29 Março 2017
Uma investigação contundente feita por uma equipe de televisão francesa acusou 25 bispos católicos de protegerem 32 abusadores sexuais clericais na França nos últimos 50 anos e de transferi-los para outras paróquias ou mesmo outros países quando estes ficavam marcados por abusar sexualmente menores de idade.
A reportagem é de Tom Heneghan, publicada por National Catholic Reporter, 27-03-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A conferência episcopal francesa declinou um convite para participar de um programa televisivo ido ao ar pelo canal France 2, no dia 21 de março. Um porta-voz dos bispos acusou os jornalistas de tentar chantagear a Igreja, acusação que o editor do programa negou energicamente.
A revista online “Mediapart”, que cooperou com a investigação, chamou o programa de um “Spotlight francês”, em referência à equipe do The Boston Globe que, em 2002, relatou casos de abuso sexual na Arquidiocese de Boston. Uma investigação francesa que durou um ano foi também publicada, no dia 22 deste mês, em livro intitulado “Igreja: O mecanismo do silêncio”.
Essa polêmica em torno do programa – cujo título é “Pedofilia na Igreja: O fardo do silêncio” – ocorre no momento em que a conferência dos bispos franceses se esforça em demonstrar preocupação junto às vítimas de abuso, ao mesmo tempo em que detalhes de negligências do passado continuam surgindo.
Em 2016, os bispos pediram perdão por causa do “silêncio culposo” deles quanto a abusos, e aceleraram os seus esforços para com as vítimas. Estas iniciativas, porém, ficaram ofuscadas pela notícia de que o Cardeal Philippe Barbarin, arcebispo de Lyon, não havia removido um padre que admitiu ter abusado de meninos na década de 1980.
O programa Cash Investigation, que normalmente aborda casos de corrupção financeira, tratou a Igreja “como faria com uma [empresa] multinacional”, de acordo com a apresentadora Elise Lucet.
Isto incluiu fazer perguntas ao Papa Francisco e outros prelados em cerimônias religiosas e entrevistar, com câmeras escondidas, abusadores acusados.
A principal parte do programa de duas horas foi a investigação, feita por jornalistas do canal de TV e pela Mediapart, que coletou informações concernentes a casos de abusos sexuais na França e as consequências para os padres e alguns diáconos envolvidos.
Dos 25 bispos acusados, cinco ainda estão em ofício.
• Barbarin, de Lyon;
• Dom Jean-Luc Bouilleret, de Besançon;
• Dom Marc Aillet, de Bayonne;
• Dom Yves Le Saux, de Le Mans;
• Dom Bernard Fellay, superior geral da Fraternidade Sacerdotal São Pio X.
Quatro são franceses, e Fellay é suíço de nascimento, vindo da região falante de francês. A fraternidade ultratradicionalista, que entre 1988 e 2009 esteve em “estado cismático” e que ainda não possui status canônico na Igreja, foi fundada pelo arcebispo francês Marcel Lefebvre e continua ativa na França.
A investigação descobriu 339 vítimas, 228 das quais eram menores de 15 anos na época dos abusos. Somente 165 dos casos acabaram sendo informados às autoridades civis.
Dos abusadores acusados, 28 foram transferidos para uma outra paróquia ou a um outro país, assim que as acusações contra eles vinham à tona.
A investigação revelou que 16 dos 32 abusadores acusados foram denunciados depois de 2000, ano em que a conferência dos bispos decidiu rever as suas diretrizes e exigir que os padres abusadores fossem conduzidos às autoridades civis.
O programa Cash Investigation mostrou os jornalistas pesquisando estes dados na Europa, na América do Norte e na África.
Entre os que foram entrevistados estão algumas vítimasda Rede de Sobreviventes de Pessoas Abusadas por Padres (ou SNAP, na sigla em inglês) e advogados da Jeff Anderson & Associates, empresa de advocacia em St. Paul, Minnesota.
A certa altura do programa, diz-se que o então Cardeal Jorge Bergoglio, de Buenos Aires, tentou ajudar o Pe. Julio Grassi, que fora condenado a 15 anos de prisão em 2009 por abusar menores, ordenando uma longa investigação destinada a exonerá-lo via recurso de apelação.
Lucet foi a uma audiência papal na Praça de São Pedro no Vaticano, para ficar de pé na barreira frontal primeiramente visando entregar, em mãos, perguntas para o papa através de um dos seguranças que acompanhavam o papamóvel e, em seguida, enunciar em voz alta, em espanhol, uma questão a Francisco.
“Sua Santidade, no caso Grassi, o senhor tentou influir na justiça argentina?”, perguntou Lucet enquanto o pontífice passava em meio à multidão. O papa para, ouve a pergunta novamente e responde com um “nada” e um olhar carrancudo.
Os jornalistas usaram a mesma técnica com Barbarin, seguindo-o em eventos religiosos em torno de Lyon perguntando sobre os casos de abuso na diocese.
Barbarin, que em dezembro de 2016 admitiu que tivera um “despertar tardio” para com a gravidade da crise de abusos sexuais na Igreja, respondeu com generalidades quando foi parado e interrogado antes de uma missa na Basílica de Notre Dame de Fourvière.
Na medida em que cenas como estas eram mostradas, o programa ficava mais agressivo e, às vezes, dramático. A apresentação do programa mostrava uma série de altares vazios com o comentário: “No altar da verdade, a lei de Deus parece prevalecer sobre a lei dos homens”.
A Igreja, no entanto, errou ao declinar um convite para um debate após o programa e ao disponibilizar clérigos mal preparados para dar entrevistas.
Dom Luc Crepy, arcebispo de Puy-en-Velay, presidente da comissão para o combate à pedofilia, da conferência episcopal francesa, pareceu nervoso e ficou espantado quando Lucet lhe apresentou uma lista de 18 padres condenados por abuso sexual, mas que ainda permanece no ministério. Crepy disse que cabia aos bispos locais decidir o que fazer nestes casos.
O Mons. Olivier Ribadeau Dumas, porta-voz da conferência dos bispos, emitiu uma nota antes do programa ser levado ao ar. Segundo ele, a Igreja negou-se a participar de um debate posterior à exibição televisiva, com sobreviventes de abuso sexual, ativistas e sociólogos, por causa dos “métodos usados nas entrevistas”.
“Parece que a ética jornalística não foi respeitada e que este programa esteve mais preocupado em acusar do que explicar”, disse.
Dumas pareceu mais contrito depois da exibição do programa, dizendo à rádio RMC que o assistiu “com um sentimento de vergonha (...). Nós não respeitamos as vítimas e a nossa abordagem era primeiro proteger a instituição (...) Hoje, as orientações são extremamente claras”.
Vincent Neymon, também porta-voz dos bispos, afirmou ao jornal católico La Croix que a equipe televisiva tentou chantagear a Igreja para ter acesso a um encontro da conferência episcopal. “Sabíamos que a abordagem do Cash Investigation e da Mediapart era basicamente fazer reportagens escandalosas”, disse.
Emmanuel Gagnier, editor-chefe do Cash Investigation, negou a acusação. “Lamentamos que o porta-voz dos bispos preferiu lançar uma polêmica pública ao invés de vir ao debate em nossos estúdios, apesar dos vários convites feitos”.
Grupos de leigos criticaram a abordagem dada à investigação pela Igreja.
“Em geral, os nossos bispos são rápidos em expressar desacordo junto à sociedade ou em protestar, com grande visibilidade, nas ruas e na imprensa quando se trata de aborto ou casamento gay”, disse o grupo pró-reformas Conferência Católica dos Francófonos Batizados.
“Mas quando o alvo de críticas são eles mesmos, daí tendem a se esquivar. Isso é muito ruim, porque dá a impressão de estarem escondendo algo ou que têm alguma coisa que os envergonha”.
François Devaux, coordenador do grupo La Parole Libérée (“A Palavra Libertada”) voltado aos sobreviventes de abuso sexual em Lyon, disse ao jornal Liberation que a França – que não teve uma grande onda de escândalos sexuais como tiveram os EUA e a Irlanda – não pode ser complacente.
“Estamos apenas no início deste processo”, disse Devaux, que também esteve presente na edição do programa Cash Investigation. “Certamente existem outras revelações por vir no futuro próximo”.
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Investigação de TV francesa acusa 25 bispos de acobertar abusos sexuais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU