30 Abril 2020
O colapso econômico provocado pela pandemia de coronavírus causou algumas reações inesperadas. A do bilionário americano Leo Cooperman é uma delas. “Acredito que tudo o que estamos passando terá consequências muito claras a longo prazo. A número um: o capitalismo tal como o conhecemos mudará provavelmente para sempre”, disse o responsável máximo do fundo de investimento que trabalha exclusivamente para as pessoas e empresas muito ricas. O patrimônio pessoal de Cooperman supera 3 bilhões de dólares.
A reportagem é de Iñigo Sáenz de Ugarte, publicada por El Diario, 24-04-2020. A tradução é do Cepat.
Cooperman vê claramente que o efeito imediato da crise passará pelo aumento das regulamentações ordenadas pelo Estado e pelo aumento dos impostos. “Quando se pede ao governo para protegê-lo, quando as coisas estão indo muito mal, têm todo o direito de regulamentá-lo, se as coisas correrem bem”, explicou, referindo-se à ajuda que somente nos Estados Unidos chegará a trilhões de dólares.
Seu raciocínio não é isento de lógica, mas o mesmo foi dito após 2008. O que acaba de ocorrer nos Estados Unidos com o primeiro grande pacote de ajuda a pequenas empresas indica até que ponto o sistema político é capaz de conseguir que saiam ganhando os mesmos de sempre, ou seja, as corporações que têm mais recursos e principalmente mais influência nas instituições.
O Programa Paycheck Protection Program (PPP), aprovado pelo Congresso, visava ajudar pequenas e médias empresas a sobreviver ao primeiro impacto da crise. Como pode ser visto em sua primeira palavra, deveria servir para que os trabalhadores não sejam demitidos e seus salários mantidos. Este é um programa de empréstimo que é convertido em uma concessão, se a empresa não puder reembolsá-la e demonstrar que o dinheiro recebido foi usado para pagar custos de mão de obra e aluguel. A dotação total era de 349 bilhões de dólares. Era, porque já foi consumida por inteira.
A velocidade com que desapareceu diz muito sobre a catástrofe econômica que está acontecendo. Isso é apenas parte da história. Ao contrário do que opinou Cooperman, o capitalismo, tal como é conhecido nos Estados Unidos, sabe reagir com muita rapidez, pressionando as teclas que sempre funcionam.
A surpresa - se pode se chamar assim - se espalhou quando os nomes de algumas empresas beneficiadas foram conhecidos. A Shake Shack, uma rede de restaurantes com 200 praças em todo o mundo e 595 milhões de receita, em 2019, recebeu dez milhões de graça do PPP (devolveu depois das críticas recebidas). Não tinha problemas de liquidez. Obteve 150 milhões alguns dias depois com a emissão de suas ações na Bolsa de Valores.
Outras empresas com características semelhantes e que também cotizam na bolsa receberam o máximo permitido, como Potbelly, Quantum e Hallador Energy e, às vezes, mais de uma de suas subsidiárias tinha realizado o mesmo pedido de recursos. O setor que mais se beneficiou foi a construção, com 13,1%. Foi favorecido por sua estreita relação com os bancos, que são quem gerenciam a solicitação de ajuda e que lhes deram prioridade, de acordo com uma análise da KBW.
Onde estava o truque? As empresas tinham que ter uma força de trabalho máxima de 500 trabalhadores, um limite de entrada muito alto para as pequenas e médias empresas. Graças a uma emenda no Senado promovida por empresas de lobby que atuam no setor de restaurantes, esse limite foi aplicado ao pessoal que trabalhava em cada uma de suas instalações. Existem poucos restaurantes que possuem mais de 500 funcionários. Um dos senadores que promoveram essa emenda foi o republicano da Flórida, Marco Rubio.
Entre os beneficiários estava um amigo do partido. As empresas pertencentes ao milionário Monty Bennett receberam um total de 59 milhões. Uma delas possui 100 hotéis em todo o país e nenhum deles sozinho possui 500 trabalhadores. A emenda encaixou como uma luva para ele. Como não ajudar Bennett, que doou 150.000 dólares ao comitê de reeleição de Donald Trump e outros candidatos republicanos, nos últimos seis meses?
O programa atendia pela estrita ordem de chegada. As corporações que tinham na folha de pagamento um grande grupo de advogados e contadores especialistas na obtenção de subsídios da Administração e com melhores relacionamentos com os bancos. As reais pequenas empresas descobriram que os fundos alocados ao programa tinham acabado quando chegou a sua vez.
Os protestos subsequentes causaram indignação em alguns políticos. Como esperado, Marco Rubio, um dos responsáveis pelas mudanças introduzidas em benefício das corporações, foi um dos mais protestados. Nesta semana, as duas casas do Congresso aprovaram outra doação de 320 bilhões para o PPP. Foram reservados 60 bilhões para empresas pequenas que não possuem histórico de crédito nos bancos e foram relegadas na primeira rodada. A emenda com o máximo de 500 trabalhadores por local? Essa permanece.
Como o organismo federal que canaliza os fundos não possui a infraestrutura necessária, os bancos têm sido encarregados de atuar como intermediários. Emprestam o dinheiro e, se as empresas não podem devolvê-lo, o Estado faz isso por elas. O PPP permite cobrar do Governo uma taxa de 5% para empréstimos inferiores a 350.000 dólares, 3% para aqueles com menos de dois milhões e 1% para aqueles com mais de dois milhões. Estima-se que ganharão bilhões por sua intervenção. Eles são os primeiros beneficiários deste pacote de resgate.
Os trabalhadores comuns não estão nessa posição. Os de baixo não têm bancos para ajudá-los e quem deve agir não está à altura. São os estados que devem processar seus pedidos para receber o subsídio de desemprego incluído no pacote de resgate para a economia, que chega a dois trilhões de dólares. O caso mais lamentável é o da Flórida, onde apenas 33.000 trabalhadores o receberam até muito recentemente, quando o número total de candidatos é de 650.000, uma vez que os servidores estaduais estão em menor número. Na Califórnia e no Texas, dois terços dos solicitantes estão na lista de espera, segundo dados compilados pela agência AP. A porcentagem em Nova York é de 30%.
A que se deve o especialmente claro atraso na Flórida? “O sistema foi projetado para que seja um completo fracasso. Por quê? Porque faz com que os políticos salvem a cara ao pretender que menos pessoas entrem no desemprego, quando a realidade é que, mesmo antes da pandemia, as pessoas tinham muita dificuldade, não apenas em fazer a solicitação, mas também para receber o subsídio”, disse uma senadora do estado da Flórida.
Agora, só poderá ser resolvido esse congestionamento, se os governos estaduais e municipais receberem ajuda federal para resolver esses pedidos. Republicanos se recusam.
Não existe esse problema com as companhias aéreas, que estão entre as empresas de maior pressão em Washington. Robert Reich, secretário do Trabalho, nos anos 1990, fez as contas: “Foram gastos 50 bilhões dos contribuintes para resgatar o setor de aviação, que é quase o mesmo que os 48 bilhões que gastaram, desde 2010, para comprar na bolsa suas próprias ações” (e que a cotação não caia).
Reich terminava o tweet escrevendo: “Socialismo para os ricos, capitalismo duro para o resto”.
No momento, parece que a previsão do bilionário Leo Cooperman está longe de ser cumprida.
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Estados Unidos. “Socialismo para os ricos, capitalismo duro para o resto” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU