01 Dezembro 2017
O Papa Francisco chegou em Bangladesh na quinta-feira, a partir do país vizinho Mianmar, e pela primeira vez em quatro dias reconheceu publicamente uma questão evidente, embora ignorada, nestas duas nações: a crise dos muçulmanos rohingya, forçados a fugir de Mianmar para o Bangladesh e outras nações fronteiriças.
Mais uma vez, Francisco evitou usar explicitamente a palavra "rohingya".
"Nos últimos meses, o espírito de generosidade e solidariedade, que é marca distintiva da sociedade do Bangladesh, tem sido visto mais vividamente em seu alcance humanitário a um grande fluxo de refugiados advindos do estado de Rakhine, proporcionando-lhes abrigo temporário e necessidades básicas da vida", disse Francisco.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 30-11-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Mianmar não reconhece os rohingya como residentes legítimos do país, oficialmente chamando-os "Intrusos Bengali", enquanto, por anos, o Bangladesh vem abrindo as portas para mais 1 milhão de pessoas nesta situação, 600.000 nos últimos três meses.
Porém, em seu discurso de boas-vindas ao Pontífice, o presidente Abdul Harmid usou o termo, dizendo que Bangladesh deu abrigo a "rohingyas que foram deslocados à força de sua terra ancestral no estado de Rakhine, em Mianmar".
Muitas rohingya foram mortos e, entre as mulheres, milhares foram estupradas. Suas casas foram queimadas, e, como disse Harmid, eles tiveram que "se abrigar no Bangladesh para escapar das atrocidades cruéis perpetradas pelo exército de Mianmar".
O político também disse que depois que o povo de Bangladesh aceitou a "inconveniência" de acolhê-los, agora é uma responsabilidade compartilhada garantir-lhes "um retorno seguro, sustentável e digno à sua própria casa, bem como a integração com a vida política, econômica e social de Mianmar".
Harmid também aplaudiu a posição "louvável" de Francisco a favor dos Rohingya, dizendo que o chamado do papa para que o mundo preste auxílio a eles confere "responsabilidade moral à comunidade internacional para agir com prontidão e sinceridade".
Durante seu discurso, o presidente também condenou fortemente o terrorismo, dizendo que há "Tolerância Zero" para o extremismo violento e as causas fundamentais do terrorismo.
"Ao mesmo tempo, tal como outros países de maioria muçulmana, continuamos preocupados com o aumento da islamofobia e de crimes de ódio em muitas sociedades ocidentais, que afeta de maneira adversa a vida de milhões de pessoas religiosas pacíficas", afirmou.
A pedido do cardeal Charles Bo, de Yangon, Francisco evitou o termo "rohingya" durante a primeira etapa de sua viagem asiática, que acontece de 27 de novembro a 2 de dezembro. Até agora, ele evitou usar o termo novamente em Bangladesh, ao louvar o país por acolhê-los "com sacrifício considerável".
"Nenhum de nós pode ignorar a gravidade da situação, o imenso sofrimento humano envolvido e as condições de vida precárias de tantos irmãos e irmãs, a maioria mulheres e crianças, amontoados em campos de refugiados", disse Francisco, exortando a comunidade internacional para ajudar trabalhando para resolver as questões políticas que levaram ao deslocamento em massa, mas também oferecendo assistência material imediata.
Estima-se que 600.000 pessoas tenham fugido de Mianmar para o Bangladesh desde o final de agosto, para se estabelecer no que até julho eram terrenos abertos não desenvolvidos. Observadores disseram que os precários campos de refugiados estão entre os maiores da história recente, comparáveis ao do Quênia durante o genocídio de Ruanda.
As palavras do Papa chegaram ao Palácio Presidencial de Bangabhaban, que fez um discurso a cerca de 400 representantes das autoridades civis locais, do corpo diplomático e de membros da sociedade civil.
Na chegada a Bangladesh, Francisco visitou pela primeira vez o "Memorial aos Mártires", a cerca de 32 km de Dhaka. O memorial foi construído em homenagem a todos aqueles que deram a vida na Guerra de Libertação de Bangladesh, em 1971, a qual trouxe a independência e separou Bangladesh do Paquistão.
Depois, visitou o Museu do Memorial de Bangbandhu, em homenagem ao Sheikh Mujibur Rahman, o primeiro presidente do Bangladesh, considerado o pai da nação. Juntamente com 31 membros da sua família, Rahman foi assassinado em 1975, durante a guerra de independência do país.
Francisco fez referência a Rahman em seu primeiro discurso no país, dizendo que havia entendido que, como "membros da única família humana", as pessoas precisam umas das outras.
Os fundadores de Bangladesh, afirmou, "vislumbravam uma sociedade moderna, pluralista e inclusiva", em que as pessoas poderiam viver em liberdade e em paz, com sua dignidade inata respeitada e na qual todos tivessem direitos iguais.
"O futuro desta jovem democracia e a saúde de sua vida política estão essencialmente relacionadas com a fidelidade a essa visão fundadora", disse Francisco, acrescentando que o verdadeiro diálogo constrói a serviço do bem comum, dando especial atenção aos pobres e aos que não têm voz.
O Bangladesh é um país de maioria muçulmana onde os católicos totalizam cerca de 350.000 pessoas, representando menos de 0,2% da população total, e há menos de 400 sacerdotes. É o oitavo país mais populoso do mundo e também um dos mais pobres: estima-se que 30% da população viva abaixo da linha da pobreza, ganhando menos de 2 dólares por dia.
A visita de Francisco marca a segunda vez que um papa vai ao Bangladesh, após a de João Paulo II, em 1986. O Papa Paulo VI fez uma escala no país em 1970, quando ainda era Paquistão Oriental.
Durante sua visita à capital do Bangladesh, Dhaka, de 30 de novembro a 2 de dezembro, Francisco realizará uma reunião inter-religiosa, em que muçulmanos rohingya estarão entre os convidados VIP, e celebrará uma missa para mais de 100.000 pessoas, quando vai ordenar 16 sacerdotes. Isso ecoa uma ação semelhante de João Paulo II, que ordenou 18 sacerdotes na década de 80.
Depois, Francisco vai passar seus últimos momentos da viagem com a juventude local, assim como fez em Mianmar.
No seu discurso a autoridades, o Papa apresentou o Bangladesh como um país conhecido pela harmonia entre seguidores de diferentes religiões, dizendo que tal testemunho é "mais do que necessário" num mundo onde a religião "é muitas vezes - escandalosamente - usada de forma indevida para fomentar a divisão".
Oficialmente, o Bangladesh é um país laico, onde a liberdade religiosa é garantida constitucionalmente. Estima-se que 86% da população seja muçulmana, mais de 10% hindu e o restante, budista, cristã ou animista.
A Missão Portas Abertas, uma organização sem fins lucrativos com sede nos EUA que se concentra em questões da perseguição aos cristãos em todo o mundo, definiu o nível de perseguição à minoria cristã do país como "muito alto", cometida em nível não oficial, mas por radicais islâmicos.
Poucos dias antes da visita, um padre que estava entre os que devem encontrar o Papa no sábado foi sequestrado, e muitos aqui acreditam que o estado islâmico (ISIS) está por trás disso.
A fundação papal global "Ajuda à Igreja que sofre", que apoia cristãos vítimas de perseguição, publicou um artigo em seu site com a seguinte manchete: "cristãos oprimidos em Bangladesh estão aguardando visita do Papa" (tradução livre). Um dos 12 Bispos do país, Bejoy Nicephorus D'Cruze, da Diocese de Sylhet, no nordeste do país, disse que apesar da lei, os cristãos enfrentam discriminação diária e não têm as mesmas oportunidades de educação ou trabalho.
O Padre Adam Pereira, da Universidade de Notre Dame em Bangladesh, disse que a situação dos cristãos é "melhor do que no Paquistão", um país que é consistentemente considerado entre os cinco piores para os cristãos, geralmente após a Coreia do Norte e o Afeganistão.
"Temos o apoio do primeiro-ministro e do governo, que nos apoiam, e outras minorias religiosas", disse o padre ao Crux no dia da chegada do Papa. Fundamentalismo, segundo ele, "não é a regra", mas acontece com frequência suficiente para que muitos vivam com medo e, portanto, eles gostariam de ter "mais liberdade".
Certamente ciente deste contexto, mas por sua hesitação em fazer observações problemáticas durante sua terceira viagem asiática, Francisco disse que a Igreja no Bangladesh aprecia "a liberdade para praticar sua fé e prosseguir com suas obras de caridade, que beneficiam toda a nação".
Ele listou alguns destes trabalhos, relembrando aos políticos locais que, apesar de ser relativamente poucos em número, os católicos "desempenham um papel construtivo no desenvolvimento do país", particularmente através de escolas, clínicas e ambulatórios.
"Na verdade, a grande maioria dos estudantes e muitos dos professores das escolas não são cristãos, mas de outras tradições religiosas", observou Francisco. "Estou confiante de que, de acordo com a letra e o espírito da constituição nacional, a comunidade católica continuará desfrutando de liberdade para realizar essas boas obras como expressão do seu compromisso com o bem comum".
Em uma entrevista no palácio, após o discurso, Marcia Bernicat, embaixadora dos EUA no Bangladesh, disse que tais observações do Papa sobre a unidade e a diversidade "foram muito bem recebidas".
Ao ser perguntada se o Papa deveria ter mencionado a palavra rohingya, ela diz que Francisco expressou "em termos explícitos a tragédia que ocorreu na Birmânia". Ela também expressou apreço pelo reconhecimento do Papa do que o Bangladesh tem feito para acolher os rohingya que fogem de Mianmar.
"Ouvi comentários dos rohingya como pessoas despojadas de absolutamente tudo. Mas eles mantêm seu nome. Mas para mim o mais importante é que eles tenham voz", disse a embaixadora dos Estados Unidos, "e a todos que testemunham o sofrimento que eles têm vivido, ajudamos a dar-lhes e ajudamos a amplificar sua voz".
Nota de IHU On-Line: jornalistas que acompanham a viagem do Papa Francisco informam que está confirmado um encontro do Papa com uma representação dos refugiados rohingya, em Bangladesh.
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Em Bangladesh, Papa reconhece os rohingya, mas não usa a palavra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU