26 Setembro 2019
Enquanto o Sínodo sobre a Amazônia estará sendo realizado no Vaticano, de 6 a 27 de outubro, estariam os bispos alemães tentando aproveitá-lo para promover uma reforma sobre a ordenação de homens casados? Nos bastidores, a questão provoca tensões em Roma.
A reportagem é de Marie-Lucile Kubacki, publicada por La Vie, 21-09-2019. A tradução é de André Langer.
Nas próximas semanas, dois sínodos fundamentais serão abertos na história da Igreja Católica. O primeiro será no Vaticano, e se estenderá durante praticamente todo o mês de outubro. Tratará da Amazônia, e os bispos da região discutirão, sob a orientação do Papa Francisco, os desafios ecológicos, econômicos e espirituais do “pulmão” da Terra, tão cobiçado quanto ameaçado. O segundo, está previsto para começar na Alemanha, pouco antes do Natal, e tem como objetivo encontrar caminhos em resposta à crise dos abusos na Igreja.
Nenhuma conexão entre os dois, pelo menos aparentemente. Porque nesses dois sínodos, as questões separadoras da ordenação de homens casados e dos ministérios femininos serão colocadas sobre a mesa. No primeiro caso, trata-se de responder ao fato de que populações inteiras quase nunca veem um padre, em territórios vastos e de difícil acesso como os da Amazônia; no segundo, é mais uma questão de questionar a escolha dos futuros padres e o modo de viver o celibato à luz da crise atual, como declarou o cardeal Reinhard Marx, presidente da Conferência Episcopal da Alemanha, em uma recente entrevista concedida ao Frankfurter Allgemeine.
Onde as coisas se complicam, é que o cardeal Marx também estará presente no Sínodo sobre a Amazônia, na qualidade de membro do C9 (o Conselho de cardeais encarregados de ajudar o Papa em sua reforma da Igreja). Na sala também estará o Pe. Miguel Heinz, presidente da Adveniat – um dos responsáveis é o bispo Franz-Josef Overbeck, bispo de Essen, Alemanha, presidente da Comissão Episcopal Alemã para a América Latina que, através desta organização humanitária, fornece importante apoio financeiro e pastoral nesta região. Mas este último declarou recentemente a jornalistas alemães que o Sínodo sobre a Amazônia marcará uma “ruptura” na Igreja, que “nada mais será como antes”, porque a “estrutura eurocêntrica da Igreja” mudará, os padres europeus estão cada vez menos disponíveis para ir à América Latina. “O rosto da Igreja local é um rosto de mulher”, acrescentou, reconhecendo o papel das religiosas consagradas na animação das comunidades locais, conforme um artigo publicado no sítio da Conferência Episcopal da Alemanha.
Foi o suficiente para gerar em alguns círculos conservadores a suspeita de uma “agenda progressista” promovida pela Alemanha, com foco na possibilidade de ordenar homens casados e mulheres diaconisas. “O Reno desemboca na Amazônia?”, pergunta o americano Edward Pentin, correspondente do National Catholic Register. Para ele, a prova de que os bispos alemães estariam avançando discretamente seus peões seria a realização de uma reunião de estudo pré-sinodal – por iniciativa da Repam, a rede pan-amazônica muito ativa na redação do documento de trabalho do Sínodo –, na qual um terço dos participantes era de língua alemã, com, na agenda, “uma exposição sobre as implicações teológicas da ordenação de anciãos casados”. A Repam foi fortemente criticada pelo cardeal alemão Gerhard Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que não foi reconduzido ao cargo por Francisco, que denuncia a presença de um número desproporcional de europeus, especialmente de fala alemã, a quem ele acusa de se interessar pela América Latina apenas na perspectiva do sínodo alemão. “O trem para a Amazônia está em movimento: próxima parada na Alemanha”, alfineta, por sua vez, o vaticanista italiano do L’Espresso Sandro Magister, também muito crítico com relação a este pontificado.
Em que consiste? A situação é complexa e as interpretações são muito divididas. Em sua entrevista ao Frankfurter Allgemeine, o cardeal Marx se diz refratário à ideia de que a Igreja da Alemanha resolve seus problemas pela Amazônia, afirmando que poderá ser lógico, “em certas regiões e sob certas condições, permitir padres casados”. Padres casados de idade madura, os famosos viri probati. E acrescenta: “É o que dizem os bispos da Amazônia”. O que dá lugar, quando se pergunta aos diversos atores do próximo Sínodo, a leituras contraditórias. “O Sínodo na Alemanha quer questionar o modo de viver o celibato”, estima uma fonte vaticana. “Obviamente, isso pode levar a encontrar soluções do tipo: ‘os padres podem viver em comunidade, em equipe’, mas é claro que não é isso que vai acontecer. Eles querem abrir a porta para a ordenação de homens casados. Isto está muito claro. E isso representa uma pressão sobre o Sínodo sobre a Amazônia”. Por outro lado, outro bom conhecedor do assunto alerta: “O cardeal Marx é mais complexo nessas questões do que queremos acreditar. Cuidado para não rotulá-lo como um progressista radical!” Pelo contrário, prossegue, “existem expectativas reais entre o episcopado alemão, que espera, por um lado, tirar proveito das aberturas que o Sínodo sobre a Amazônia poderia oferecer para uma situação local grave e generalizada”.
Esta situação explica, em todo caso, o fato de que algumas das reações mais fortes contra o documento preparatório do sínodo sejam encontradas entre os alemães – principalmente entre os cardeais Müller e Brandmüller –, dando a impressão de que o debate pré-sinodal está sendo realizado na língua de Goethe. Mas cuidado com as conclusões precipitadas! Pois se a influência alemã e austríaca foi real durante o Sínodo sobre a Família (as propostas do grupo de língua alemã sobre a importância da consciência das pessoas e o acompanhamento gradual dos divorciados recasados deixaram sua marca no documento final), aqui, ela deverá ser de natureza substancialmente diferente, no sentido de que não haverá “grupo” ou “corrente”, mas algumas pessoas com experiência de campo na Amazônia, principalmente pelo seu envolvimento social e caritativo.
Outro erro seria acreditar que esse interesse mútuo entre teólogos alemães e latino-americanos é um fato recente, que nasceu em função desses dois sínodos. “Na Alemanha, lembra outro observador, sempre houve um grande interesse pela América Latina e vice-versa. Muitos grandes teólogos da libertação estudaram na Alemanha – como Leonardo Boff, que fez aí o seu doutorado. Outros tinham pelo menos contatos. Muitos missionários também foram para a América Latina, como os padres ‘fidei donum’ (‘dom de fé’, ou seja, padres enviados para ajudar outra diocese, N. da R.). Esse interesse mútuo é ao mesmo tempo filantrópico, o que se efetivou em particular pela ajuda da Adveniat (organismo da Conferência Episcopal Alemã que administra a solidariedade dos católicos alemães em favor das Igrejas latino-americanas e fortalece a Evangelização, N. da R.), nos anos 1960, e teológico”. Um intercâmbio que nasceu nos anos posteriores ao Concílio, no ambiente da Teologia da Libertação e do Povo, em torno, especialmente, das questões da inculturação. Reputado conservador, o cardeal Müller, que teve várias passagens pelo Peru e é doctor honoris causa da Universidade de Lima, por exemplo, escreveu um livro com o grande teólogo da libertação Gustavo Gutiérrez (Ao lado dos pobres. Teologia da Libertação. São Paulo: Paulinas, 2014).
Por outro lado, é verdade que a teologia alemã continua sendo uma forte referência, crisol de debate, e o próprio papa, quando questionado sobre a questão dos viri probati, responde citando um missionário alemão. À pergunta, feita durante o voo de volta da JMJ do Panamá: “O senhor permitirá que homens casados se tornem sacerdotes?”, citou Paulo VI: “Prefiro dar minha vida do que mudar a lei do celibato”. Mas, no decorrer do tempo, deixou a porta aberta para uma possibilidade desse tipo “nas áreas mais remotas”, como nas “Ilhas do Pacífico”, “talvez” na Amazônia e “em muitos lugares”. Em outra ocasião, fez referência ao livro do bispo Fritz Lobinger (Padres para Amanhã. Uma Proposta para Comunidades Sem Eucaristia. São Paulo: Paulus, 2007), missionário alemão na África: “Lobinger disse: ‘A Igreja faz a Eucaristia e a Eucaristia faz a Igreja’. Mas lá onde não há Eucaristia nas comunidades?”
Francisco, então, discorreu longamente sobre o pensamento do missionário sobre essas comunidades sem padres cujos “organizadores” são diáconos, freiras ou leigos: “Lobinger diz: poderíamos ordenar um homem de idade, casado – essa é sua tese – poderíamos ordenar um homem de idade casado, mas que exerce somente o munus sanctificandi, ou seja, que celebra a missa, que administra o sacramento da reconciliação e da unção dos enfermos”. Com efeito, se a ordenação sacerdotal dá o múnus triplo de governar, ensinar e santificar, Fritz Lobinger sugere que o bispo dê permissão, nesses casos, apenas para o múnus de santificar. “O livro é interessante, insistiu o Papa, sem, no entanto, posicionar-se sobre a tese apresentada. Isso pode ajudar a responder ao problema. Acredito que o tema deva ser aberto àqueles lugares onde há um problema pastoral decorrente da falta de padres. Não estou dizendo que isso deve ser feito, não pensei sobre isso, não rezei o suficiente sobre esse ponto. Mas os teólogos discutem-no, devem estudá-lo”.
Difícil, portanto, saber qual é exatamente a posição do Papa, mas é certo que ele considera que o tema deve ser discutido em nível local. Em 2014, ele se reuniu com o bispo Erwin Kräutler, missionário austríaco e bispo de Xingu (Brasil, onde vive há mais de cinquenta anos), um dos protagonistas do Sínodo sobre a Amazônia. Em uma entrevista ao Salzburger Nachrichten, jornal austríaco, o bispo relatou a conversa, especialmente sobre a falta de padres em alguns territórios brasileiros: “O Papa explicou que não poderia assumir tudo em suas mãos pessoalmente em Roma. Nós, bispos locais, que conhecemos melhor as necessidades de nossos fiéis, devemos ser corajosos e fazer sugestões concretas”. E acrescentou: “O próprio Papa me falou de uma diocese no México na qual cada comunidade tem um diácono, mas não padre. Existem trezentos diáconos lá que não podem celebrar a Eucaristia”.
Será preciso, portanto, começar a vislumbrar um “Concílio Vaticano III sobre a questão e as Igrejas locais”, especialmente a da Alemanha? Sem tanta certeza, não é tão simples. Porque a reação romana ao outro sínodo, lançado pela Conferência Episcopal da Alemanha, parece contradizer a ideia de uma vontade de “descentralização” a qualquer preço. Depois de receber uma carta de encorajamento do Papa Francisco, no entanto, advertindo-os contra a tentação de “acreditar que a melhor resposta para muitos problemas e deficiências existentes é reorganizar, mudar as coisas... para ordenar e tornar a vida eclesial mais fácil adaptando-a à lógica atual ou àquela de um grupo particular”, os católicos alemães viram com surpresa a chegada de uma carta bastante contundente do prefeito da Congregação para os Bispos, o cardeal Marc Ouellet. Este último considera “canonicamente incorreto” debruçar-se localmente sobre essas questões que envolvem ensinamentos e a disciplina da Igreja universal: as estruturas de poder na Igreja, a vida sacerdotal, o acesso das mulheres aos ministérios e a moral sexual. A fortiori em uma assembleia sinodal de tipo democrático, onde os leigos têm direito a voto. Em suma, o cardeal alertou os alemães contra a tentação de fazer um concílio camuflado de sínodo.
No círculo de Marx, afirma-se que se tratou de um mal-entendido e que o cardeal Ouellet teria reagido a um primeiro rascunho, depois expurgado das passagens problemáticas. Mas, de acordo com outras fontes, a versão mais recente do projeto sinodal não seria tão diferente do primeiro... Foi nesse contexto de extrema confusão e tensão que o cardeal Marx reuniu-se com o Papa na quinta-feira [dia 19 de setembro], assim como com o cardeal Ouellet, para tentar arrumar as coisas. Segundo o órgão de imprensa da Conferência Episcopal da Alemanha, as conversas teriam sido “construtivas”. Os bispos e leigos alemães participantes do sínodo pediram ao Papa “uma conversa pessoal” durante o sínodo alemão, a fim de discorrer sobre “necessidades, perguntas, esperanças e ideias”.
Em todo caso, uma coisa é certa: a quase simultaneidade do Sínodo da Igreja da Alemanha e aquele da Igreja sobre a Amazônia apresenta um risco maior de tensionar a reflexão sobre temas nevrálgicos (a ordenação de viri probati, os ministérios femininos), para ocultar da mídia os outros temas (as questões ecológicas e sociais na Amazônia, mas também os outros temas eclesiais) e de tornar, de rebote, mais ativa a oposição ao Papa Francisco. Para alguns, o sínodo alemão chega muito cedo. Mas esta concomitância de datas também deverá esclarecer as coisas sobre a liberdade que o Papa – que repetiu muitas vezes o seu desejo de delegar às Conferências Episcopais uma “autonomia doutrinária” – está realmente pronto a conceder às Igrejas locais.
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Por trás do Sínodo sobre a Amazônia, a sombra de um sínodo alemão? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU