20 Setembro 2019
À medida que os líderes mundiais se dirigem para a cidade de Nova York para a Cúpula de Ação Climática das Nações Unidas, no dia 23 de setembro, eles entram naquela que pode ser a semana mais cheia de consequências para a política climática desde a eleição-surpresa de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos em 2016.
A reportagem é de Mark Hertsgaard, publicada por National Catholic Reporter, 18-09-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Trump, é claro, anunciou logo após assumir o cargo que estava retirando os EUA do Acordo de Paris, o tratado-marco assinado na última grande Cúpula do Clima da ONU em 2015.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, convocou a cúpula desta semana precisamente porque os EUA e a maioria dos outros países ficaram longe de honrar suas promessas de Paris de reduzir suficientemente as emissões de gases do efeito estufa a ponto de evitar a disrupção catastrófica do clima.
Os eventos dos próximos dias – incluindo uma greve climática global no dia 20 de setembro pelos ativistas cujos protestos no ano passado levaram o termo “emergência climática” a novos relatórios em todo o mundo – podem ajudar a responder a uma pergunta que paira sobre a humanidade desde a eleição de Trump: o restante do mundo pode se salvar do colapso climático se a nação mais rica e mais poderosa da Terra estiver indo na direção oposta?
Assinado em dezembro de 2015 por quase todos os governos da Terra, o Acordo de Paris se destaca como a conquista mais forte da diplomacia climática desde que os governos começaram a debater a questão na “Cúpula da Terra” da ONU em 1992.
Para o choque dos adeptos aos trabalhos climáticos, o acordo não só comprometeu os governos signatários a limitarem o aumento da temperatura ao nível relativamente menos perigoso de 2ºC, mas também obrigou os governos a manterem o aumento da temperatura “bem abaixo” dos 2ºC e, em uma grande vitória para os países mais vulneráveis, a se esforçarem a ficar em 1,5ºC.
Esse meio grau pode não parecer muito, mas aponta para a diferença entre a vida e a morte para nações costeiras de baixa altitude, como Bangladesh e Estados insulares como as Maldivas – dois dos muitos lugares que, de acordo com a ciência, literalmente desapareceriam debaixo das ondas com mais do que 1,5ºC de aquecimento.
A anunciada retirada dos EUA do Acordo de Paris foi uma grande notícia, mas também amplamente mal-entendida. Apesar da arrogância de Trump, a retirada dos EUA ainda não ocorreu. Precisamente para se proteger de tal capricho, os negociadores em Paris estipularam que todos os signatários estavam legalmente obrigados a permanecer no acordo até quatro anos após o tratado entrar em vigor, o que só aconteceria depois que os países responsáveis por 55% das emissões globais de gases de efeito estufa o ratificassem. Assim, o Acordo de Paris não entrou em vigor até o dia 4 de novembro de 2016.
Isso significa que os EUA não podem sair até o dia 4 de novembro de 2020 – o que, não por acaso, ocorre um dia após a eleição presidencial dos EUA em 2020. Se Trump perder essa eleição, seu sucessor certamente tomará a medida de permanecer no Acordo de Paris.
Trump não deve participar da próxima cúpula; a delegação dos EUA será liderada por Andrew Wheeler, um ex-lobista de uma empresa de carvão que agora é o administrador da Agência de Proteção Ambiental dos EUA. Seguindo a negação de Trump em relação à ciência climática e o desmantelamento por parte do seu governo das regulamentações ambientais e a aceleração do desenvolvimento de combustíveis fósseis, Wheeler testemunhou no Senado dos EUA em janeiro passado que não chamaria as mudanças climáticas de “a maior crise” que a humanidade enfrenta.
Isso destaca uma questão que pode moldar se essa cúpula será um sucesso, um fracasso ou algo no meio do caminho: que papel os EUA terão? Serão um “estraga-festas”, buscando ativamente interromper o progresso? Serão um fanfarrão, afirmando representar, como Wheeler se vangloriou (imprecisamente) naquele depoimento, “o padrão de ouro para o progresso ambiental”? Ou serão mais como o tio confuso na reunião de família, cuja conversa mole provoca incômodo e é ignorada?
Há meses, é isso que o secretário-geral Guterres vem dizendo aos chefes de Estado e de governo. Em vez do interminável blá-blá-blá ouvido na maioria das reuniões da ONU, Guterres quer que essa cúpula seja mais um momento de mostrar e explicar, uma reunião em que os governos compartilhem exemplos concretos e replicáveis de como estão cortando as emissões e aumentando a resiliência aos impactos climáticos já em desenvolvimento.
Como tal, a cúpula visa abordar uma evidente deficiência do Acordo de Paris. Em parte porque o acordo tornou voluntário o corte de emissões, as emissões globais continuaram aumentando desde 2015. Nas tendências atuais, a Terra está caminhando para um aumento de temperatura de 3 a 5ºC – o suficiente, alertam os cientistas, para destruir a civilização como a conhecemos.
“O secretário-geral exigiu muito claramente que todos os participantes identificassem medidas muito concretas que possam ser implementadas imediatamente”, disse Luis Alfonso de Alba, enviado especial de Guterres para a cúpula, em entrevista ao Covering Climate Now, uma colaboração de 250 agências de notícias de todo o mundo para fortalecer a cobertura da história climática.
“O que precisamos é que todos os atores ponham em prática os seus compromissos e reconheçam que é preciso fazer muito mais do que eles tinham em mente antes – porque as mudanças climáticas estão correndo mais rápido do que nós, a situação é muito mais séria do que pensávamos.”
Questionado sobre como o mundo pode alcançar a meta “bem abaixo de 2ºC” quando o atual governo dos EUA está fazendo todo o possível para aumentar o aquecimento global, Alba, um diplomata de carreira do México, evitou criticar o governo Trump.
“Precisamos de uma maior vontade política, não apenas em um país, mas em vários deles”, disse ele, antes de acrescentar: “Estamos muito impressionados com o que estados, cidades e empresas estão fazendo nos EUA para mudar para as energias renováveis. Estamos bastante confiantes de que os EUA contribuirão com soluções, mesmo que a decisão de se retirarem por parte do governo esteja mantida.”
De fato, o então governador Jerry Brown anunciou em uma cúpula climática em setembro passado que assinou uma ordem executiva que comprometia a Califórnia, a quinta maior economia do mundo, a atingir zero emissões de carbono até 2045.
Neste verão, o estado de Nova York, cuja produção econômica é aproximadamente equivalente à da Rússia, aprovou uma lei exigindo que o Estado atinja 100% de eletricidade sem carbono até 2040.
A Coalizão Under2, um grupo de mais de 220 governos estaduais e locais de todo o mundo, representando 43% da economia global, também está comprometida em manter o aumento da temperatura bem abaixo dos 2ºC.
A subida, porém, continua sendo muito íngreme. Cientistas do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC) declararam em outubro passado, em seu histórico “Relatório Especial sobre o Aquecimento Global de 1,5ºC” [disponível aqui, em inglês], que a humanidade teria que reduzir as emissões em 45% até 2030, encaminhando-se para o zero líquido até 2050, para alcançar a meta de 1,5ºC. Caso contrário, condenaria muitos milhões de pessoas, principalmente em países pobres e vulneráveis, à miséria e à morte, e tornaria mais provável a guerra global irreversível.
Tais reduções drásticas de emissões, acrescentaram os cientistas, exigiriam a transformação dos setores globais de energia, agricultura, transporte e outros em uma velocidade e escala sem precedentes na história da humanidade.
A China, a outra superpotência climática junto com os EUA, também terá que fazer mais e melhor. A China recebeu aplausos na preparação para a cúpula de Paris em 2015, fechando muitas das suas usinas a carvão. Mas a queima de carvão na China voltou a subir recentemente, e Pequim também financiou a construção de usinas de carvão em outros países, principalmente no apoio à sua massiva iniciativa “Belt and Road” para construir portos, ferrovias e outras infraestruturas por toda a Ásia, Oriente Médio, África e Europa.
Alba elogiou a China por prometer ir além das reduções de emissões prometidas em Paris, mas acrescenta: “Estamos pedindo que eles façam muito mais e, em particular, que tornem ‘verde’ a iniciativa Belt and Road. Devido à escala dessa iniciativa, é muito importante que eles não apoiem usinas de carvão, mas sim energias renováveis”.
Quando o secretário-geral Guterres abrir os trabalhos da sessão plenária da cúpula na próxima segunda-feira, o prazo de 12 anos delineado pelos cientistas do IPCC terá encolhido para mais perto de 11. Enquanto isso, a queima da Amazônia, a devastação provocada pelo furacão Dorian nas Bahamas, as ondas de calor deste verão em grande parte do Hemisfério Norte e incontáveis catástrofes menos anunciadas ilustram que a disrupção climática não é mais um fantasma preocupante do futuro, mas sim uma realidade atual e penosa.
Alba, no entanto, encontra esperança na elevada preocupação e ativismo públicos contra a ameaça climática. “Em comparação com 10 anos atrás, o nível de envolvimento público é muito diferente”, disse Alba, “e isso se deve, em grande parte, ao fato de a mídia estar falando mais sobre isso, e de que os jovens ativistas estão exigindo ação.”
Nos EUA, ativistas do Movimento Sunrise e outros grupos protestaram contra políticos democratas e republicanos, e exigiram que o governo implemente um New Deal Verde.
Defendido pela deputada Alexandria Ocasio-Cortez, a estrela progressista de Nova York, e modelado segundo os programas de empregos e investimentos do New Deal que o presidente Franklin Roosevelt implementou para tirar o país da Grande Depressão nos anos 1930, o New Deal Verde pede que o governo dê o pontapé inicial das transformações de energia e de outros setores que o IPCC diz serem necessários.
Os ativistas dizem que um programa de investimentos tão massivo também criará milhões de empregos e reduzirá a desigualdade econômica. O ponto central do plano é a “justiça climática”, a noção de que indivíduos e comunidades pobres e não brancos sofreram o pior das mudanças climáticas e, portanto, devem ter precedência para os empregos e as oportunidades decorrentes de um New Deal Verde.
A pressão dos ativistas ajudou a tornar o New Deal Verde a posição de fato do Partido Democrata dos EUA, ao mesmo tempo em que disseminou a ideia no exterior.
Cada um dos principais candidatos democratas na corrida para substituir Trump endossou uma versão ou outra de um New Deal Verde. Bernie Sanders propõe um programa particularmente robusto, que, promete ele, “acabará com o desemprego”, criando 20 milhões de novos empregos e ajudando também os países em desenvolvimento a se livrarem dos combustíveis fósseis em favor de fontes renováveis.
Guterres se esforçou para aumentar a visibilidade da juventude climática, principalmente de Greta Thunberg, a adolescente sueca que é o rosto mais conhecido do movimento climático. A “Greve Escolar pelo Clima” de Thunberg, iniciada há um ano na sua cidade natal, Estocolmo, espalhou-se como um incêndio por todo o mundo, inspirando centenas de milhares de estudantes a faltarem às aulas e a saírem às ruas para exigir que os governos, nas palavras de Thunberg, “ajam como se a casa estivesse pegando fogo – porque ela está”.
Guterres convidou Thunberg para fazer uma conferência em uma cúpula jovem especial de um dia, em 21 de setembro, e também para se dirigir aos líderes mundiais na sessão plenária de 23 de setembro.
Alba reconhece que o público às vezes é cético em relação às conferências da ONU e assume que a ONU “não tem meios para fazer cumprir” os compromissos assumidos pelos governos no Acordo de Paris. Em vez disso, ele deposita a sua fé, novamente, na capacidade da pressão pública de obrigar os governos a fazerem a coisa certa.
“Assim como em muitas outras partes do direito internacional”, diz ele, “o cumprimento repousa no acompanhamento e no papel da sociedade de ‘nomear e envergonhar’ – expor que um país não está cumprindo aquilo com que se comprometeu. A mídia desempenha um papel importante nisso, e os ativistas também.”
Enquanto isso, o filho adolescente de Alba lhe deu conselhos sobre como defender a ação: não fale tanto sobre o futuro que a juventude herdará, mas sim sobre os desastres climáticos que estão acontecendo agora.
“Ele tem razão”, diz Alba. “É uma emergência com a qual precisamos lidar hoje, não amanhã. Falar sobre 2030 e 2050 é importante, porque a ciência nos dá datas para alcançar certos objetivos, mas há o perigo de que as pessoas entendam que temos tempo para fazer essas mudanças. E isso é um erro.”
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Por que a Cúpula de Ação Climática da ONU na próxima segunda-feira é importante - Instituto Humanitas Unisinos - IHU