04 Dezembro 2017
“Com os generais, eu não negociei a verdade. Em Myanmar, eu respeitei os meus interlocutores, mas a mensagem chegou.” O Papa Francisco se encontra com os jornalistas no voo de volta de Bangladesh e fala longamente sobre o encontro com os Rohingya, contando que chorou, tentando não mostrar isso. Ele também explica por que não pronunciou o nome da etnia em Myanmar. Pede que lhe façam perguntas inerentes à viagem, mas, para comentar a escalada destes dias e a crescente ameaça de um conflito nuclear, abre uma exceção, afirmando: com as armas atômicas, estamos no limite; a criação corre o risco de ser destruída.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada por Vatican Insider, 02-12-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Estamos no limite da legalidade de ter e usar essas armas, porque hoje, com um arsenal nuclear tão sofisticado, corre-se o risco da destruição da humanidade.”
A crise dos refugiados Rohingya esteve no centro da viagem. Na sexta-feira, em Bangladesh, o senhor os nomeou. Gostaria de poder ter usado essa palavra também em Myanmar?
Não foi a primeira vez que eu mencionei a palavra Rohingya. Fiz várias vezes, em público, na Praça de São Pedro. Já se sabia o que eu penso e o que eu disse. A sua pergunta é interessante porque me leva a refletir sobre como eu tento comunicar. Para mim, o mais importante é que a mensagem chegue. Para isso, é preciso tentar dizer as coisas passo a passo e escutar as respostas. O que me interessava era que essa mensagem chegasse. Se, no discurso oficial, eu tivesse dito essa palavra, teria sido como bater a porta na cara dos meus interlocutores. Mas eu descrevi a situação, falei dos direitos das minorias, para me permitir, depois, nas conversas privadas, ir além. Fiquei satisfeito com as conversas: é verdade, não tive o prazer de bater a porta na cara publicamente, mas tive a satisfação de dialogar, de fazer com que o outro fale, de dizer a minha opinião. Até o encontro e as palavras de sexta-feira. É importante a preocupação de que a mensagem chegue: certas denúncias, na mídia, às vezes ditas com agressividade, fecham o diálogo, fecham a porta, e a mensagem não chega.
O que sentiu ao se encontrar com os refugiados?
Não estava programado assim, eu sabia que me encontraria com os Rohingya, não sabia onde e como, mas essa era uma condição da jornada. Depois de muitos contatos com o governo e com a Cáritas, o governo permitiu que os Rohingya viajassem, é ele quem os protege e lhes dá hospitalidade, e aquilo que Bangladesh faz por eles é grande, é um exemplo de acolhida. Um país pequeno e pobre que recebeu 700 mil pessoas... Penso nos países que fecham as portas! Devemos ser gratos pelo exemplo que nos deram. No fim, eles vieram, assustados. Alguém lhes disse que não podiam me dizer nada. O encontro inter-religioso preparou o coração de todos nós, e chegou o momento de que eles viessem para cumprimentar, em fila indiana. Eu não gostei daquilo. Mas, depois, logo queriam expulsá-los da cena, e eu, lá, fiquei com raiva e gritei, porque sou pecador! Disse muitas vezes a palavra “respeito”! E eles ficaram lá. Então, depois de tê-los ouvido um a um, comecei a sentir algo dentro, não podia deixá-los ir embora sem dizer uma palavra. E comecei a falar, pedi perdão. Naquele momento, eu chorava, tentava que não se visse. Eles também choravam. A mensagem chegou, não só aqui. Todos receberam.
Despertou curiosidade o seu encontro com o general Hlaing, que desempenhou um papel na crise de Rakhine: por que ele pediu para vê-lo antes do previsto? Era uma tentativa de manipulá-lo? Falou com ele sobre os Rohingya?
Eu distinguiria dois tipos de encontros, aqueles em que eu fui encontrar as pessoas e aqueles em que eu recebi pessoas. O general pediu, eu o recebi. Eu nunca fecho a porta, Falando, não se perde nada, sempre se ganha. Eu não negociei a verdade, mas fiz com que ele entendesse por que um caminho como o dos maus tempos passados, hoje, não é viável. Foi um encontro civil. Ele pediu para vir antes, porque tinha que partir para a China. Se eu posso mover o compromisso, eu o faço. As suas intenções? Não sei. O que me interessava era o diálogo e que fosse ele que viesse até mim. O diálogo é mais importante do que a suspeita do que ele queria dizer: “Eu mando aqui e venho antes”. Com ele, eu usei as palavras para chegar à mensagem e, quando vi que a mensagem era aceita, ousei dizer tudo o que queria dizer. Intelligenti pauca.
Em Myanmar, o senhor se encontrou com Aung San Suu Kyi, o presidente, os monges... O que leva consigo de todos esses encontros?
Não será fácil seguir em frente em um desenvolvimento construtivo, não será fácil para quem quiser voltar atrás. Alguém disse que o Estado de Rakhine é muito rico em pedras preciosas e seria conveniente se fosse sem pessoas. Não sei se é verdade, é uma hipótese que eles levantam. Mas eu acho que estamos em um ponto em que não será fácil seguir em frente de modo positivo, e não será fácil voltar atrás. A ONU disse que os Rohingya são, hoje, a minoria étnico-religiosa mais perseguida do mundo. É um ponto que pesa para quem quer voltar atrás. Eu não perco a esperança.
O senhor fala muitas vezes de migrantes: queria ir ao campo de refugiados dos Rohingya?
Eu gostaria, mas não foi possível, também por causa do tempo, por causa da distância. E também por outros fatores. Mas o campo de refugiados veio, como representação, até mim.
Sobre a crise de Rakhine, o Isis e os jihadistas também queriam se inserir...
Havia grupos terroristas que tentavam se aproveitar dos Rohingya, que são pessoas da paz. Sempre há um grupo fundamentalista nas religiões. Nós, católicos, também temos. Os militares justificam a sua intervenção por causa desses grupos. Eu não optei por falar com essas pessoas, mas com as vítimas, com o povo que, por um lado, sofreu essa discriminação e, por outro, era defendido pelos terroristas. O governo de Bangladesh fez uma campanha muito forte de tolerância zero contra o terrorismo. Aqueles que se alistaram no Isis, embora sejam Rohingya, são um grupinho fundamentalista pequeninho. Os extremistas fazem isto: justificam a intervenção que destruiu bons e maus.
Aung San Suu Kyi foi criticada por não ter falado dos Rohingya...
Eu ouvi isso, criticavam-na por não ter ido a Rakhine, depois foi por meio dia. Mas, em Myanmar, é difícil avaliar uma crítica sem, antes, se perguntar: era possível fazer isso, como será possível fazer isso? Myanmar é uma nação politicamente em crescimento. A situação política é de transição, e, por isso, as possibilidades devem ser avaliadas também sob essa ótica.
João Paulo II, em 1982, disse que a dissuasão nuclear era “moralmente aceitável”. O senhor disse recentemente que a posse de armas nucleares também deve ser condenada. Por que essa mudança? As tensões e as ameaças entre o presidente Trump e Kim Jong Un influenciaram?
O que mudou? A irracionalidade. Vem à minha mente a encíclica Laudato si’, a proteção da criação. Desde os tempos de João Paulo II, passaram-se muitos anos, e, com a energia nuclear, fomos além. Hoje, estamos no limite. Isso pode ser discutido, mas é a minha opinião convicta: estamos no limite da legalidade de ter e de usar as armas nucleares. Porque, hoje, com um arsenal nuclear tão sofisticado, corre-se o risco da destruição da humanidade, ou pelo menos de grande parte da humanidade. Isto mudou: o crescimento dos armamentos, as armas mais sofisticadas, capazes de destruir as pessoas sem tocar as estruturas. Estamos no limite, e eu me faço essa pergunta. Não é magistério pontifício, mas é a pergunta que um papa se faz: hoje, é lícito manter esses arsenais nucleares como estão? Ou, para salvar a criação e a humanidade, não seria necessário, talvez, voltar atrás? Pensemos em Hiroshima e Nagasaki, isso aconteceu há 70 anos. E pensemos no que acontece quando não se consegue ter todo o controle sobre a energia atômica. Pensem no incidente na Ucrânia. Por isso, voltando às armas que servem para vencer destruindo, eu digo: estamos no limite da legalidade.
Sabemos que o senhor quer visitar a Índia. Por que ainda não pôde ir? Esperam pelo senhor em 2018, milhões de indianos o esperam...
O primeiro plano era ir à Índia e Bangladesh, mas, depois, as mediações foram atrasadas, o tempo pressionava, e eu escolhi estes dois países: Bangladesh permaneceu, mas acrescentamos Myanmar. Foi providencial, porque, para visitar a Índia, é preciso uma viagem apenas para esse país. Você deve ir ao sul, ao centro, ao norte, para as diversas culturas. Espero poder fazer isso em 2018, se eu viver.
Alguns opõem o diálogo inter-religioso e a evangelização. Qual é a prioridade: evangelizar ou dialogar pela paz? Evangelizar significa suscitar conversões, que causam tensões entre crentes.
Primeira distinção: evangelizar não é fazer proselitismo. A Igreja cresce não por proselitismo, mas por atração, isto é, por testemunho, como explicou Bento XVI. O que é a evangelização? Viver o Evangelho e testemunhar como se vive o Evangelho: as bem-aventuranças, o capítulo 25 de Mateus, testemunhar o Bom Samaritano, o perdão 70 vezes sete. E, nesse testemunho, o Espírito Santo trabalha, e há conversões. Mas nós não estamos muito entusiasmados para ter as conversões logo: se vierem, fala-se, para tentar que seja a resposta a algo que o Espírito moveu no coração diante do testemunho do cristão. Um jovem, na Jornada Mundial da Juventude de Cracóvia, me perguntou: o que eu devo dizer a um colega de universidade que é ateu para convertê-lo? Eu respondi: a última coisa que você deve fazer é “dizer” alguma coisa. Viva o seu Evangelho e, se ele lhe perguntar por que você faz isso, então explique e deixe que o Espírito Santo o atraia. Essa é a força e a mansidão do Espírito Santo nas conversões. Não é convencer mentalmente com explicações apologéticas. Somos testemunhas do Evangelho. E a palavra grega é “mártir”, o martírio de todos os dias e também o do sangue, quando chegar. O que é prioritário? Quando se vive com testemunho e respeito, faz-se a paz. A paz começa a se romper quando começa o proselitismo.
O senhor esteve na Coreia, nas Filipinas, agora em Myanmar e Bangladesh. Parece ser um giro em torno da China. Uma viagem à China está em preparação?
A viagem à China não está em preparação, fiquem tranquilos. Eu já disse que eu gostaria de visitar a China. Eu gostaria, não é algo escondido. As negociações com a China são de alto nível cultural, há uma mostra dos Museus Vaticanos na China. Depois, há o diálogo político, especialmente para a Igreja chinesa: devemos seguir passo a passo com delicadeza, lentamente, com paciência. As portas do coração estão abertas, e eu acho que será bom para todos uma viagem à China. Eu gostaria de fazê-la!
Na sexta-feira, os padres que o senhor ordenou têm medo de se tornar sacerdotes em um país muçulmano?
Eu sempre tenho o hábito de falar com os padres que ordeno, cinco minutos, em privado. Pareciam-me serenos, tranquilos, conscientes da sua missão. Eram normais! Eu lhes perguntei: vocês jogam futebol? Todos responderam: sim. Eu não percebi o medo.
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Rohingya: ''Com os generais, eu não negociei a verdade''. Entrevista coletiva com o Papa Francisco no voo de volta de Bangladesh - Instituto Humanitas Unisinos - IHU