28 Mai 2014
Na segunda-feira o Papa Francisco disse que planeja celebrar uma missa com um pequeno grupo de vítimas dos abusos sexuais nas próximas semana e ter uma reunião privada para ouvi-los. Nesta ocasião, o cardeal Sean P. O’Malley, de Boston, também irá participar.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por The Boston Globe, 26-05-2014. A tradução de Isaque Gomes Correa.
Francisco igualmente revelou que três bispos católicos estão sob investigação do Vaticano por assuntos relacionados a abusos sexuais, citando tais sindicâncias como prova de que não haverá “filhinhos de papai” no clero que desfrute privilégios especiais em seu comando.
O religioso não deixou claro se os três bispos estão sendo investigados por abusos que eles teriam cometido ou por falhas em responder adequadamente a possíveis abusos por parte de outros.
O papa fez os comentários numa conferência de imprensa durante o seu voo de volta de Jerusalém a Roma, no conclusão de sua viagem de três dias ao Oriente Médio.
Francisco usou uma linguagem pesada para denunciar o abuso sexual infantil cometido pelo clero, chamando-o de um “crime muito grave” e dizendo que quando um padre sujeita uma criança ao abuso, é como se ele tivesse celebrado uma “missa negra” como parte de um ritual satânico.
“Devemos seguir em frente com tolerância zero”, disse o pontífice.
Francisco falou que vítimas vindas do Reino Unido, da Alemanha e da Irlanda irão participar de um encontro, programado para acontecer na Casa Santa Marta, pousada no Vaticano onde ele vive.
Enquanto o Papa Bento XVI teve vários encontros com vítimas de abuso, esta é a primeira vez que Francisco participa de algo do tipo. O’Malley foi importante na organização do primeiro encontro dessa natureza para o papa anterior, que aconteceu durante a sua viagem aos Estados Unidos em 2008.
Francisco disse que a reunião com as vítimas ocorrerá no começo de julho, porém funcionários disseram que os detalhes ainda estão sendo finalizados. A Arquidiocese de Boston disse que O’Malley havia sido convidado pelo papa para ajudar no planejamento de uma reunião a ocorrer nos “próximos meses”.
“A Igreja universal e a comunidade internacional ficam abençoadas pelo fato de o Papa Francisco estar dando continuidade a um papel de liderança na resposta aos eventos trágicos concernentes ao abuso sexual de menores por parte do clero”, disse na segunda-feira à note o porta-voz da Arquidiocese de Boston, Terrence Donilon. O cardeal fica feliz em apoiar esta iniciativa do Papa Francisco na forma que for mais útil”.
O’Malley tem assento tanto no Conselho dos Cardeais, considerado o seu grupo consultor mais importante, quanto na nova Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, que Francisco criou em dezembro.
O papa falou sobre os escândalos em resposta a uma questão a respeito de se ele está preparado para responsabilizar bispos caso fracassem em aplicar os novos padrões da Igreja, tal como informar queixas de abuso a autoridades civis.
“Na Argentina, nós às vezes dizemos que certa pessoa é um filhinho de papai”, respondeu o papa, referindo-se a alguém que recebe tratamento especial. “Quanto a estes problemas, não pode haver filhinhos de papai”.
Os comentários do papa vêm apenas poucos dias depois que um segundo comitê das Nações Unidas publicou um relatório crítico a respeito da resposta do Vaticano aos escândalos de abuso sexual, acusando-o de não ter informado os casos à polícia, aquiescendo em transferir o padres para fugir de alguma punição e não provendo as vítimas com indenização.
Ao mesmo tempo, o Comitê contra a Tortura também elogiou Francisco por uma afirmação forte feita em abril, na qual disse que “não iremos dar nenhum passo atrás” na luta contra o abuso infantil.
David Clohessy, chefe executivo da Rede de Sobreviventes dos Abusados por Padres, grupo de defesa sediado em Chicago, não se comoveu com o anúncio do Vaticano.
“Isso não quer dizer nada”, afirmou ele na segunda-feira à noite, considerando uma “outra jogada de relações públicas que não irá proteger criança alguma, que não irá expor nenhum predador e que não irá punir nenhum dos facilitadores”.
Clohessy chamou o Papa Francisco para assumir aquilo que disse ser ações mais significativas para resolver a crise, incluindo dar alguns passos no intuito de punir os bispos que ocultam crimes sexuais e ordená-los a postarem em seus websites os nomes dos predadores.
Falando a respeito de outras questões durante sua conferência de imprensa, Francisco confirmou que acusações de irregularidades financeiras trazidas contra o cardeal Tarcisio Bertone, da Itália, “estão sendo estudadas”.
Francisco insistiu na importância da transparência e disse que “embora sempre haverá pecadores, é importante tentar não aumentar o seu número”.
Perguntado se ele poderia considerar a renúncia do papado um dia, Francisco disse: “Eu farei o que o Senhor me disser para fazer: orar e buscar a vontade de Deus”, mas é evidente que ele não descarta a possibilidade.
“Creio que Bento XVI não é um caso isolado”, disse Francisco.
Lembrando que, não muito tempo atrás, bispos eméritos eram uma novidade na Igreja Católica, enquanto que hoje estes não numerosos, Francisco disse que o Papa Bento “abriu uma porta” à ideia de papas eméritos.
Como dito em outras ocasiões, Francisco falou que o celibato sacerdotal “não é um dogma de fé”, mas antes “uma regra (...) que eu aprecio muito e creio que seja um dom para a Igreja”.
No dia em que Francisco se encontrou com um grupo de sobreviventes do holocausto no memorial Yad Vashem, em Jerusalém, a ele perguntaram sobre a possibilidade de se declarar santidade para o Papa Pio XII, o pontífice que reinou durante a guerra e que recebe a crítica de alguns por supostamente silenciar-se sobre as atrocidades contra os judeus.
“A causa está aberta”, disse Francisco, acrescentando que ele foi recentemente informado de que “por enquanto não há nenhum milagre”. As regras da Igreja geralmente requerem um milagre reconhecido para a beatificação, estágio final antes da santidade, e um outro para a canonização.
Francisco também comentou a respeito do convite surpresa que ele fez durante a sua viagem ao Oriente Médio ao presidente Mahmoud Abbas, da Palestina, e ao presidente Shimon Peres de Israel a se juntarem a ele no Vaticano para uma oração em conjunto pela paz.
“Será um encontro de oração, e não um tipo de mediação”, falou o papa.
“Trata-se somente de oração, e então todos voltam para as suas casas”, disse. O papa acrescentou que um rabino e um líder muçulmano irão também estar presentes para o encontro.
Francisco não forneceu uma data exata para a oração, embora o escritório de Abbas contou aos meios de comunicação no domingo que esta seria no dia 6 de junho.
Perguntado a respeito da permissão para católicos receberem os sacramentos após se divorciarem e casarem novamente sem a obtenção de uma anulação, Francisco pareceu minimizar as expectativas de um confronto quanto ao assunto na reunião de cúpula dos bispos a acontecer em Roma.
“Os problemas da família são enormes”, disse o papa, insistindo que a questão dos divorciados e recasados seria tratada “no contexto geral”.
Por fim, perguntaram ao pontífice sobre os desafios existentes em seu projeto de reforma no Vaticano, e ele brincou dizendo que “o primeiro desafio sou eu”.
O pontífice disse que o trabalho tendo em vista uma reforma está em curso, mas que uma decisão foi tomada para começar com as finanças vaticanas “porque havia problemas dos quis a imprensa falava muito”, o que provavelmente é uma referência aos relatos dos escândalos financeiros no Vaticano que romperam logo após a sua eleição para o papado.
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O Papa Francisco irá se encontrar com vítimas de abuso sexual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU