09 Abril 2014
“Um 'maluco' inventou um processo de criação de uma moeda que seria com a dinâmica da transação financeira que seja confiável, impossível de fraudar e ao mesmo tempo universal e digital”, explica o publicitário.
Foto: www.wired.com |
“Bitcoin é uma criptomoeda, uma moeda que funciona com base em um algoritmo de criptografia, mas se me perguntarem exatamente como funciona, não sei dizer qual a dinâmica. Entretanto, sei que um 'maluco' inventou um processo de criação de uma moeda que seria com a dinâmica da transação financeira que seja confiável, impossível de fraudar e ao mesmo tempo universal e digital”, explica João Carlos Caribé, em entrevista por telefone à IHU On-Line.
Ao tentar compreender, exatamente, o funcionamento do Bitcoin, Caribé considera que não há muitas relações entre a moeda digital e o mercado financeiro. “A única relação direta é que você tem que transferir o dinheiro para o exchanger, mas só isso, não tem nada de especial. Então o que acontece, o grande truque do Bitcoin é que se tem uma moeda que pode ser usada para qualquer coisa; tem gente que, com o Bitcoin, compra carro, apartamento, e não tem que dar satisfação nenhuma, é irrastreável, como se você fizesse uma prestação em dinheiro vivo, porque dinheiro vivo é algo irrastreável”, explica.
Para Caribé, é importante levar em conta os apontamentos de especialistas que fazem uma crítica ao capitalismo como “sistema operacional da atualidade”, pois, como qualquer outro produto, pode ser substituído. Por isso ele defende que devemos estar atentos de como o Bitcoin está sendo percebido. “Acredito que em 2014-2015 ele ganhará mais visibilidade; talvez ele venha a entrar nas pautas do Legislativo a partir da discussão sobre as criptomoedas e as suas regulamentações, ou seja, vai haver uma tentativa de querer regulamentar algo que não dá para regulamentar”, destaca.
João Carlos Caribé é publicitário, pós-graduado em Mídias Digitais e atua como consultor e ativista pelos direitos e inclusão digital. Seu blog é entropia.blog.br.
Confira a entrevista.
Foto: Facebook |
IHU On-Line - O que são os Bitcoins?
João Carlos Caribé - Os Bitcoins são criptomoedas. Quando os Bitcoins surgiram, eu achava aquilo uma brincadeira de nerds, foi o meu filho quem me apresentou. Na época ele tinha 16 anos e me disse que iria “minerar bitcoins”; eu apenas concordei. Na ocasião ele 'minerou' 170 Bitcoins, hoje ele seria um cara “riquinho”. Atualizando o valor de referência para 170 Bitcoins, que hoje vale R$ 1,5 mil cada um, daria uma grana, daria até para comprar um apartamento.
IHU On-Line – E como funciona?
João Carlos Caribé - Bitcoin é uma criptomoeda, uma moeda que funciona com base em um algoritmo de criptografia, mas se me perguntarem exatamente como funciona, não sei dizer qual a dinâmica. Entretanto, sei que um 'maluco' inventou um processo de criação de uma moeda que seria com a dinâmica da transação financeira que seja confiável, impossível de fraudar e ao mesmo tempo universal e digital. Então o que os caras fazem de 'mineração', na verdade, são máquinas que são usadas para o processamento de validação do Bitcoin. Tem que ter uma pictografia bastante arrojada, então é preciso que valide.
Quando você pega um Bitcoin, cada carteira tem um código hexadecimal gigante (a carteira existe e aquela carteira tem “x” Bitcoins), é algo bem atual. O que eu achei legal — e gosto muito dessas coisas da Internet, pois ela subverteu a ordem estabelecida —, é que permitiu eliminar os intermediários em quase todas as áreas. Hoje, com a internet, nós não precisamos de gravadora para fazer música; não precisamos de editora para publicar livros; não precisamos de mídia para se informar; e agora com o Bitcoin não precisamos de bancos para fazer transações financeiras.
Isso tem preocupado bastante establishments, não somente os bancos, porque é todo o sistema capitalista que gira em torno dos bancos. Por quê? Porque o sistema financeiro hoje tem o Banco Central, os caras têm controle, e no Bitcoin ninguém tem controle de nada.
Trata-se de uma moeda caótica, uma moeda peer-to-peer, uma moeda que não tem Banco Central e nem tem como ter, porque para ela ter isso não faz sentido. Não existe só Bitcoin, há vários “coins”, como o Litcoin, por exemplo, mas o Bitcoin ainda é a mais conhecida delas.
Então você pensa o seguinte: se a pessoa comprar o Bitcoin agora, neste minuto, usando um exchanger de Bitcoins no Brasil, ela tem uma moeda Bitcoin. Eu mesmo fiz isso, comprei Bitcoins aqui no Brasil, depois transferi meus Bitcoins para o MTGox, que fica no Japão.
Não se transfere dinheiro de um país para o outro com grande facilidade sem identificar de quem é o dinheiro, e nesse caso apenas identifica a transação, especifica somente que aquela carteira transferiu tantos Bitcoins de um lugar para o outro. Então se iniciam as críticas: “Bitcoin vai servir para lavar dinheiro”, “Bitcoin vai servir para evasão de divisas”. Também acho que vai servir para isso tudo, sem dúvida. Mas será que só para isso?
IHU On-Line - Não existe nenhuma relação direta entre Bitcoins e o mercado financeiro?
João Carlos Caribé - Não tem. A única relação direta é que você tem que transferir o dinheiro para o exchanger, mas só isso, não tem nada de especial. Então o que acontece, o grande truque do Bitcoin é que se tem uma moeda que pode ser usada para qualquer coisa; tem gente que, com o Bitcoin, compra carro, apartamento, e não tem que dar satisfação nenhuma, é irrastreável, é como se você fizesse uma prestação em dinheiro vivo, porque dinheiro vivo é algo irrastreável. Se você comprar um apartamento por um milhão de reais à vista e não colocar no seu nome, ninguém vai saber que aquele apartamento é seu, nem que você gastou esse dinheiro; a mesma coisa com qualquer outro bem que você adquira, e o Bitcoin permite essas coisas. O Bitcoin também não atende as regras do mercado.
Então o que está acontecendo agora com o Bitcoin é que ele está em evidência, ele vinha devagarinho e de uma hora para outra deu uma supervalorizada, triplicou em uma semana — quando eu comecei a comprar Bitcoins. Descobrimos que na China saiu uma matéria falando dos Bitcoins e que era uma alternativa interessante para poupança, daí os chineses começaram a comprar Bitcoin como se não houvesse manhã. Então o negócio disparou, é a lei da oferta e da procura. Os caras querem comprar, outros querem vender, e cada vez que você compra o mercado vai subindo.
Controle
De repente, de uma hora para outra alguém do governo chinês proíbe os Bitcoins, então a moeda despenca. Depois um senador norte-americano diz que o Bitcoin tem que ser uma moeda reconhecida, daí o Bitcoin sobe. Então o Banco Federal Americano diz que o Bitcoin tem que ser um banco central, daí o Bitcoin cai. Então eu falei: “Gente, essas notícias não estão soltas, não, é um propósito mais profundo. Eles estão (bancos, grandes países, corporações) testando o Bitcoin”. Eles querem saber como vão controlar uma moeda que é incontrolável. Então estão testando a capacidade da moeda, a possibilidade da moeda de valorizar e desvalorizar. E agora, como o MTGox fechou, perdi uma “grana” que eu tinha ali, o dinheiro ficou preso, vou virar acionista de uma empresa que não tem dinheiro. É o que vai acontecer com quem tinha dinheiro no MTGox, e isso gerou um problema sério porque ele era o maior exchanger de Bitcoins do mundo. Fazia transações com muita gente, com o mundo todo. Então já está em descrédito, vamos dizer assim. Existe uma estratégia, uma coisa que é testada, mas também existem várias tentativas de valorizar a moeda.
A estratégia do Bill Gates — abraçar, incrementar e destruir (embrace, enhance and destroy) —, ele começou para elevar a sua tecnologia a abraçar Bitcoins. Quem faz muito isso é o Mark Zuckerberg: ele compra as empresas concorrentes dele, que podem de alguma forma ameaçar o Facebook, e acaba com elas. Eu tinha um aplicativo no celular que era excelente, permitia que se usassem todas as redes sociais em um aplicativo só, então o Facebook comprou e o aplicativo simplesmente acabou. Tenho medo do que ele possa fazer com o Whatsapp, é muito luxo o cara gastar bilhões de dólares para acabar com o produto, mas não duvido que isso possa acontecer.
IHU On-Line - Os Bitcoins podem ser considerados uma moeda do futuro? Em que consistem as transações dessa moeda?
João Carlos Caribé - Quando eu tinha Bitcoin, me divertia muito. Ele funciona como um mercado financeiro igual a um mercado de ações. Ou seja, o comportamento de venda funciona igualzinho ao sistema de ações e você aprende a perceber quando vai ter uma baixa ou uma alta no mercado e como pode ganhar com isso. Eu, por exemplo, quase dobrei o valor que eu tinha, comprando na alta e vendendo na baixa. Muita gente faz isso e ganha bastante dinheiro. Mas a proposta do Bitcoin não é fazer investimento, é ser uma moeda alternativa mesmo, uma moeda digital.
IHU On-Line - Quais as vantagens e desvantagens dessa tecnologia para o mercado?
João Carlos Caribé - A desvantagem é que nem todos aceitam essa moeda, e hoje em dia você depende ou de um exchanger (trocador) para comprar Bitcoins ou de uma relação de confiança, porque existem muitos golpes em casos de compra e venda de Bitcoins. Na hora de transferir o dinheiro para a conta, por exemplo, a pessoa que comprou ou vendeu acaba não transferindo o dinheiro. Esse é um dos riscos.
Outro risco é o que aconteceu comigo: comprei Bitcoins no Brasil e transferi para o MTGox, mas o MTGox fechou e eu perdi meus Bitcoins. Desde fevereiro estou tentando recuperar as moedas, mas não estou conseguindo. Já posso prever meus prejuízos, mas mesmo assim valeu o aprendizado. Acho que casos como esse não vão afetar o Bitcoin como um todo, porque a moeda, depois do MTGox, apesar de ter tido uma queda — ela estava em quase 900 dólares, passou para 600 dólares —, estabilizou. Isso significa que o Bitcoin está firme e estável. Nessa perspectiva, acho que ele vai continuar e faço votos de que vá em frente, porque talvez essa seja a moeda do futuro. Todo o sistema bancário e financeiro que temos hoje foi construído no início do século XVIII e XIX e atendia a demanda da época da Revolução Industrial.
Hoje existe um sistema bancário complexo, e se você começar a fazer contas para entendê-lo, entrará em parafuso. Por exemplo, veja quantos carros e apartamentos novos existem em Porto Alegre. Desses, a maioria ainda não é das pessoas que os compraram, mas do banco, que financia o carro ou o imóvel até a pessoa terminar de pagá-lo. Então, se você parar para fazer uma conta de quanto os bancos são donos de Porto Alegre, você ficará horrorizado.
Alguns especialistas falam de como é a vida “S.A.” e fazem uma crítica ao capitalismo, dizendo que ele é o sistema operacional da atualidade, e como qualquer computador, como qualquer sistema operacional, pode ser substituído. Por isso, é muito importante estarmos atentos ao que estão percebendo em relação ao Bitcoin. Acredito que em 2014-2015 ele ganhará mais visibilidade; talvez venha a entrar nas pautas do Legislativo a partir da discussão sobre as criptomoedas e as suas regulamentações, ou seja, vai haver uma tentativa de querer regulamentar algo que não dá para regulamentar. Vai ser curioso. Nesse sentido, a internet é um espaço muito bom para a sociedade, porque inclui um espaço de rebeldia; tecnicamente, nós conseguimos fazer essas coisas devido à internet.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Bitcoins e a subversão do sistema financeiro. Entrevista especial com João Carlos Caribé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU