04 Dezembro 2017
O Papa Francisco afirmou que optou por não se referir publicamente à minoria muçulmana perseguida dos rohingya de Mianmar em sua viagem ao estado quase democrático, de 27 a 30 de novembro, numa tentativa de aumentar as chances de os líderes prestarem atenção às suas palavras nas reuniões privadas que tiveram.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 02-12-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Em uma conferência de imprensa de uma hora no voo papal a Roma, no dia 2 de dezembro, ele contrastou sua decisão com a de um adolescente que "pode dizer o que pensa, bater a porta na cara dos outros".
"Estou interessado em transmitir a mensagem", disse o Papa. "Não tive o prazer de publicamente bater a porta na cara deles, condenando-os, mas tive a satisfação de dialogar, falar com o outro, dizer o que penso. Desta forma, a mensagem é transmitida".
Francisco disse que estava "muito satisfeito" com as reuniões que teve em separado com a primeira-ministra de fato Aung San Suu Kyi, o presidente Esau Kyaw e o General Min Aung Hlaing, cujas forças foram acusadas pelos Estados Unidos e pela ONU de cometer "limpeza étnica" contra os rohingya.
Enquanto o Papa disse que não discutiria especificamente o que disse a Hlaing no encontro de 27 de novembro, ele comentou: “Eu não negociei com a verdade”.
"Fiz de um modo que ele entendesse um pouco que o caminho que percorreu em tempos obscuros, retomado hoje, não é viável", disse o Papa. "Foi uma boa reunião, civilizada, e mesmo lá a mensagem foi transmitida".
Perguntei se tinha usado a palavra rohingya na reunião com o general, e Francisco respondeu: "Usei as palavras para transmitir a mensagem. E quando vi que ele aceitou a mensagem, me atrevi a dizer tudo o que queria dizer".
O Papa Francisco falou sobre os rohingya numa conferência de imprensa, inferindo que o sistema político global tornou-se irracional e descrevendo sua decisão do mês passado de afastar o ensino papal da aceitação da dissuasão nuclear, em partes devido à instabilidade do mundo.
A maioria das perguntas da entrevista coletiva tratou especificamente da visita do Papa, por sua solicitação. Depois de ouvir a pergunta sobre as armas nucleares, o Papa disse que ia responder, mas que preferia responder a perguntas sobre sua viagem.
"Eu gostaria... mais sobre a viagem, porque [senão] pode parecer que não foi muito interessante, não?", disse.
Francisco visitou Mianmar numa viagem de 30 de novembro a 2 de dezembro que também incluiu o Bangladesh, que, segundo a ONU, está abrigando cerca de 600.000 refugiados rohingya.
O Papa foi criticado em Mianmar por não mencionar os rohingya durante um discurso a Suu Kyi, em 28 de novembro, embora tenha dito a ela que o futuro do país deve incluir "o respeito por cada grupo étnico e sua identidade".
Mas num comovente encontro com 16 refugiados Rohingya em Bangladesh, no dia 1º de dezembro, ele pediu perdão pela "indiferença do mundo" frente ao seu sofrimento, e disse: "A presença de Deus hoje também se chama rohingya".
Durante a conferência de imprensa, Francisco disse que a reunião com os refugiados foi uma "condição da viagem para mim". Ele também falou sobre seus sentimentos ao conversar com os 12 homens, duas mulheres e duas meninas por alguns minutos.
"Tendo-os ouvido um por um... comecei a sentir algo dentro de mim: Não posso deixá-los ir embora sem dizer algo", relembrou o Papa. "Pedi o microfone. E comecei a falar", contou. "Não lembro o que eu disse. Sei que em algum momento pedi perdão. Talvez duas vezes, não lembro".
"Naquele momento, eu estava chorando, mas tentei esconder", comentou. "Eles estavam chorando também."
O Papa também foi questionado sobre as críticas internacionais que Suu Kyi, ganhadora do prêmio Nobel, tem enfrentado devido ao tratamento do seu país aos rohingya. Ele chamou Mianmar, que iniciou em 2015 um processo de sair de meio século de regime militar, de "uma nação em transição".
"As possibilidades devem ser julgadas também por esta ótica", disse. "Neste momento de transição, teria sido possível fazer isto ou aquilo, ou não?"
"Em Mianmar, é difícil avaliar uma crítica sem perguntar: 'Era possível fazer isso?' ", disse o Papa. "Ou, 'como será possível fazer isso?' "
Francisco disse que, após a reunião com líderes de Mianmar, sua análise global da situação no país foi que "não será fácil avançar de forma construtiva e não será fácil para quem quer recuar”.
"Estamos num ponto onde o diálogo começa com um passo, depois outro passo; talvez meio passo para trás e dois passos para frente", disse ele. "É um momento crítico. Devemos torná-lo um momento crítico de verdade ou um momento crítico para andar para trás?”
Francisco também respondeu a uma pergunta sobre o fato de os planos originais da visita de 27 de novembro a 2 de dezembro incluírem uma parada na Índia. Ele disse que foi "providencial" que esses planos não tenham dado certo porque, devido ao seu tamanho e diversidade de identidades culturais, "a Índia merece sua própria visita".
"Espero poder realizá-la em 2018", comentou.
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Francisco: 'Eu não negociei com a verdade' com o general de Mianmar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU