Por: Ricardo Machado | Tradução: Henrique Denis Lucas | 14 Outubro 2017
Quando se fala em bitcoin, é prudente começar pelo princípio. Antes de ser uma moeda, o bitcoin é uma espécie de protocolo que regulamenta uma moeda descentralizada que opera fora do sistema financeiro mundial. Esta moeda leva o mesmo nome do protocolo: bitcoin. “Esta proposta de valor, na maioria dos casos, faz sentido se o sistema monetário de um país está repleto de interferências externas e altamente manipulado, levando-o a catástrofes monetárias que motivam as pessoas a recorrer a formatos de dinheiro alternativos, da mesma forma que em alguns países as pessoas recorrem ao dólar ou ao euro para as suas transações comerciais”, explica Alex Preukschat, em entrevista por e-mail à IHU On-Line, assessor de desenvolvimento estratégico e gestão de projetos no ecossistema Blockchain, tecnologia que deu origem aos bitcoins.
O cenário encontra seus limites, justamente, nos órgãos financeiros de mercado ou estatais, como descreve Preukschat. “O que certamente tem importância é como se pode fazer intercâmbio de dinheiro (dólares, euros etc.) com criptomoedas, e se essas trocas forem limitadas em algumas jurisdições, certamente afetaria o preço destas criptomoedas, mas isso não necessariamente determinaria seu fim”, pondera. “Meu cenário ideal estaria em encontrar um modelo intermediário híbrido no qual o mais importante, a distribuição equitativa na sociedade, seja conseguida através de ferramentas como a Blockchain, com os sistemas de gestão clássicos”, complementa.
Preukschat | Foto: Blockchaim Espanha
Alex Preukschat é um entusiasta das novas mídias e pesquisa as transformações sociais impulsionadas pelas novas tecnologias e economia peer-to-peer. É assessor de desenvolvimento estratégico e gestão de projetos no ecossistema Blockchain. Ao longo de sua carreira, trabalhou no setor financeiro e turismo em aspectos relacionados à tecnologia, marketing digital e desenvolvimento de negócios, em diferentes países. É autor, juntamente com Josep Busquet e José Angel Ares, da Graphic Novel Bitcoin: a caça a Satoshi Nakamoto (São Paulo: Editora SESI-SP, 2017) e do livro Blockchain: la revolución industrial de internet (Ediciones Gestion 2000, 2017). Além disso, é criador de jogos para celular inspirados no mundo das criptomoedas, da MoneyFunGames.com e cofundador da Blockchain Espanha (BlockchainEspana.com).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – As novas tecnologias derivadas da revolução 4.0 podem reorganizar as dinâmicas de um contexto profundamente mediado pelas relações econômicas?
Alex Preukschat – Isso já está sendo feito e é previsto que a combinação de tecnologias, como a Inteligência Artificial, a Internet das Coisas - IoT, os Big Data, os Robots, os Drones, a Blockchain e muitos outros, mudem a nossa forma de interagir com o mundo de maneira profunda.
Todas estas tecnologias abrem o campo para reinventar os processos de intercâmbio entre todas as pessoas do mundo. Esses processos muitas vezes definem como nos relacionamos e, portanto, também podem alterar as bases da sociedade e da geopolítica.
IHU On-Line – Do que se trata as tecnologias Blockchain? Como funcionam?
Alex Preukschat – A tecnologia Blockchain nos ajuda a criar ambientes de segurança em transações em que não há confiança nas contrapartidas participantes, sem a necessidade de ter de recorrer a uma entidade central confiável.
IHU On-Line – De que forma as tecnologias como a Inteligência Artificial, a Internet das Coisas, os Big-data, entre outros, podem revolucionar o mundo em que vivemos, em relação às Blockchains?
Alex Preukschat – É cedo para dizer, mas podemos imaginar como exemplo um dos muitos seguros de carro, oferecidos de maneira dinâmica, considerando o histórico do comportamento de condução do motorista, que utilizando sensores da IoT e compartilhando essa informação de forma anônima, através de uma Blockchain, poderá receber ofertas de companhias de seguros na sua medida. Em um processo de criação de um produto deste tipo, feito sob medida, essas tecnologias poderiam intervir em conjunto para facilitar modelos de negócio completamente novos em praticamente qualquer área de atividade econômica.
IHU On-Line – Quais são os limites e as potencialidades das moedas digitais como os Bitcoins?
Alex Preukschat – O protocolo Bitcoin foi criado como uma moeda descentralizada sem a necessidade de bancos centrais ou bancos comerciais. Esta proposta de valor, na maioria dos casos, faz sentido se o sistema monetário de um país está repleto de interferências externas e altamente manipulado, levando-o a catástrofes monetárias que motivam as pessoas a recorrer a formatos de dinheiro alternativos, da mesma forma que em alguns países as pessoas recorrem ao dólar ou ao euro para as suas transações comerciais.
Mas além das aplicações monetárias para as quais o Bitcoin foi concebido, existe toda uma gama de possíveis aplicações que poderiam assimilá-lo à Blockchain de Ethereum, com ampliações como o Rootstock [1], Sidechains [2] ou Lightning Network [3].
IHU On-Line – Qual é a chance de sobrevivência para um sistema econômico alheio ao sistema financeiro mundial, incluindo bancos e Estado?
Alex Preukschat – Todas as blockchains públicas são a expressão de pessoas de todo o mundo, querendo colaborar e participar neste tipo de projetos. Nesse sentido, são projetos totalmente vinculados à realidade do mundo. O que certamente tem importância é como se pode fazer intercâmbio de dinheiro (dólares, euros etc.) com criptomoedas, e se essas trocas forem limitadas em algumas jurisdições, certamente afetaria o preço destas criptomoedas, mas isso não necessariamente determinaria seu fim.
IHU On-Line – De que maneira as blockchains vão além das criptomoedas?
Alex Preukschat – A origem da Blockchain está no bitcoin. Uma blockchain pública, como o Bitcoin, é composta de três coisas: um token [4] (bitcoin), um protocolo (Bitcoin) e uma blockchain (o registro descentralizado de transações).
O nome de criptomoeda não está correto no meu ponto de vista. O protocolo Bitcoin foi criado para ser um dinheiro descentralizado para as pessoas, mas nem todas as blockchains públicas foram criadas para ser uma alternativa ao dinheiro de moedas fiduciárias. No caso do Ethereum, a emissão de tokens é ilimitada. Ele foi criado para ser um computador universal para a execução de contratos inteligentes (smart contracts) e não pode ser chamado de criptomoeda, mas é um token para uma blockchain pública. Por isso eu não gosto do termo criptomoeda, porque há muito poucos projetos que possam ser comparáveis ao Bitcoin.
IHU On-Line – O que o leva a ser otimista sobre as tecnologias Blockchain?
Alex Preukschat – Acredito que não temos razões claras para sermos otimistas ou pessimistas. Uma das lições importantes do mundo das blockchains públicas é que a comunidade é a chave para criar um sistema de confiança viável. Sem uma grande oportunidade para as pessoas interessadas em uma blockchain pública não há este ambiente de confiança.
Pessoas como eu se concentram em enfatizar os benefícios futuros da tecnologia Blockchain para gerar interesse em todos os níveis da sociedade, mas, da mesma forma que coisas muito boas podem ocorrer, também poderia ser criada uma visão distópica em relação à tecnologia Blockchain de dados distribuídos irreversivelmente e rastreáveis por todo o mundo (e especialmente pelos países mais fortes) contra os interesses da maioria, se não for implementada corretamente com uma grande comunidade ativista seguindo o desenvolvimento desses projetos.
IHU On-Line – Como evitar que as tecnologias Blockchain, concebidas como uma fuga do sistema financeiro, se tornem uma outra cadeia aprisionada pelas lógicas da financeirização?
Alex Preukschat – Eu acredito ser pouco provável que uma visão totalmente descentralizada do mundo venha a se concretizar, mas ao mesmo tempo, uma grande parte do mundo sofreu muito com as forças de centralização que, no final de contas, danificaram todos os seus participantes. Meu cenário ideal estaria em encontrar um modelo intermediário híbrido no qual o mais importante, a distribuição equitativa na sociedade, seja conseguida através de ferramentas como a Blockchain, com os sistemas de gestão clássicos.
IHU On-Line – As novas tecnologias vinculadas às blockchains tendem a reduzir ou agravar as desigualdades?
Alex Preukschat – É uma pergunta muito interessante e não tenho uma resposta clara para mim mesmo sobre o que poderia acontecer. A história da humanidade parece indicar que estamos nos movendo em oscilações de mais e de menos desigualdade. O normal deveria ser vermos uma distribuição desigual, mas tenho a esperança de que a longo prazo veremos sistemas descentralizados que beneficiem todas as pessoas, tal como descrito por Dee Hock [5], em seu livro One from Many (Createspace Pub, 2009).
IHU On-Line – No âmbito global, como está o debate político sobre a regulamentação e tributação das criptomoedas?
Alex Preukschat – Os poderes efetivos do mundo estão diante de um importante dilema. Por um lado, os países mais desenvolvidos do mundo, como o Japão e Singapura ou a cidade de Londres não querem perder a oportunidade de continuar a manter sua liderança internacional e investem de maneira ativa no desenvolvimento de um ecossistema potente. Por outro lado, há países onde os poderes efetivos são tão importantes que conseguem frear praticamente qualquer iniciativa local através de medidas regulatórias, prejudicando o desenvolvimento desta tecnologia em seus países e protegendo seus interesses econômicos. Isso não é nada novo e acontece em muitos outros setores também.
Notas:
[1] Rootstock ou RSK: é uma plataforma inteligente de contrato que conecta tecnologias blockchains (bitcoin, por exemplo) por meio de tecnologias sidechains. (Nota da IHU On-Line)
[2] Sidechain: é uma blockchain que valida dados de outras blockchains. Essa tecnologia foi desenvolvida como uma alternativa para promover integração entre blockchains e adicionar funcionalidades, sem a necessidade de se modificar os scripts das blockchains. (Nota da IHU On-Line)
[3] Lightning Network: consiste em se utilizar canais de micropagamentos instantâneos espalhados pela rede que removem o risco de se delegar a custódia de fundos a terceiro. (Nota da IHU On-Line)
[4] Token: é um dispositivo eletrônico gerador de senhas, geralmente sem conexão física com o computador, podendo também, em algumas versões, ser conectado a uma porta USB. Existe também a variante para smart cards e smartphones, que são capazes de realizar as mesmas tarefas do token. (Nota da IHU On-Line)
[5] Dee Ward Hock (1929): é o fundador e ex-CEO da Visa. Em 1968, Hock trabalhou em um banco local no estado de Washington, que foi franqueado pelo Bank of America para emitir sua marca de cartão de crédito, a "BankAmericard". Após uma série de acidentes improváveis, Hock ajudou a inventar e se tornou executivo-chefe do sistema de crédito que posteriormente se tornou a Visa. Logo no início, ele convenceu o Bank of America a desistir da propriedade e do controle do programa de licenciamento de cartões de crédito "BankAmericard", formando uma nova empresa, o BankAmerica National, que era de propriedade de seus bancos membros. O nome foi mudado para Visa em 1976. (Nota da IHU On-Line)
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Bitcoins e a difícil fuga do sistema financeiro mundial. Entrevista especial com Alex Preukschat - Instituto Humanitas Unisinos - IHU