que o documentário - disponível desde sábado à tarde de sábado no YouTube com legendas em inglês - foi financiado com a arrecadação de fundos públicos pelo portal Patronite.pl: cerca de 2.500 pessoas teriam pago um total de 100 mil euros para financiar o filme que desde o seu lançamento até hoje já teve mais de 21 milhões de visualizações.
Desde a sua publicação, a atmosfera no país ficou elétrica, embora em Roma apenas um eco fraco tenha chegado. O caso abalou o PiS, o partido nacionalista conservador que governa a Polônia há quatro anos e que sempre se apresentou como extremo defensor dos valores cristãos, mas principalmente dividiu a Igreja polonesa ao meio.
Entre os bispos, e não apenas, há aqueles que atacam o documentário como iniciativa "violenta" e "anticlerical". Pelo menos nesses termos o rotulou Tadeusz Rydzyk, influente sacerdote redentorista, condutor e diretor da Rádio Maryja (no passado centro de polêmicas por declarações antissemitas e pelo apoio ao "Rosário nas fronteiras"). O arcebispo de Gdansk, Sławoj Leszek Głódź, por outro lado, explicou à imprensa que ele não havia assistido ao documentário "porque eu não olho nada", enquanto o arcebispo de Cracóvia, Marek Jedraszewski, afirmou que todo o filme é uma maneira de "fazer política miserável, baseando-se em mentiras".
Pelo outro lado, o filme foi bem recebido pelos líderes da Conferência Episcopal, que agradeceram ao diretor por seu trabalho de busca da verdade. O primaz da Polônia, Wojciech Polak, delegado episcopal para a proteção de menores, disse estar "profundamente comovido com o que eu vi": "O enorme sofrimento das pessoas feridas causa dor e vergonha", afirmou ele, "agradeço a todos que têm a coragem de contar sua dor. Peço perdão por toda ferida causada por pessoas da Igreja”. "Todas as questões precisam ser esclarecidas - assegurou Polak -. Ninguém na Igreja pode escapar da responsabilidade. Temos que proteger as crianças e os jovens. Não há outro caminho para a Igreja”.
Palavras reiteradas pelo presidente dos bispos, Stanisław Gądecki, que após a sessão de quarta-feira assegurou que o episcopado fará de tudo para "evitar qualquer negligência" com "uma sensibilidade ainda maior para ajudar as vítimas". Já no lançamento do filme, o prelado afirmava: "Em nome de toda a Conferência Episcopal da Polônia, gostaria de pedir perdão a todas as vítimas. Eu percebo que nada pode compensar as feridas sofridas. Certamente este filme também contribuirá para uma condenação ainda mais severa da pedofilia, para a qual não pode haver espaço na Igreja”.
Num clima tão fortemente dividido se inscreve no próximo dia 13 de junho, na Polônia, a visita do arcebispo maltês Charles Scicluna, ex-promotor vaticano para aos casos de abusos, secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé, enviado pelo Papa duas vezes em 2018 ao Chile para investigar os casos de abusos. Algumas pessoas, na mídia, deram a entender que Scicluna foi enviado pelo Papa à Polônia para realizar uma missão similar e "fazer uma intervenção" na Igreja do país do Leste Europeu. Tese apoiada por recentes declarações da vice-presidente Joanna Scheurnig-Wielgus, que afirmou que Scicluna "não virá aqui para passar o fim de semana, mas para dar um jeito em todos esses bispos".
Em vez disso, a Conferência Episcopal Polonesa conta outra história, ou seja, que Scicluna já havia sido convidado em 2018 para presidir um dia de estudo sobre o tema da proteção de crianças e adultos vulneráveis durante a Plenária a ser realizada em Swidnica, em meados de junho. "Os bispos estão gratos pelo fato de o arcebispo Scicluna tenha aceitado o convite que lhe foi enviado há um ano", afirmam em uma nota. "Que a visita ocorra após a divulgação do documentário é pura coincidência", explicam as fontes do episcopado ao Vatican Insider.
A Santa Sé não emitiu nenhum comunicado oficial sobre o assunto, mas confirmou a mesma versão na edição inglesa do portal oficial Vatican News, no qual, no entanto, se ressalta uma ligação entre a visita do arcebispo e a atmosfera de indignação e comoção suscitada pelo documentário.
Dois são os casos relatados nas duas horas e meia de filme que chocaram particularmente a opinião pública. Primeiro a confissão do capelão do ex-presidente Lech Wałęsa, padre Henryk Jankowski (cuja estátua em Gdansk foi demolida como sinal de protesto) e seu confessor de longa data, Franciszek Cybula, que morreu em 21 de fevereiro de 2019, por anos entre os mais importantes e bem conhecidos sacerdotes da Polônia. O próprio Wałęsa, perplexo com as revelações, declarou: "Eu nunca tive nenhuma suspeita sobre Cybula, para as pessoas da minha geração ele era quase um santo, acima de qualquer suspeita".
O segundo caso é o do padre Eugeniusz Makulski, marianista, construtor histórico do Santuário de Nossa Senhora de Licheń. Sua história é relatada através da voz de um garoto que mais tarde se tornou um padre que, permanecendo anônimo, narra as violências que sofreu. Os Marianistas da basílica de Licheń imediatamente tomaram as distâncias após a publicação do documentário, reiterando a dor de todas as vítimas - "Nada é capaz de compensá-los por esse dano" - e explicando que "os casos denunciados foram encaminhados à Santa Sé, de acordo com as normas vigentes da lei da Igreja". Enquanto isso, "padre Makulski submete-se às decisões da Santa Sé e, por decisão de seus superiores religiosos, está excluído de toda atividade pastoral".
Mais intricada é a história, relatada no documentário, de Dom Dariusz Olejniczak, sacerdote de Varsóvia: condenado a dois anos e meio de prisão por pedofilia, ele havia recebido uma ordem judicial que o proibia qualquer contato com menores. Apesar disso, ele continuou a participar de atividades com crianças e adolescentes, incluindo retiros espirituais. Os dois diretores – aparece no filme-documentário - com uma câmera escondida participaram de uma missa celebrada por Olejniczak em uma paróquia de Malbork, em dezembro de 2018. Durante a celebração o padre convida as crianças ao altar e distribuiu a comunhão a elas. Após a publicação do filme, o padre Dariusz, consultando-se com o cardeal arcebispo Kazimierz Nycz, apresentou sua renúncia ao Papa para ser reduzido ao estado laico. A Arquidiocese de Varsóvia anunciou isso em um comunicado: "O padre Olejniczak justificou o pedido pela violação de uma ordem judicial", isto é, "ter realizado atividades relacionadas ao trabalho com crianças e jovens, escondendo este fato de curador designado pelas autoridades eclesiásticas". O padre "expressou seu arrependimento" e assegurou "total cooperação com as autoridades do Estado". Segundo o cardeal "deixou seu local de residência anterior", o seminário Redemptoris Mater em Varsóvia.
Em fevereiro, o encontro de uma vítima polonesa com o Papa, aquele relatório definido como uma "operação instrumental".
No Vaticano, enquanto isso, a situação na Polônia é constantemente monitorada. No entanto, fontes da Cúria explicam, toma-se bastante atenção para distinguir o que são "operações instrumentais" destinadas a "um retorno de imagem político". Segundo alguns observadores e jornalistas, um gesto similar foi o de 20 de fevereiro, de Marek Lisiński, vítima de um padre há 13 anos que, no final de uma audiência geral, entregava ao papa o relatório sobre as violações da lei pelos bispos nos casos de abusos. O relatório havia sido redigido por representantes da Fundação Polonesa "Não tenham medo", que fornece ajuda legal e psicológica às vítimas, ajudando-as também a obter ressarcimentos por parte da Igreja Católica.
Acompanhando Lisiński estavam a deputada Joanna Scheuring-Wielgus, membro do Partido Liberal "Now!", em disputa para o Parlamento Europeu e para o Parlamento Polonês no outono, e Agata Diduszko-Zyglewska, feminista, ligada à extrema esquerda radical. Muitos leram neste gesto uma operação construída ad hoc para obter consenso político em plena campanha eleitoral, enquanto os membros da Fundação afirmam que a presença da deputada só foi útil para conseguir para Lisiński um lugar na audiência, para ter sucesso em uma intenção em que até agora sempre tinha sofrido "obstáculos". A de conversar com o Papa que, no final do encontro, também beijou suas mãos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Polônia. Abusos. A Igreja entre "mea culpa" e polêmicas. Em junho chega Scicluna - Instituto Humanitas Unisinos - IHU