10 Outubro 2020
"Em muitas situações de doença e terminalidade da vida precisamos nos perguntar: - o tecnicamente possível é eticamente correto? Qual é o verdadeiro sentido das intervenções biomédicas", escreve João Batista Alves de Oliveira, médico paliativista pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica/Associação Médica Brasileira.
Precisamos falar de Cuidados Paliativos porque a ética da vida é única. O cuidado que damos ao nascer deve ser dado ao morrer, pois nascer e morrer é parte de um mesmo fenômeno – a vida humana. [1]
O objetivo dos Cuidados Paliativos é alcançar um benefício terapêutico para o paciente considerando-o como um todo e não simplesmente promover um efeito sobre alguma parte do corpo. Definitivamente não se limita à pergunta “tratar ou não tratar”, mas responder qual o tratamento mais apropriado para um paciente com base no seu prognóstico biológico, objetivos, efeitos adversos, circunstâncias pessoais e sociais do paciente. [2]
Tem por objetivo reafirmar a importância da vida até o final, estabelecendo uma assistência que não acelere a chegada da morte, mas tão pouco a prolongue em agonias intermináveis. Busca proporcionar o alívio da dor e dos demais sintomas que trazem sofrimento e integrar os aspectos psicológicos e espirituais ao tratamento, oferecendo, através de uma equipe interdisciplinar, diversas formas de ajuda ao enfermo para uma vida o mais autônoma possível até o final, sem esquecer a sua família que deve enfrentar a doença do paciente e conviver com sua perda. [3]
Inicialmente os objetivos são estabelecidos em probabilidades pelo que, ao longo do tempo podem se tornar inalcançáveis exigindo, então, uma redefinição. Não curar a pessoa quando é possível, é um grave erro, mas é igualmente grave não reconhecer que o doente não pode mais ser curado. É então quando a terapia curativa deve ser substituída pela paliativa. [4]
Em muitas situações de doença e terminalidade da vida precisamos nos perguntar: - o tecnicamente possível é eticamente correto? Qual é o verdadeiro sentido das intervenções biomédicas?
Quando o mundo “surdo” do interior do corpo passa a se fazer ouvir através de sons que não traduzem mais o som da vida, mas os sinais da finitude do tempo, da falência, da técnica, da dor e do sofrimento sentido, nos questionamos acerca do que a ciência tem a nos oferecer. [5]
Os marcos dos Cuidados Paliativos são:
Na beneficência o foco é o bem do paciente e de sua família, o que afasta o uso indiscriminado da tecnologia para sustentar a vida a qualquer custo. Maximizar o bem do outro supõe reduzir o mal, o que leva os profissionais de saúde a perseguir o máximo dos benefícios, reduzindo ao mínimo os possíveis danos e riscos. [6]
A não maleficência refere-se ao profissional de saúde não fazer o mal e assim, evitar o sofrimento do paciente e o prolongamento inútil de procedimentos fúteis.
Para conseguir unir beneficência, não maleficência e qualidade de vida o que prevalece como regra é nunca mentir nem dar falsas esperanças de cura (...) é sobretudo necebssário tranquilizar quer por palavras, quer por atitudes, que o tempo que lhe resta é o tempo de vida e não necessariamente de uma espera angustiante da morte. [7]
O problema, é que os médicos têm dificuldades em compreender os “ingredientes” da esperança, pensando que ela apenas se refere à cura ou remissão, sendo que esta redução do significado conduz à futilidade terapêutica. Os médicos e os doentes necessitam de encontrar a esperança noutros caminhos que não sejam os de prolongar a agonia ou combater a morte. [8]
E porque cuidar é primeiro que tudo um ato de vida [9]... e que a quantidade e qualidade do cuidar que um doente em fim de vida recebe, são potentes adjuvantes ao crescimento da esperança. [10], precisamos falar dela junto àquele que sofre doença grave e incurável ou que se aproxima do fim da vida.
A esperança (que é parte do cuidado e do conforto) é um dos elementos fundamentais na vivência de doentes e familiares em Cuidados Paliativos e é vista como um instrumento eficaz na intervenção face ao sofrimento. [11]
A esperança parece ser produto da fé... inteiramente ligada ao sentido da vida... reconhece as limitações nas situações, acreditando ao mesmo tempo que as oportunidades existem. [12]
A esperança em Cuidados Paliativos vai efetivamente mais além da esperança de cura. Há mudança de foco ao longo do tempo, modificada, realinhada e redimensionada – esperança de cura, que passa pela esperança de tratamento, vai à esperança do prolongamento da vida e finalmente chega à esperança de morte serena. [13]
A manutenção da esperança, o “esperar com” além do “sofrer com”, em Cuidados Paliativos é fundamental, pois permite que os doentes vivam os seus últimos dias de forma mais plena possível, facilitando a transição final e a aceitação da morte com a consequente reconciliação com a vida. [14]
Cuidar de pacientes terminais corresponde a um desafio ético para a medicina e para a sociedade moderna, desencadeando o surgimento de uma nova especialidade: a medicina paliativa. [15]
A resposta da medicina paliativa, e a justificativa para a sua afirmação como especialidade, encontra-se não em números, códigos ou leis, e sim, na qualidade dos cuidados na relação médico paciente, no tipo de participação do paciente na construção de um sentido para os seus últimos instante e na aceitação de outros métodos de validação do saber. [16]
E é mesmo possível ter cuidado, conforto e dignidade mesmo diante da doença grave e incurável ou na terminalidade da vida?
Sim, é possível quando os sintomas físicos foram controlados e quando damos a resposta ao conjunto de necessidades – físicas, emocionais, psicológicas e espirituais – dos doentes e famílias, quando conseguimos aliviar o seu sofrimento, quando conseguimos concretizar desejos, ajudar a pessoa a viver esta fase da sua vida com a maior intensidade, possível, a preservar a esperança e a construir um sentido face à situação, reconhecendo e restituindo o seu sentido de integridade existencial. [17]
Cuidado Paliativo é um jeito diferente de encarar a vida. [18] ... é a mais humana das artes médicas porque não recusa a naturalidade da morte. [19]
Muitos pacientes sofrem (e sofrem muito) porque não conhecem o seu diagnóstico, o seu prognóstico, a proposta e os limites do seu tratamento. Sofrem sozinhos, angustiados, sentindo-se enganados e abandonados. Apenas 49% dos pacientes com câncer avançado estão plenamente conscientes do seu prognóstico. E não discutir o prognóstico pode causar angústia, impedindo o doente de reorganizar e adaptar a sua vida. Doentes que não discutem o fim de vida recebem cuidados médicos mais agressivos perto da morte, resultando em pior qualidade de vida. [20]
Chega uma fase da doença em que é preciso ter em conta as expectativas de vida, o estado funcional e nutricional, a presença e o grau de deterioração cognitiva, a velocidade de progressão da doença, a reversibilidade da situação e as implicações na qualidade de vida, complicações, comorbidades, desejos do paciente para decidir sobre a melhor intervenção. Cada vez mais se reconhece que, na fase de doença avançada, embora não se conseguindo atuar na própria doença, continua-se a necessitar de cuidados de saúde, sendo eventualmente, nesta altura, que deles mais necessitam. [21]
Em Cuidado Paliativo a terapêutica não deve condicionar maior sofrimento ou desconforto ao doente que o próprio sintoma. [22]
Os benefícios e o peso associado ao tratamento paliativo precisam ser constantemente monitorados para que a decisão de continuar, modificar ou descontinuar o tratamento seja sempre colocada em cima da mesa. [23]
Qualquer estratégia terapêutica em Cuidados Paliativos é um processo de decisão que não difere na sua essência de qualquer outro em medicina... Para ser adequada a terapêutica em Cuidados Paliativos, tem de se basear no uso de meios proporcionados aos objetivos propostos, isto é, que promovam qualidade de vida, suspender estratégias que não se revelem benéficas e neste contexto é aceitável suspender ou mesmo não iniciar terapêuticas, que podendo resultar em algum ganho de sobrevivência, se traduza em pior qualidade de vida. [24]
O cuidado e o conforto devem obrigatoriamente passar por compaixão – a compaixão é ver uma pessoa doente e coloca-la no centro das atenções, como nosso semelhante, cujas experiências não podemos compreender totalmente, mas empaticamente nos aproximarmos; experiências que nos tocam por partilharmos a mesma humanidade. [25]
A compaixão é um modo de ser para o outro, através do compromisso, da presença, da responsabilidade e do envolvimento. O compromisso de fazer pelo outro. A presença de ser para o outro. A responsabilidade de responder ao outro. O envolvimento de estar com outro. Compaixão é cuidar. Cuidar é mais que um ato, é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e do envolvimento afetivo com outro. [26]
Uma releitura teórica em comemoração ao Dia Mundial dos Cuidados Paliativos 10.10.20 (sempre o segundo sábado de outubro) diante das restrições para a realização de atividades presencias no isolamento social da pandemia COVID19.
[1] Gracia.
[2] Guillén.
[3] Albo et al.
[4] Gonçalves.
[5] Correia.
[6] Campos; Oliveira.
[7] Pacheco.
[8] Kodish.
[9] Viana.
[10] Parker Oliver.
[11] Duffalt; Watson.
[12] Cuteliffe; Herth; Almeida; Magão; Leal.
[13] Querido; Faslow.
[14] Abiven; Wilkinson; Egnew; Rushing.
[15] Rodrigues.
[16] Martin.
[17] Pereira.
[18] Azevedo.
[19] Nunes; Rego.
[20] Peixoto.
[21] Souza.
[22] Souza.
[23] Peixoto.
[24] Peixoto.
[25] Viana; Silva.
[26] Boff.
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Dia Mundial dos Cuidados Paliativos 2020 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU