Por: André | 08 Julho 2014
“A presença de vocês aqui fala sobre o milagre da esperança que prevalece contra a escuridão mais profunda”, disse o Papa Francisco durante a missa que celebrou na Casa Santa Marta com seis vítimas de abusos sexuais por parte de membros do clero, cuja ação “é como um culto sacrílego, porque esses meninos e meninas tinham sido confiados ao carisma sacerdotal para serem conduzidos a Deus”.
Da missa, participaram duas pessoas da Grã-Bretanha, duas da Alemanha e outras duas da Irlanda, que depois foram recebidas pessoalmente cada uma delas pelo Santo Padre em uma série de encontros que durou mais de três horas.
A homilia está publicada, em italiano, inglês e espanhol, pela Sala de Imprensa do Vaticano, 07-07-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a homilia.
A imagem de Pedro vendo Jesus sair dessa sessão de terrível interrogatório, de Pedro que cruza com o olhar de Jesus e chora. Vem-me, hoje, ao coração o olhar de vocês, de tantos homens e mulheres, meninos e meninas. Sinto o olhar de Jesus e peço a graça da sua oração. A graça para que a Igreja chore e faça reparações por seus filhos e filhas que traíram sua missão, que abusaram de pessoas inocentes. Hoje, estou muito grato por vocês terem vindo de tão longe para estar aqui.
Há tempo sinto no coração a profunda dor, sofrimento, durante tanto tempo ocultado, durante tanto tempo dissimulado com uma cumplicidade que não tem explicação, até que alguém sentiu que Jesus olhava, e depois mais outro, mais outro... e se animaram a encarar esse olhar.
E esses poucos que começaram a chorar nos contagiaram a consciência deste crime e grave pecado. Esta é a minha angústia e a dor pelo fato de alguns sacerdotes e bispos terem violado a inocência de menores e a sua própria vocação sacerdotal ao abusarem sexualmente deles. É mais do que ações deploráveis. É como um culto sacrílego, porque esses meninos e meninas tinham sido confiados ao carisma sacerdotal para serem conduzidos a Deus, e eles os sacrificaram ao ídolo da sua concupiscência. Profanam a imagem de Deus à qual fomos criados. A infância, todos sabemos, é um tesouro. O coração jovem, tão aberto à esperança, contempla os mistérios do amor de Deus e se mostra disposto de uma forma única a ser alimentado na fé. Hoje, o coração da Igreja vê os olhos de Jesus nessas crianças e quer chorar. Pede a graça de chorar frente aos execráveis atos de abuso perpetrados contra menores. Atos que deixaram cicatrizes para toda a vida.
Sei que essas feridas são fonte de profunda e muitas vezes implacável angústia emocional e espiritual. Inclusive de desespero. Muitos dos que sofreram esta experiência buscaram paliativos pelo caminho do vício. Outros experimentaram transtornos nas relações com pais, cônjuge e filhos. O sofrimento das famílias foi especialmente grave, já que o dano provocado pelos abusos afeta estas relações vitais da família.
Alguns sofreram inclusive a terrível tragédia do suicídio de um ente querido. As mortes destes filhos tão amados de Deus pesam no coração e na consciência minha e de toda a Igreja. Para estas famílias ofereço meus sentimentos de amor e de dor. Jesus torturado e interrogado com a paixão do ódio é levado a outro lugar, e olha. Olha para um dos seus, aquele que o negou, e o faz chorar. Peçamos esta graça junto com a da reparação.
Os pecados de abuso sexual contra menores por parte do clero têm um efeito virulento na fé e na esperança em Deus. Alguns se aferraram à fé, ao passo que em outros a traição e o abandono erodiram sua fé em Deus.
A presença de vocês aqui fala sobre o milagre da esperança que prevalece contra a escuridão mais profunda. Sem dúvida, é um sinal da misericórdia de Deus que hoje tenhamos a oportunidade de nos encontrar, adorar a Deus, olhar nos olhos e buscar a graça da reconciliação.
Diante de Deus e seu povo expresso a minha tristeza pelos pecados e crimes graves de abusos sexuais cometidos por membros do clero contra vocês. Humildemente, peço-lhes perdão.
Também imploro por seu perdão pelos pecados de omissão por parte de líderes da Igreja que não responderam adequadamente às denúncias de abusos feitas por membros de famílias, bem como das próprias vítimas de abuso. Isto leva a um sofrimento adicional aqueles que foram abusados e colocou em perigo outros menores que estavam em situação de risco.
Por outro lado, a coragem que vocês e outros mostraram ao expor a verdade foi um serviço de amor ao ter trazido luz sobre uma terrível escuridão na vida da Igreja. Não há lugar no ministério da Igreja para aqueles que cometem estes abusos, e me comprometo a não tolerar o dano infligido a um menor por parte de ninguém, independentemente de seu estado clerical. Todos os bispos devem exercer seus ofícios de pastores com muito cuidado para salvaguardar a proteção de menores e terão que prestar contas desta responsabilidade.
Para todos nós está vigente o conselho que Jesus dá aos que dão escândalos: a pedra de moinho e o mar (cf. Mt 18,6).
Por outro lado, vamos continuar vigilantes na preparação para o sacerdócio. Conto com os membros da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, todos os menores, independente da religião que forem; são rebentos que Deus olha com amor.
Peço esta ajuda para que me ajudem a assegurar de que dispomos das melhores políticas e procedimentos na Igreja Universal para a proteção de menores e para a capacitação de pessoal da Igreja na implementação destas políticas e procedimentos. Faremos tudo o que for possível para assegurar que tais pecados não se repitam na Igreja.
Irmãos e irmãs, sendo todos membros da Família de Deus, somos chamados a entrar na dinâmica da misericórdia. O Senhor Jesus, Nosso Salvador, é o exemplo supremo, o inocente que tomou nossos pecados na Cruz. Reconciliar-nos é a essência mesma da nossa identidade comum como seguidores de Jesus Cristo. Voltando-nos para Ele, acompanhados de Nossa Mãe Santíssima aos Pés da Cruz, buscamos a graça da reconciliação com todo o Povo de Deus. A suave intercessão de Nossa Senhora da Terna Misericórdia é uma fonte inesgotável de ajuda em nossa viagem de cura.
Vocês e todos aqueles que sofreram abusos por parte do clero são amados por Deus. Rezo para que os restos de escuridão que há em vocês sejam sanados pelo abraço do Menino Jesus, e que ao dano feito a vocês lhes suceda uma fé e alegria restauradas.
Agradeço este encontro. E, por favor, rezem por mim para que os olhos do meu coração sempre vejam claramente o caminho do amor misericordioso, e que Deus me conceda a coragem de seguir esse caminho pelo bem dos menores. Jesus sai de um julgamento injusto, de um interrogatório cruel e olha nos olhos de Pedro, e Pedro chora.
Nós pedimos para que nos olhe, que nos deixemos olhar, que choremos, e que nos dê a graça da vergonha para que, como Pedro, 40 dias depois, possamos responder a Jesus: “Eu te amo”, e ouvir sua voz, “Toma teu caminho e apascenta as minhas ovelhas”. E acrescento: “e não permitas que nenhum lobo entre no rebanho”.
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O crime dos abusos sexuais por parte do clero. "Que Deus nos dê a graça da vergonha", é a prece do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU