Construção civil sinaliza recuperação

  • Sexta, 26 de Outubro de 2018

Ao longo de 2018 o ObservaSinos trabalhou na criação e publicação do Especial do Trabalho Vale do Sinos. A série histórica do ObservaSinos aborda grandes temas sobre o mundo trabalho entre os anos de 2003 e 2016, período de grande movimentação e transição econômica, política e social no Brasil. Os dados analisados são dos 14 municípios do Conselho Regional de Desenvolvimento - Corede do Vale do Rio dos Sinos, região de atuação do Observatório.

Em uma parceria com a Beta Redação, do curso de Jornalismo da Unisinos, o Especial do Trabalho expandiu sua região de análise para Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. Os dados coletados e as matérias produzidas foram uma realização dos alunos da editoria de Economia, que utilizaram os tópicos do Especial do ObservaSinos como fio condutor.

A Beta Redação é um projeto de integração de diferentes atividades acadêmicas do curso de Jornalismo da Unisinos em laboratórios práticos, divididos em seis editorias. O objetivo da Beta Redação é proporcionar aos jornalistas em fase final de formação uma vivência intensa da realidade profissional, fomentando a experimentação e o exercício crítico do Jornalismo, em contato direto com o público.

Eis o texto

Saldo da década, porém, ainda é negativo, com mais demissões do que admissões

A reportagem é de Guilherme Chaves, Rafael Erthal, Victor Thiesen, Vitor Brandão e Tiago Assis, publicada pela Beta Redação, 03-10-2018

De acordo com os dados mais recentes do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), em 2018, o número de contratados (10.527) para a área da construção civil de Porto Alegre supera o total de demitidos (9.661), o que não acontecia desde 2012. Apesar da conquista em termos estatísticos, a preocupação fica por conta da redução de vagas nos últimos anos. De 2014 para cá, houve uma queda de 51,2% no número de admitidos no setor, dentro da capital gaúcha.



Para o economista Cássio Calvete, o fato de Porto Alegre voltar a ter um saldo positivo pode ser o reinício do desenvolvimento do setor. (Gráfico: Rafael Erthal)

Conforme o economista, professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cássio Calvete, esse fato está ligado diretamente com o cenário econômico brasileiro, que até 2014 vinha de uma normalidade, com a taxa de pleno emprego quase sendo atingida. O pleno emprego, por sua vez, é a ausência de desemprego cíclico ou demanda insuficiente. “O desemprego natural era muito baixo na época, pois vínhamos na tendência da diminuição da formalidade nas contratações”, afirma Calvete.

Infográfico: Vínculos ativos na construção civil em Porto Alegre entre 2010 e 2016

Esse cenário teve a situação invertida a partir de 2015, quando o país mergulhou em uma recessão profunda, alavancada pelos atritos políticos estabelecidos na sociedade sobre o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. “Dessa forma, o desemprego aumentou rigorosamente”, ressalta o economista.

Para Calvete, o mercado de trabalho da construção civil de Porto Alegre vive uma estabilidade, com o fato da capital voltar a ter um saldo positivo podendo ser o reinício do desenvolvimento do setor. Mesmo assim, o cenário ainda é de difícil projeção, levando em consideração as mudanças que devem ocorrer no âmbito político a partir de 2019. “A economia brasileira está em meio ao processo de eleição e, obviamente, dependerá do futuro governo prever essas questões”, conclui o professor.

Infográfico: Número de estabelecimentos de construção civil em Porto Alegre

Outro fator que está diretamente ligado com a redução no número de admissões, segundo o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de Porto Alegre (STICC), foi a aprovação da Reforma Trabalhista, em 11 de julho de 2017 pelo Senado Federal, sancionada dois dias mais tarde pelo presidente Michel Temer. A partir disso, os empregadores passaram a terceirizar os serviços, fazendo a contratação de profissionais autônomos, os quais caracterizam-se como pessoas jurídicas, e detendo os direitos e deveres dos indivíduos que as compõem.

Para exemplificar melhor a questão reivindicada pelo Sindicato: com as novas diretrizes da Reforma, os empregadores contam agora com a opção de subcontratar os funcionários. Conforme um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário de trabalhadores terceirizados pode ser até 24% menor do que o de um empregado formal. Além disso, o Dieese estima que os autônomos fazem jornadas semanais maiores, ou seja, trabalham mais tempo que um contratado diretamente, o que justificaria a diminuição de vagas.

Essa reforma consta na Lei 13.467 e altera pontos importantes na área da Construção Civil. No âmbito das jornadas de trabalho, houve mudanças no banco de horas que permite acordos individuais. O projeto extingue o pagamento ao trabalhador pelo tempo utilizado até o trabalho, o intervalo intrajornada pode ser abaixo da 1 hora diária (respeitando o período mínimo de 30 minutos) e a jornada 12x36 é permitida, desde que concedido descanso imediato de 36 horas. As férias podem ser fracionadas em até três períodos, tendo o início vedado em casos de dois dias que antecedem qualquer feriado ou repouso semanal remunerado.

A rescisão do contrato de trabalho pode ser realizada por acordo mútuo, prevendo pagamento do aviso prévio e da multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em montantes reduzidos. É extinguida a homologação da rescisão, prevendo a extinção do contrato na Carteira de Trabalho (CTPS), sendo que não há mais necessidade de negociação prévia com sindicatos para casos de dispensa coletiva.

De acordo com o STICC, essas mudanças resultaram na demissão de muitos trabalhadores. “As empresas preferem contratar o profissional por CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), pois assim nenhum direito precisa ser pago, nem o Fundo de Garantia (FGTS) e nem o 13º salário”, conta a fiscalizadora de obras do Sindicato, Cídia dos Santos.



Segundo o Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, entre 2012 e 2017 foram registrados 1087 casos de acidentes de trabalho no setor da construção de edifícios em Porto Alegre. (Foto: STICC/Divulgação)

Em relação à terceirização e ao trabalho autônomo, a Reforma Trabalhista, que possibilita a terceirização de qualquer atividade, inclusive a principal da empresa, facilita o desligamento do empregado em comum acordo com o empregador. A contratação do autônomo, cumpridas as formalidades legais, afasta a configuração de empregado. Entre agosto de 2017 e agosto de 2018, foram 19.240 desligamentos em empresas de construção civil em Porto Alegre.

Conforme o economista Cássio Calvete, o processo de terceirização é uma forma de redução de custos que favorece o contratante e visa aumentar a margem de lucro das empresas. “Conseguindo fazer uma fachada bonita, que dure o tempo de contrato do serviço das obras, está de bom tamanho para as empresas”, afirma Calvete. Para o pesquisador, a construção civil utiliza com grande frequência este segmento visando o menor custo de mão de obra.

Para o Sindicato que representa os profissionais da construção civil de Porto Alegre, a partir da reforma trabalhista as empresas passaram a oferecer STICC, Israel Guterres.



Comparação entre o salário médio e o piso salarial da categoria entre 2010 e 2018. (Imagem: Guilherme Chaves)

Além disso, o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil da capital gaúcha afirma que a reforma permite ainda o trabalho em condições insalubres, principalmente em um setor que oferece diversos riscos à saúde física dos profissionais, como é a construção civil.

Qualificação e segurança

Para regularizar as condições de trabalho dos empregados, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) criou a Norma Regulamentadora Nº 15, elencando atividades insalubres e limites de exposição dos trabalhadores a esses agentes. Esses fatores, considerados nocivos para os profissionais, podem ser, por exemplo, um ruído contínuo, a sensação de calor excessivo, a exposição a gases e vapores, entre outros. Comprovada a realização de atividades em ambientes insalubres, é direito do trabalhador receber um valor adicional que varia entre 10% e 40% do salário mínimo da região, conforme o grau de exposição.

Segundo o Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho, entre 2012 e 2017 foram registrados 1.087 casos de acidentes de trabalho no setor da construção de edifícios em Porto Alegre. Entre os setores econômicos que mais apresentaram afastamentos previdenciários acidentários, a construção civil aparece em sétimo lugar, com 549 casos neste mesmo período.

A Doutora em Psicologia, pesquisadora na área do trabalho e professora do departamento de Ciências Sociais da Unisinos, Marília Veronese, critica a falta de segurança e qualificação do trabalhador na área da construção civil. “Em termos de saúde e segurança no trabalho, a construção civil é um setor crítico, justamente porque emprega em sua base uma mão-de-obra sem qualificação. Possui muita rotatividade e pouca proteção social, no sentido de que não é um trabalho que gera compromisso, é um trabalho sazonal”, comenta.

Segundo a pesquisadora, outro ponto que pode influenciar na segurança do funcionário é o fator psicológico. “Nos estudos que fiz no final da década de 90 havia uma série de questões vinculadas a uma cultura de classe, que estava relacionada a valentia, não sentir medo e não precisar usar os Equipamentos de Proteção Individuais (EPIs). Tudo isso associado à falta de cuidado das empresas e das corporações com a segurança”, ressalta.



STICC luta pelos direitos e busca capacitar o construtor civil porto-alegrense (Foto:STICC/Divulgação)

Marília explica que o processo de especulação imobiliária, ou seja, quando um investidor adquire um bem ou imóvel com a finalidade de vendê-lo ou alugá-lo posteriormente, está em alta, trazendo consigo um sério entrave. “Alguns dizem que isso gera mais construções e, consequentemente, empregos para a população de baixa renda. O problema é sua curta duração, que não vai garantir para essa mão de obra um trabalho de maior qualidade”, explica.

Por fim, as empresas, defende Marília, deveriam ser fiscalizadas pelos órgãos competentes, garantindo, assim, boas condições de trabalho aos trabalhadores, minimizando os riscos à segurança, treinando e qualificando o profissional, o Estado e o mercado.