Por: Jonas | 09 Agosto 2013
Nome por nome, a equipe pessoal de Bergoglio. Uma minúscula, mas ativíssima cúria paralela, onde tudo é decidido por ele. Inclusive, as infelizes nomeações de dom Ricca e de Francesca Chaouqui.
A reportagem é de Sandro Magister, publicada no sítio Chiesa, 08-08-2013. A tradução é do Cepat.
Francisco não tem pressa em reformar a Cúria e alguns de seus grandes eleitores começam a se impacientar. “Queríamos um Papa com boas capacidades diretivas e de mando e até agora temos visto pouco de ambas”, lamentou, numa entrevista há poucos dias, o cardeal de Nova York, Timothy Dolan.
Porém, o que é certo é que esta Cúria não gosta do papa Jorge Mario Bergoglio da forma como ele é. De fato, de maneira voluntária, ele a utiliza cada vez menos. A Secretaria de Estado vaticana teve notícias do último quirógrafo assinado por “Francisco”, no dia 18 de julho, que instituiu uma comissão de oito especialistas para repensar a organização das estruturas econômico-administrativas da Santa Sé, somente depois de tudo consumado.
Isto significa que no pequeno espaço do papa Bergoglio, no segundo piso da Casa Santa Marta, onde decidiu viver, são decididas e feitas muitas coisas que nem sequer tocam os majestosos despachos curiais da primeira e terceira galeria do Palácio Apostólico, a poucos metros do apartamento pontifício, agora vazio.
A Secretaria de Estado continua com seu trabalho rotineiro, mas está atuando muito mais outra secretaria, minúscula, mas ativíssima, que está a serviço direto do Papa e que despacha os assuntos que ele quer resolver pessoalmente, sem nenhuma interferência.
Há um século, quando reinava Pio X, chamavam-na a “segretariola”. O papa Giuseppe Sarto tinha um péssimo juízo sobre a Cúria de então, mas, após tê-la reorganizado, cuidou muito em suprimir sua pequena secretaria particular, de cujo pessoal havia se rodeado assim que foi eleito em 1903.
Com o Papa atual, filho de emigrantes piemonteses, o vêneto Pio X tem muitos traços em comum. Ele também nasceu em uma família pobre e continuou se dedicando, também como papa, na ajuda aos necessitados. Muito amado pela gente humilde, levava uma vida simples e austera. Era de caráter bondoso, não privado de ironia e tinha uma profunda vida espiritual. Sucessivamente, foi proclamado santo. Tinha uma formidável capacidade de trabalho, que se alongava até altas horas da noite, e para muitas pequenas coisas que a Cúria desconhecia.
Não surpreende que contra a “segretariola” de Pio X se concentre rapidamente uma tenaz aversão, pois se suspeitava que ela influenciasse o Papa, orientando suas decisões. Suspeitas compartilhadas por dirigentes da Cúria que eram do apreço de Pio X, como o então auxiliar secretário de Estado, Giacomo Della Chiesa, futuro Bento XV, do qual o Papa dizia: “É incômodo, mas se comporta retamente”. De fato, nenhum dos secretários do papa Sarto, após este subir ao céu, foi premiado pelos pontífices sucessivos. Alguém, inclusive, terminou os seus dias, voluntariamente, recluso em uma ermida, na montanha sobre Camaldoli.
A lenda negra pesou sobre eles até a descoberta, um século mais tarde, dos documentos dessa “sagrada mesa” em um sótão dos palácios vaticanos. Dois preciosos estudiosos, Alejandro M. Dieguez e Sergio Pagano, o segundo atualmente prefeito do Arquivo Vaticano, publicaram, entre 2003 e 2006, o inventário completo e uma antologia em dois grossos volumes que demonstram que esses laboriosos secretários não tinham nenhuma culpa, porque tudo tinha sido desejado, decidido e, inclusive, escrito de seu punho e letra pelo infatigável papa Sarto. Assim como parece ser o que também está acontecendo hoje com o papa Bergoglio.
O primeiro a fazer parte da “segretariola” de Pio X foi dom Giovanni Bressan, seu secretário antes de ser eleito Papa, quando era bispo de Mântua e depois patriarca de Veneza. Imediatamente depois, o papa Sarto chamou para o seu lado outros dois sacerdotes vênetos que ele conhecia bem, Francesco Gasoni e Giuseppe Pescin. E depois um sacerdote de Como, Attilio Bianchi, sobrinho do beato Giovanni Battista Scalabrini, fundador dos missionários que assumiram o seu nome.
Junto a estes quatro, Pio X acrescentou, por último, “em razão da sua grande experiência nesse propósito”, monsenhor Vincenzo Maria Ungherini, que tinha sido o segundo secretário de Leão XIII, o papa que foi seu predecessor.
Aqui, também, as semelhanças com o presente são importantes. Na “segretariola” do papa Francisco aparece, efetivamente, e pelos mesmos motivos de então, aquele que havia sido o segundo secretário de seu predecessor Bento XVI, o maltês Alfred Xuereb.
No entanto, o homem que tem um contato mais direto com o Papa não é este, mas um sacerdote de Buenos Aires, Fabián Pedacchio Leaniz, que chegou a Roma, na Cúria, em 2007, como oficial da Congregação para os Bispos, por vontade conjunta daquele que então era seu arcebispo, Bergoglio, e do então prefeito da Congregação, Giovanni Battista Re, o cardeal “queridíssimo” a que o próprio Bergoglio agradeceu calorosamente, em seu primeiro encontro com o colégio cardinalício, após sua eleição como Papa.
Hoje, monsenhor Fabián, de 49 anos, está permanentemente na Residência Santa Marta, onde trabalha em tempo integral a serviço do papa Francisco. É especialista em direito canônico e foi secretário da associação dos canonistas argentinos. Ama a ópera, os romances de Gabriel García Marquez e os filmes de Pedro Almodóvar. No futebol, sua equipe de coração não é a mesma de Bergoglio, o San Lorenzo, mas o mais premiado River Plate.
Além de monsenhor Fabián, no círculo dos estreitos colaboradores do Papa há outro argentino de Buenos Aires, monsenhor Guillermo Javier Karcher, cerimoniário pontifício, mas, sobretudo, responsável do protocolo, o escritório da Secretaria de Estado pelo qual passam todos os documentos da Santa Sé.
Há, além disso, um italiano, monsenhor Assunto “Tino” Scotti, de 58 anos, bergamasco, chefe de escritório no setor de assuntos gerais da Secretaria de Estado e decano da Câmara Apostólica, o instituto que administra os bens da Santa Sé no intervalo entre um papa e outro, com o cardeal camerlengo. Monsenhor Scotti é quem seleciona e controla aos felizardos que vão, todas as manhãs, à missa do Papa, na capela da Residência Santa Marta. A cada um sua tarefa. Porém, como Pio X, o papa Francisco também não é uma pessoa que ame delegar para outros. Em Buenos Aires, trabalhava sozinho num pequeno escritório, muito ordenado. Na sala adjunta tinha uma secretaria, que nem sequer administrava suas reuniões e os encontros. Ele mesmo os colocava em sua agenda. Uma agenda que ele nunca perdia de vista e que quis levar consigo quando, já papa, embarcou no avião para o Rio de Janeiro, nessa bolsa de viagem carregada por ele próprio numa foto que girou o mundo.
Da “sagrada mesa” de Pio X, as cartas saíam todas assinadas por um de seus secretários e todas escritas em terceira pessoa: “O Santo Padre deseja...”, O Santo Padre quer...”, “O Santo Padre me indica que lhe comunique...”. Contudo, posteriormente se observou que nas minutas originais os escritos manuais eram todos eles apenas do Papa. Não havia decisão, por pequena ou grande que fosse, que não procedesse pessoalmente dele.
Parece que com Bergoglio acontece o mesmo, com as vantagens e riscos que toda autoridade monocrática corre. Em seus primeiros meses como Papa, a mais grave adversidade na qual caiu Francisco foi a nomeação do prelado do IOR, o “banco” vaticano, na pessoa de dom Battista Ricca. Uma nomeação fortemente desejada pelo Papa, completamente desconhecedor do passado escandaloso do personagem, do qual se fez desaparecer todo o rastro documental. Em casos deste tipo, quando ele observa que a Cúria o prejudica ao invés de ajudá-lo, o papa Francisco se sente ainda mais estimulado a atuar por sua conta.
Depois que a revista “L’Espresso” divulgou o escândalo com base nos testemunhos e nos documento incontrastáveis desaparecidos de Roma, mas conservados na nunciatura vaticana em Montevidéu, o Papa quis, pessoalmente, verificar a verdade. Pôs em ação sua “segretariola” para que o informassem e entregassem todas as provas do caso. Na entrevista, no avião, em sua volta do Rio de Janeiro, suas palavras mais duras foram dirigidas contra os “lobbies”, ressaltando duas vezes que “não havia nada” relativo ao escândalo, na investigação “prévia” sobre Ricca, que o haviam feito ver na Cúria.
Na mesma entrevista, Francisco reivindicou seu ser “jesuíta” no profundo. Pio X foi outra coisa, mas ambos os papas parecem ter em comum uma astúcia pragmática. Para preparar a reforma da Cúria, o papa Sarto apoiou secretamente a publicação de um livro de denúncia e proposta, aparecido de forma anônima e com um editor fictício, que teve um notável êxito de público. Na realidade, esse livro tinha sido escrito por um fidedigno monsenhor da Secretaria de Estado, Giovanni Pierantozzi. O livro havia sido impresso pela tipografia vaticana e o rascunho revisado pelo próprio Papa, em dezembro de 1903.
Cento e dez anos depois, também o papa Bergoglio deve enfrentar uma Cúria que precisa se refazer desde a sua base. E talvez algo semelhante ao que fez seu santo predecessor, também quis fazer quando, no passado dia 8 de julho, nomeou, entre os oito especialistas da recém-criada comissão para a reordenação dos escritórios econômico-administrativos da Santa Sé, com direito a acessar todos os documentos mais reservados, uma especialista em comunicações, a trintona Francesca Immacolata Chaouqui.
Uma pena que, no entanto, ninguém advertiu o Papa que esta desenvolta jovem ítalo-egípcia conta, sim, com a amizade de vários cardeais da Cúria, mas também tem ligação direta com Gianluigi Nuzzi, o receptor dos documentos roubados de Bento XVI por seu infiel mordomo, além de ser informante assídua do sítio dagospia.com, o portal de maledicências e venenos vaticanos mais lido na Itália.
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Francisco. O Papa que quer fazer tudo pessoalmente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU