23 Setembro 2019
No próximo primeiro domingo do Advento, a Igreja alemã começará seu "caminho sinodal" (Synodaler Weg). A iniciativa - como sabemos - foi aprovada pela assembleia plenária de bispos, realizada em Lingen, de 11 a 14 de março de 2019, e também recebeu incentivo do Papa Francisco com uma longa Carta ao povo de Deus, que está em caminho na Alemanha, de 29 de junho, festa dos santos apóstolos Pedro e Paulo. Nesse texto, o Papa Francisco convidava "a caminhar juntos e com toda a Igreja", sob "a luz, a orientação e a irrupção" do Espírito Santo, para "aprender a escutar e discernir o horizonte sempre novo que quer nos doar".
A reportagem é de Antonio Dall'Osto, publicada por Settimana News, 21-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nessa escolha pastoral, o papa Francisco, acolhendo a proposta de um caminho sinodal sugerido pelos bispos, falou de uma sinodalidade de baixo, ou seja, “a necessidade de cuidar da existência e do bom funcionamento da diocese: os conselhos, os paróquias, o envolvimento dos leigos, pois não se pode fazer um grande sínodo sem ir à base, e de uma sinodalidade de cima para baixo, que nos permita viver de maneira específica e singular a dimensão colegial do ministério episcopal e do ser eclesial”.
É um processo – enfatizava o papa - que vai muito além de um simples retoque, mas que requer "uma conversão pastoral" e implica uma recuperação do "primado da evangelização", cuja "principal preocupação deve estar centrada em como compartilhar a alegria indo ao encontro de nossos irmãos, especialmente aqueles que são abandonados no limiar de nossas igrejas, nas ruas, nas prisões e hospitais, praças e cidades". É uma sinodalidade "com finalidade e centralidade da evangelização e o sensus Ecclesiae como elementos determinantes do nosso DNA eclesial".
O cardeal Marx, presidente da Conferência Episcopal, comentando a escolha feita em Lingen, explicou que "a Igreja precisa de um caminho sinodal vinculante que permita um debate estruturado e ocorra durante um determinado período de tempo, juntamente com o Comitê Central dos Católicos Alemães ( ZdK)". Para promover os debates, ele havia ressaltado: "queremos ser uma igreja que escuta".
Para favorecer a nova orientação e as mudanças que esse processo sinodal implica, foram inicialmente criados três Fóruns: o primeiro dedicado ao tema Poder, participação, divisão de poderes, sob a orientação do bispo Karl-Heinz Wieseman (Speyr), o Fórum Moral Sexual, liderado pelo bispo Georg Bätzing (Limburgo), e o Fórum Estilo de Vida Sacerdotal confiado ao bispo Felix Genn (Münster). A esses três fóruns foi adicionado um quarto dedicado ao tema As mulheres nos serviços e ministérios da Igreja.
Enquanto isso, nesses meses em que os preparativos estão em andamento, uma discussão animada se desenvolveu dentro da Igreja alemã entre opiniões diferentes sobre a escolha da forma em que está ocorrendo. Nem todo mundo concorda. O cardeal de Colônia, Rainer Maria Woelki, e o bispo de Regensburg, Rudolf Voderholzer, por exemplo, em agosto passado, apresentaram seu contra-projeto no qual, em primeiro lugar, figurava a nova evangelização e uma transmissão mais forte dos conteúdos da fé. Voderholzer, no entanto, explicou que não pretendia criticar o "caminho sinodal", mas "a sua organização concreta". No entanto, a proposta foi rejeitada com 21 votos, 3 contra e 1 abstenção.
Mas o esboço, que ainda está sendo estruturado, despertou numerosas observações críticas também em Roma. A resposta veio com uma carta de 9 de setembro, assinada pelo card. Marc Armand Ouellet, prefeito da Congregação para os Bispos, que afirma que seu Dicastério, "ao tratar iniciativas sinodais em âmbito nacional", tinha considerado oportuno convidar o órgão competente em matéria, ou seja, o Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, “para expressar uma avaliação sobre o projeto em discussão por parte da Conferência Episcopal Alemã”. Em anexo estava o texto do referido Conselho, datado de 1 de agosto do ano passado. Ouellet recomendava divulgar sua carta aos membros da Conferência Episcopal durante a próxima Plenária, marcada para os dias 23 e 26 de setembro em Fulda.
A resposta do Pontifício Conselho contém numerosas observações críticas sobre o estatuto em elaboração, que dizem respeito não apenas à Igreja na Alemanha, mas à Igreja universal. Entre outras coisas, consta: “No texto do estatuto, em particular nos artigos 3 e 5, referentes à assembleia sinodal e à presidência do ‘caminho sinodal’, fica a impressão de que a Conferência Episcopal e o ZDK (Comitê Central dos Católicos Alemães, ndr) sejam paritários entre si: enviam um número igual de participantes, gozam de direitos iguais, têm voto deliberativo etc. Essa paridade entre bispos e leigos não pode existir eclesiologicamente. Existe uma responsabilidade comum na Igreja e todos os fiéis ‘são chamados a realizar, de acordo com as condições própria de cada um, a missão que Deus confiou à Igreja para ser realizada no mundo’ (cân. 204, par. 1; cf. cân. 208). Isso não significa, no entanto, que a Igreja seja estruturada democraticamente e que as decisões sejam tomadas pelos fiéis por maioria. A frase ‘de acordo com as condições próprias de cada um’ descreve bem a diversidade da responsabilidade dos fiéis em relação à Igreja. A responsabilidade dos bispos é diferente daquela dos sacerdotes ou dos leigos. Consequentemente, também a sinodalidade na Igreja, à qual o Papa Francisco se refere com frequência, não é sinônimo de democracia ou de decisões por maioria, mas uma diferente participação nos processos de tomada de decisão ...”. Várias outras observações seguem em diferentes pontos do estatuto em elaboração.
As observações suscitaram certa irritação, da qual se fez intérprete o próprio card. Marx com uma manifestação no jornal Frankfurter Allgemeine. A avaliação do Conselho Pontifício para os textos legislativos - escreve Matthias Kopp, porta-voz dos bispos alemães, sobre a polêmica que eclodiu na Alemanha em relação a uma carta que o card. Reinhard Marx recebeu do Vaticano em 4 de setembro - baseia-se “em um esboço do regulamento do caminho sinodal de junho de 2019 e não leva em consideração a versão modificada em julho e após o encontro do Conselho Permanente em agosto, que não contém mais algumas passagens ...". O cardeal Marx afirmou que teria sido mais apropriado se, por parte de Roma, antes do envio das cartas, tivesse sido buscado o diálogo.
Nos últimos dias na mídia apareceram rumores de "turbulências" entre a Igreja alemã e o Vaticano e outros (Il Messaggero), de "cartão amarelo do Vaticano para os bispos alemães". Enquanto isso, o card. Marx se apressou a ir a Roma para um diálogo esclarecedor.
Enquanto isso, no dia 14 de setembro passado, de Fulda, foi divulgada a resposta conjunta que os membros da Conferência Episcopal Alemã e do Comitê de Leigos enviaram ao papa Francisco a respeito de sua "carta" de junho à Igreja, “que está em Alemanha ", em que, entre outras coisas, afirmam:" Seguimos as indicações que Vossa Santidade forneceu e consideramos as consequências que devemos tirar”. É encorajador "que V.S. compartilhe nossa preocupação com o futuro da Igreja na Alemanha" e nos incentive a "buscar uma aberta resposta à situação atual".
A carta continua: "Vemos, como V.S., que devemos começar nosso caminho partindo do ‘primado da evangelização’. Estamos determinados a traduzir o caminho sinodal em um ‘processo espiritual’. Sentimo-nos unidos a V.S. ‘no sentido eclesial’, porque temos em vista a unidade de toda a Igreja, bem como a situação local e, para nós, a participação de todo o povo de Deus constitui um grande desejo que muito levamos em consideração”.
Enquanto isso, 240 teólogos de língua alemã que aderiram à Arbeitsgemeinschaft katholische Dogmatik und Fundamentaltheologie em uma declaração de Salzburgo, em 19 de setembro, expressaram seu vivo apoio caminho sinodal, afirmando que, apesar das críticas do Vaticano e de desacordos dentro na Igreja Alemã, é necessário prosseguir com coragem e enfrentar os temas "candentes".
Portanto, não há perigo, como alguns sugeriram, de que na escolha sinodal seja uma espécie de cisma rastejante. Não é só isso. O card. Francesco Coccopalmerio, presidente emérito do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, sugeriu uma possível mudança do direito canônico. Saindo do esquema civil, pastor e fiel, deveriam ser considerados não como dois sujeitos separados, mas como um "sujeito de comunhão deliberativo" chamado a um "específico deliberativo eclesial". "Os fiéis têm o dever e o direito não apenas de dar conselhos os pastores, mas também de expressar uma vontade com eles, no sentido não apenas de aconselhar, mas também de deliberar" (Cf. F. Sinodalità: dal consultivo al deliberativo?).
Como havia escrito o papa Francisco na carta de 29 de junho passado, a "perspectiva sinodal não cancela os antagonismos ou as perplexidades e todas as dinâmicas de escuta, de reflexão e de discernimento, tem o objetivo de tornar a Igreja a cada dia mais fiel, disponível, ágil e transparente para anunciar a alegria do Evangelho". Parece-nos que é este o objetivo que o caminho sinodal que a Igreja Alemã está agora realizando. Mas o esforço para defini-lo claramente é grande.
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Turbulência na igreja alemã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU