07 Outubro 2016
Juan Manuel Santos, presidente da Colômbia, vence o Prêmio Nobel da Paz de 2016, num recado claro dos organizadores da premiação sobre a necessidade de que o acordo de paz sobreviva para colocar um fim à guerra civil, apesar dos resultado do plebiscito. A liderança das Farc, porém, não foi premiada, o que gerou surpresa entre os observadores do processo em Oslo. Para o Nobel, existe hoje um risco concreto de que a guerra volte ao país sul-americano.
A reportagem é de Jamil Chade, publicada por O Estado de S. Paulo, 07-10-2016.
A escolha foi tomada "pelo esforço de Santos em levar a guerra de mais de 50 anos a um fim, um conflito que já custou vidas de pelo menos 220 mil colombianos e deslocou quase 6 milhões de pessoas". "O prêmio deve também deve ser visto como um tributo ao povo colombiano que, apesar dos abusos e dificuldades, não abandonaram a esperança por uma paz justa e todas as partes que contribuem para o processo de paz", disse o Comitê Norueguês do Prêmio Nobel, que também prestou homenagem às vítimas da guerra civil.
Até o último fim de semana, o acordo de Paz na Colômbia era de fato o forte candidato, com seus principais atores - o presidente Santos e o líder das Farc, Rodrigo Londoño - como seus representantes. Mas o "não" da população na votação parecia ter minado as chances de um prêmio Nobel, apesar de o acordo representar o fim de 52 anos de guerras.
Não por acaso, o anúncio gerou surpresa. Mas, segundo os organizadores do prêmio, Santos foi o " iniciador" do processo e de forma "consiste buscou a paz". "Apesar de saber que o acordo era polêmico, ele foi instrumental em garantir que os eleitores colombianos fossem consultados sobre o acordo de paz ", disse o Comitê Norueguês do Prêmio Nobel. "O resultado não foi o que ele queria. Esse resultado criou uma grande incertezas sobre o futuro da Colômbia. Existe um perigo real de que o processo de paz seja parado e que a guerra civil recomece ", alertou.
"Isso torna ainda mais importante que as partes, lideradas por Santos e Londoño, continuem a respeitar o cessar-fogo " disse. "O fato de a maioria dos eleitores terem dito não ao acordo de paz não significa necessariamente que o processo de paz está morto", disse. "O referendo não foi um voto contra ou a favor da paz", insistiu. "O que o lado do 'não' rejeitou não foi o desejo pela paz, mas o acordo específico", disse.
"Esperamos que prêmio dê forças a Santos e queremos encorajar todos aqueles que tentam encontrar paz e reconciliação na Colômbia. O presidente já disse que vai continuar a trabalhar pela paz. O Comitê, portanto, espera que o prêmio o dê força para completar o trabalho. É a esperança também de que o povo vai desfrutar da paz e só assim a pobreza, desigualdade e os crimes relacionados com as drogas vão ser superados", disse a entidade norueguesa.
Oslo insistiu que o acordo, mesmo não aprovado, era um esforço real de dar fim a "uma das mais longas guerras da história moderna e o único da Américas hoje". "Santos levou o conflito mais próximo da paz", disse. Na Colômbia, porém, ele foi acusado de ter feito concessões aos guerrilheiros.
O líder da Farc que negociou o acordo, porém, não foi premiado pelo comitê em Oslo. "Existem muitas partes do conflito. Santos foi quem tomou a iniciativa histórica. Foi ele que mergulhou e é o líder do governo, com forte vontade de chegar a um resultado. Por isso, demos a ele. Ele é quem vai manter o processo. Existe o risco de que o processo pare", explicou o Nobel.
A decisão de não dividir o prêmio foi alvo de questionamentos, já que no passado o mesmo Comitê escolheu mais de um ator num processo de paz. Em 1994, o prêmio foi dividido entre representantes de Israel e da Autoridade Palestina. Em 1993, Nelson Mandela e F. W. de Klerk também dividiram a premiação. Nos anos 70, o Nobel dividiu a distinção entre o americano Henry Kissinger e o vietnamita Le Duc Tho, que se recusou a receber a distinção.
Questionada se seria "impossível" dar o prêmio a uma guerrilha, a presidente e porta-voz da entidade, Kaci Kullmann Five, preferiu não comentar. "Não falamos sobre aqueles que não ganharam o prêmio. Não é raro que a escolha seja polêmica. Mas nosso objetivo é honrar as partes que fizeram trabalho e dizer aos colombianos que os encorajamos para que a paz seja encontrada", disse.
Oslo também já começou a ser criticada por ignorar o voto dos colombianos. Mas o Comitê do Prêmio Nobel vê a situação de uma outra forma. "Respeitamos o processo democrático e o voto dos colombianos. Mas os colombianos não falaram não para a paz. Eles disseram não a esse acordo específico. Agora, existe um processo para reabrir o diálogo para tentar levar o processo adiante. Isso é importante para evitar que o conflito volte", explicou.
Para o Comitê Norueguês do Prêmio Nobel, o fato de Santos estar convidando todas as partes a um diálogo nacional mostra que ele "não desistiu". "Esperamos que todas as partes no conflito assumam suas responsabilidades e participem de forma construtiva", declarou.
Kaci, porém, deixou claro que será "um desafio muito difícil atingir um equilíbrio entre a necessidade de reconciliação nacional e garantindo justiça para as vítimas". "Não existe uma resposta simples sobre como isso vai ser atingido", insistiu. "O prêmio reconhece coragem política", disse Filippo Grandi, alto Comissário da ONU para Refugiados.
Na lista de candidatos estavam negociadores, voluntários sírios, um papa ou mesmo um delator. Nesta sexta-feira, 7, a entidade revelou o nome do ganhar, num ano com um número recorde de concorrentes - 376 - e de especulações. Pelas regras, a identidade dos indicados deve ser mantida em sigilo. Mas nunca os favoritos nas casas de apostas saíram com a medalha e o cheque quase milionário.
Além do vencedor, vários outros nomes apareciam como favoritos entre os especialistas. Um dos nomes citado foi o da chanceler Angela Merkel. Sob sua liderança, a Alemanha abriu suas fronteiras para receber milhares de pessoas. Sua atitude a levou a perdeu apoio doméstico. Mas ganhou o reconhecimento internacional por seu gesto.
Também sobre a guerra na Síria, outro concorrente foi a organização Capacetes Brancos, oficialmente denominados de Defesa Civil Síria. Pelo país e em especial em Aleppo, eles têm atuado com cerca de 3 mil pessoas para resgatar vidas em escombros. Desde 2011, esse grupo de voluntários teria salvo 60 mil vidas. Se eles ganharam repercussão internacional, também passaram a ser visados pelo regime de Bashar Al Assad, que chega a os identificar como aliados de grupos terroristas.
Um outro acordo que poderia resultar em prêmio seria o entendimento nuclear entre os EUA, UE e o Irã, em julho de 2015. Naquele momento, os chefes da diplomacia dos dois países e da UE - John Kerry, Mohammad Javad Zarif e Federica Mogherini - superaram anos de desconfianças para fechar o acordo histórico. Uma alternativa seria dar o prêmio aos dois principais negociadores - o secretário de Energia dos EUA, Ernest Moniz e o chefe da entidade atômica iraniana, Ali Akbar Salehi.
O papa Francisco também foi cotado, principalmente por sua participação na normalização das relações entre EUA e Cuba, na guerra na Colômbia, sua luta contra a pobreza e seu esforços por um diálogo entre religiões.
Na lista ainda estavam personalidades como Edward Snowden, ex-oficial de inteligência e que revelou a espionagem do governo americano, a Federação de Ciclismo Feminina do Afeganistão e até mesmo Donald Trump.
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Presidente da Colômbia ganha Prêmio Nobel da Paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU