08 Outubro 2015
Em resumo, o Papa Francisco pode ter as suas razões para estar um pouco nervoso, porque o seu muito incensado Sínodo dos bispos sobre a família – uma cúpula entre os dias 4 e 25 de outubro que ele tem anunciado como um momento potencialmente definidor do seu papado há quase dois anos – pode estar prestes a descarrilar.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio Crux, 07-10-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nós já tivemos a confirmação, por exemplo, de que um confronto entre os bispos sobre a candente questão de permitir que os católicos divorciados e recasados civilmente voltem à Comunhão está longe de ser resolvida.
No primeiro dia, o cardeal húngaro Péter Erdő, basicamente tentou enterrar o assunto. No entanto, no segundo dia, o arcebispo italiano Claudio Maria Celli usou uma coletiva de imprensa do Vaticano para dizer que ela continua "completamente aberta" e, incisivamente, perguntou: se todos os bispos vão ecoar a linha de Erdő, então, "o que estamos fazendo aqui?".
Da mesma forma, houve tanta repercussão contra as modificações no processo sinodal no dia de abertura que Francisco se sentiu compelido a tomar o microfone para insistir que ele, pessoalmente, aprovara as novas regras, as quais os críticos sentem como projetadas para limitar o fluxo de informações e embaralhar as cartas em favor dos resultados desejados.
Praticamente como na última edição do Sínodo em 2014, também há o risco de que estão sendo criadas expectativas que não poderão se realizar. Na terça-feira, por exemplo, um porta-voz vaticano disse que alguns participantes apelaram para a rejeição de uma "linguagem excludente" sobre a homossexualidade.
"Estes são os nossos filhos, os nossos membros da família", disse o Pe. Thomas Rosica, resumindo pontos defendidos dentro do Sínodo. "Eles não são forasteiros, mas a nossa própria carne e sangue. Como vamos falar sobre eles [positivamente] e lhes oferecer uma mão de acolhida?"
Resta saber, no entanto, se a maioria dos bispos vão embarcar nessa.
Como disse o arcebispo Paul-André Durocher, de Gatineau, Quebec, na terça-feira, para cada prelado que busca superar um "abismo crescente" entre o ensino da Igreja e as realidades da vida familiar encontrando-se com o mundo no meio caminho, há outro preocupado para não ser engolido por ele. Para eles, o desafio não é reformular a doutrina, mas sim reforçá-la.
Francisco não é nenhum ingênuo, por isso a questão deve ser feita: sabendo como é fácil para que as coisas deem errado, por que ele colocou a sua credibilidade em xeque, permitindo que uma cúpula potencialmente rancorosa se desdobrasse dessa maneira?
Parte da resposta pode ser que Francisco está em posição de enfrentar quaisquer tempestades que possam vir, porque ele está isolado pela sua própria narrativa.
Essa narrativa, é claro, é que Francisco é o "papa do povo", um reformador humilde e simples tentando dirigir o catolicismo rumo a uma maior compaixão e misericórdia. Ela fez dele um herói moral fora dos limites da Igreja, assim como uma espécie de "figura Teflon" à qual nenhuma crítica parece jamais ficar grudada por muito tempo.
Bento XVI e Francisco
Os últimos dias trouxeram a confirmação desse ponto ao convidar a uma comparação com o seu predecessor, o Papa Bento XVI.
Em momentos diferentes dos seus respectivos pontificados, cada um enfrentou críticas por uma medida em relação a um bispo anteriormente pouco conhecido. As polêmicas envolveram duas crônicas, fontes de angústia para a Igreja Católica – o seu histórico sobre o antissemitismo e o Holocausto, no caso de Bento XVI, e a sua reação aos escândalos de abuso sexual do clero para Francisco.
Em 2009, Bento XVI levantou a excomunhão de quatro bispos tradicionalistas, incluindo um, Richard Williamson, com uma história como negacionista do Holocausto. Essa decisão provocou uma indignação mundial e criou manchetes durante semanas, aprofundando impressões de Bento XVI como uma pessoa fora de contato e insensível à opinião pública.
O clamor tornou-se tão intenso que, dois meses depois, Bento XVI divulgou uma carta sem precedentes aos bispos do mundo inteiro, pedindo desculpas por ter gerido mal o caso e revelando como ele estava isolado das informações que qualquer um poderia encontrar facilmente na internet.
Avançando para 2015, o Papa Francisco nomeou um novo bispo para a diocese de Osorno, no Chile, o qual os críticos acreditam que encobriu crimes cometidos pelo mais notório padre abusador do país. A nomeação provocou protestos no Chile e objeções de alguns dos próprios assessores do pontífice sobre os esforços antiabuso, mas teve pouca repercussão em qualquer outro lugar.
Francisco não respondeu com um mea culpa sentido, como fez Bento XVI, mas sim com um desafio.
Em um vídeo de cinco meses atrás [assista abaixo, em espanhol], ouve-se Francisco dizer a um empregado da Conferência Episcopal Chilena que as pessoas que criticam a sua medida estão sendo "levadas pelo nariz por esquerdistas", e que o país "perdeu a cabeça".
Embora a substância das duas situações possam ser muito diferentes, o potencial para uma reação é assustadoramente semelhante. Basta imaginar qual seria a reação se Bento XVI tivesse culpado os "esquerdistas" pelos seus próprios problemas, e você vai entender a diferença entre as narrativas que os dois pontífices carregam consigo.
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É impressionante que, fora da mídia de língua espanhola, houve relativamente pouca reação ao caso Barros, certamente nada comparado com a tempestade que Bento XVI enfrentou seis anos atrás.
O que tudo isso implica para o Sínodo dos bispos de 2015?
Sem dúvida, Francisco preferiria que a cúpula chegasse a um resultado inspirado sobre as questões controversas, tais como o divórcio e a abordagem pastoral para gays e lésbicas, e também gerasse um impulso para um compromisso renovado para apoiar as famílias, tanto nas suas lutas quanto nos seus triunfos.
No entanto, é inteiramente possível que não seja esse o modo como as coisas vão terminar. Pode ser que o Sínodo produza dores de cabeça e amargura, os bispos vão embora insatisfeitos, e os católicos nas bases sejam deixados atônitos e confusos.
O capital político do papa
A experiência dos últimos 18 meses, no entanto – reforçada tanto pela reação relativamente muda à polêmica Barros, quanto pelo sucesso percebido da viagem do pontífice aos Estados Unidos –, sugere que um cenário como esse pode não prejudicar muito o próprio capital político de Francisco.
Em termos de opinião pública ampla, é plausível acreditar que, se o Sínodo for visto como um sucesso, Francisco receberá o crédito por isso. Se for visto como um naufrágio, o resultado pode ser que isso irá ocorrer apesar da sua liderança em vez de ocorrer por causa dela.
Talvez esse pano de fundo ajude a explicar por que Francisco parece ter um nível tão alto de tolerância para assumir riscos, para além da sua convicção tangível de que o Espírito Santo está chamando a Igreja a uma maior parrésia, ou franqueza, e que a capacidade de Deus para a surpresa é sempre maior do que "as nossas lógicas e os nossos cálculos".
Ao menos em parte, pode ser porque Francisco compreende que, quando ele rolar os dados nestes dias, ele estará basicamente jogando com o "dinheiro da casa". Se ele perder, ele ainda vai ter fichas na mão; se ele ganhar, ele só vai quebrar a banca.
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Papa Francisco está apostando "dinheiro da casa" no Sínodo 2015 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU