19 Outubro 2015
Os prelados presentes no encontro mundial dos bispos sobre família novamente revelaram o que parece ser diferenças significativas de opinião sobre como a Igreja deveria se aproximar das famílias, em particular sobre se e como ela deveria empregar uma linguagem mais aberta ou inclusiva em seus ensinamentos.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 14-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Enquanto alguns prelados estão expressando uma preocupação primordial em que toda e qualquer linguagem renovada aqui deve, clara e diretamente, delinear as doutrinas e disciplinas da Igreja, outros ressaltam que esta linguagem deve ser menos jurídica e mais acessível aos homens e mulheres de hoje.
Os participantes do Sínodo dos Bispos, assembleia em curso desde o dia 4 deste mês e com que terminará no próximo dia 25, apresentaram as suas observações nesta quarta-feira (14) com a segunda rodada de divulgação dos relatórios produzidos nos 13 grupos de trabalho, círculos menores que vêm ajudando a orientar os debates plenários.
Os grupos estão organizados por preferência de idioma e se dividem em círculos de francês, inglês, italiano, espanhol e alemão.
Os quatro grupos de língua inglesa – coordenados respectivamente pelo cardeal australiano George Pell, pelo cardeal inglês Vincent Nichols, pelo arcebispo irlandês Eamon Martin e pelo cardeal canadense Thomas Collins – adotam abordagens diferentes com relação ao que os prelados deveriam estar fazendo.
Os dois primeiros grupos mencionam particularmente a linguagem que a Igreja emprega para com as famílias, mas parecem assumir abordagens metodológicas diversas.
O grupo de Pell, que também é coordenado pelo arcebispo americano Joseph Kurtz, salienta uma preocupação primordial relativa à clareza da doutrina da Igreja.
“Apesar de que todos os esforços devam ser feitos a fim de garantirmos uma linguagem simplificada e atraente, uma preocupação central foi a clareza das explicações bem fundamentadas do ensinamento católico concernente ao matrimônio e à família”, escreveu o grupo.
O grupo de Nichols, que também conta com a coordenação do arcebispo irlandês Diarmuid Martin, afirmou que os seus membros querem “procurar uma linguagem acessível aos homens e mulheres do nosso tempo”.
Esse grupo chegou a propor a modificação de um termo-chave que, frequentemente, vem à tona nas discussões do Sínodo: o ensinamento da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio.
“Ao lado do termo ‘indissolubilidade’, nós propomos empregar uma linguagem que seja menos jurídica e que mostre melhor o mistério do amor de Deus, falando do matrimônio como uma graça, uma bênção e uma aliança de amor para toda a vida”, escreveram.
Nichols procurou minimizar qualquer desacordo entre os cerca de 270 prelados participantes do encontro sinodal durante uma conferência de imprensa concedida no meio-dia desta quarta-feira, dizendo que o uso da palavra “impasse” era inadequado.
“A minha experiência não é esta, absolutamente”, disse o cardeal. “Não creio que seja este o caso. Há uma grande quantidade de energia no Sínodo. Existem diferenças de opinião porque (...) somos uma família e nas famílias há opiniões diferentes”.
“Eu mesmo não sinto nenhum impasse”, disse ele. “Percebo uma real disposição a explorar, em profundidade, algumas destas questões de fato difíceis. E isso vai continuar. É um trabalho duro. Estamos no meio caminho. Mas não há nenhuma sensação de negatividade no Sínodo”.
O Sínodo dos Bispos está se reunindo em assembleia num período de três semanas preenchidas com sessões gerais e discussões nos 13 grupos de trabalho. Os relatórios desta quarta-feira são o segundo dos três a serem produzidos pelos pequenos grupos, que estão discutindo parte a parte de o documento de trabalho utilizado pelo Sínodo.
Os debates entre os prelados vêm atraindo uma ampla gama de interesses, e uma certa quantidade de intrigas quanto ao que o sínodo pode estar pensando. Ainda que o Vaticano esteja realizando coletivas de imprensa diárias a partir das deliberações, os encontros em si são fechados aos repórteres.
Sabe-se que a questão da linguagem da Igreja veio à tona nas discussões, especialmente no tocante à postura dela em relação aos fiéis divorciados e recasados e aos gays.
O grupo coordenado por Nichols focou as suas reflexões em vários temas: “Pedagogia Divina; Palavra de Deus na Família; Indissolubilidade e Fidelidade; Família e a Igreja; e Misericórdia e Quebrantamento”.
Esse grupo definiu o matrimônio como tendo três “características básicas:” a monogamia, a permanência e a igualdade dos sexos.
Ao comentar sobre as atitudes de Jesus para com as famílias, este mesmo grupo afirmou que Jesus muitas vezes fez o que era considerado impróprio para a sua época – trazendo como exemplos a conversa dele com uma samaritana e o fato de ele não condenar uma outra mulher que cometera adultério.
“Ele sujou suas mãos através do trabalho, mas não com pedras para atirar em outras pessoas”, disse o grupo, ao escrever sobre o ministério de Jesus.
Esse grupo também pediu que o Sínodo dê um foco especial sobre a misericórdia de Deus para com a humanidade.
“Todos nós precisamos da misericórdia de Deus”, escreveram. “Hoje, em muitas sociedades há um sentimento de autossuficiência, em que as pessoas sentem que não têm a necessidade de misericórdia, onde elas não têm a consciência do seu próprio pecado”.
“Às vezes, isso se deve a uma catequese inadequada do pecado, não reconhecendo este como uma ferida da nossa relação com Deus e uns com os outros, uma ferida que só pode ser curada através do poder salvador da misericórdia de Deus”, continua o texto.
“O [nosso] grupo sentiu uma forte necessidade de uma reflexão mais profunda sobre a relação entre misericórdia e justiça”, afirmaram. “Devemos sempre lembrar que Deus nunca desiste de sua misericórdia. É a misericórdia que revela o verdadeiro rosto de Deus. A misericórdia de Deus estende a sua mão a todos nós, especialmente àqueles que sofrem, os fracos, aqueles que desapontam”.
O grupo coordenado por Eamon Martin, que também contou com a ajuda do arcebispo australiano Mark Coleridge, escreveu que os seus membros identificam uma “necessidade de ver mais claramente a forma como a Igreja, através dos séculos, chegou a uma compreensão mais profunda e segura do ensinamento sobre o matrimônio e a família, que tem suas raízes no próprio Cristo”.
“Este ensinamento é constante, mas a sua articulação e a sua prática, baseada nesta articulação, nem sempre o foram”, escreveram.
Esse grupo também destacou a necessidade de a Igreja falar de forma diferente às diferentes culturas, talvez referindo-se obliquamente a propostas de que algumas questões de autoridade da Igreja poderiam ser resolvidas pelas conferências episcopais (regionais ou locais).
“Uma grande riqueza e um grande desafio das nossas discussões continua sendo as diferentes modulações do matrimônio e da família nas várias culturas representadas no grupo”, escreveram eles.
“Certamente há pontos de convergência, decorrentes do nosso senso comum quanto ao plano divino, o qual está inscrito na criação e que chega à plenitude em Cristo crucificado e ressuscitado, conforme proclamado pela Igreja”, continua o relatório do grupo. “Mas as formas diferentes em que esse mistério toma corpo, em diferentes partes do mundo, torna-o desafiador no tocante a equilibrar o local e o universal”.
“Essa questão continua sendo uma tarefa primordial deste Sínodo”, afirmou o grupo.
O grupo coordenado por Collins, que contou com a ajuda do arcebispo americano Charles Chaput, disse se preocupar com o fato de que o documento de trabalho do Sínodo não define, claramente, matrimônio.
“Trata-se de um defeito grave”, escreveram eles. “Isso faz com que haja ambiguidade em todo o texto”.
Ao sugerir uma definição, o grupo publicou uma seção de meia página do Gaudium et Spes, documento Concílio Vaticano II, em que se define o termo.
O grupo liderado por Collins também elogiou quatro tipos de testemunhos que as famílias de hoje dão, identificando-os como: a santidade em oração; não serem autorreferenciais; estarem sensíveis às questões ambientais; e viverem em união na caridade, na vida cotidiana compartilhada.
Esse grupo também escreveu que alguns bispos que o compõem “observaram a importância das mulheres na vida da Igreja e a necessidade de se dar mais atenção no sentido de garantir-lhes funções de liderança apropriadas”.
Na coletiva de imprensa no Vaticano nesta quarta-feira, Nichols disse esperar que o Papa Francisco publique, mais tarde, uma exortação apostólica em nome do Sínodo (e não que o Sínodo emita o seu próprio documento final).
“A minha esperança é que ele [Francisco] venha a completar este processo, pois me parece que este vai precisar de uma conclusão, e só há uma única pessoa que pode fazer isso”, disse o cardeal.
Nichols também elogiou a universalidade da Igreja em seu discurso, dizendo que a Igreja local tem que “lutar por uma espécie de distanciamento crítico de sua configuração local, de sua cultura particular”.
“A Igreja precisa ter um distanciamento crítico, um pouco como uma luz de arco”, disse ele. “Se queremos ter alguma luz, então os dois elementos precisam estar a uma distância crítica. A universalidade da Igreja mantém a Igreja local a uma distância crítica, caso contrário esta acaba muito próxima da cultura dominante e a luz desaparece”.
O Sínodo dos Bispos estará se encontrando de hoje (quarta-feira) até sexta-feira (16) em sessão aberta. Os prelados retomarão os trabalhos em pequenos grupos na segunda e na terça-feira.
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Documentos sinodais expressam diferenças entre os bispos; cardeal nega impasse - Instituto Humanitas Unisinos - IHU