22 Julho 2013
Uma torpe guerra de palavras irrompeu na última sexta-feira em Roma, no rastro de uma explosiva reportagem da revista L'Espresso, que alegava que um clérigo escolhido a dedo pelo Papa Francisco para reformar o banco vaticano esteve envolvido em assuntos gays bastante ousados, servindo como diplomata papal há mais de uma década.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 19-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por enquanto, o papa parece estar ao lado do seu homem. Uma alta autoridade vaticana disse na manhã da última sexta-feira, em off, que Francisco "ouviu a todos e tem confiança" no Mons. Battista Ricca, o clérigo citado na reportagem.
Oficialmente, o porta-voz vaticano, o padre jesuíta Federico Lombardi, na sexta-feira, definiu a história como "não confiável".
A história de Ricca estourou no mesmo dia em que Francisco anunciou uma nova comissão pontifícia para lidar as com estruturas econômicas e administrativas do Vaticano. O objetivo, de acordo com um documento legal com o qual Francisco criou o órgão, é esboçar reformas que promovam a "simplificação e racionalização" e uma "programação mais atenta das atividades econômicas", assim como "favorecer a transparência" e "uma prudência cada vez maior no âmbito financeiro".
A comissão de oito membros é composta quase inteiramente por leigos, liderados por Joseph F. X. Zahra, de Malta, um economista e empresário que também atuou como membro do conselho da Fundação Centesimus Annus Pro Pontifice, com sede no Vaticano, e do Comitê de Auditoria Internacional da Santa Sé e do Estado do Vaticano.
Enquanto se espera a poeira baixar com relação a quão precisas serão as alegações específicas contra Ricca, duas observações preliminares se apresentam.
Primeiro, isso confirma o quanto o Instituto para as Obras de Religião, conhecido popularmente como o Banco do Vaticano, tornou-se uma prova de fogo básica e um campo de batalha para a questão mais ampla da reforma do Vaticano II.
Nos últimos 14 meses:
• Um presidente do banco foi demitido por suposta incompetência e comportamento errático, enquanto insistia que estava tentando promover a transparência;
• Seu sucessor, nomeado por Bento XVI como um de seus últimos atos, enfrentou uma minitempestade no início por causa dos seus vínculos com uma empresa alemã que fabrica navios de guerra;
• Dois altos gestores do banco renunciaram ao enfrentar uma investigação italiana sobre uma suposta lavagem de dinheiro; e
• Uma nova comissão foi criada para investigar o banco aproximadamente no mesmo tempo que um ex-contador vaticano foi acusado, dentre outras coisas, de uso ilícito de suas contas bancárias.
• Agora, o prelado do banco se encontra no olho do furacão.
Isso já é quase o suficiente para fazer com que pensemos que o Banco do Vaticano devia vir com um rótulo de caveira e ossos cruzados, como em um maço de cigarros. "Aviso: Trabalhar neste lugar pode ser perigoso para a sua saúde".
Em segundo lugar, o caso Ricca também ilustra como o próprio Francisco ainda é visto positivamente por quase todos, porque a única coisa que todo mundo parece concordar é que Francisco não é culpado.
A reportagem dessa sexta-feira do veterano jornalista Sandro Magister afirma que Ricca, agora com 57 anos, teve um amante com o qual convivia quando atuava como diplomata papal no Uruguai no fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, que ele frequentava bares gays e uma vez foi espancado, e que outra vez ele levou um jovem para a embaixada papal e acabou preso em um elevador com ele durante a noite antes de ser libertado pelo corpo de bombeiros local.
Deve-se notar que não há nenhuma sugestão na reportagem de que Ricca foi culpado de conduta criminosa ou de abuso sexual e não há nenhuma sugestão de que ele já enfrentou acusações civis.
Mais tarde, Battista voltou para Roma e acabou como diretor da Casa Santa Marta, a residência no território vaticano onde Francisco vive agora, conquistando a confiança do papa e sendo nomeado para se tornar seu "prelado", ou delegado, no banco. (Tecnicamente, o prelado é apontado por um corpo de cardeais que supervisiona o banco, mas amplamente se acredita que eles agiram de acordo com os desejos de Francisco).
Magister insistiu que Francisco não sabia desse capítulo do passado de Battista antes de nomeá-lo no dia 15 de junho, sugerindo que o arquivo vaticano sobre Ricca havia sido higienizado por elementos de um suposto "lobby gay".
Depois que o Vaticano chamou a história de "não confiável", a revista L'Espresso reagiu com uma resposta contundente confirmando a reportagem "ponto por ponto", insistindo que ela se baseou em "fontes primárias", e chamando a negação do Vaticano de "improvável e imprevidente".
Sotto voce, duas narrativas concorrentes surgiram rapidamente no e em torno do Vaticano para explicar a situação.
Para Magister e para aqueles que aceitam a sua análise, um esforço de décadas para esconder o passado de Battista é uma prova positiva de que há uma rede obscura de pessoas com segredos a manter no Vaticano, incluindo alguns em cargos superiores, que protegem e abrigam os seus e que, assim, permitem que a corrupção se exaspere.
Isso é o que geralmente se entende pelo termo "lobby gay", embora a maioria dos italianos não o entendam dessa forma para se referir apenas aos segredos sobre sexo, mas também a outros esqueletos escondidos no armário, como impropriedades financeiras ou manobras políticas.
Para esse grupo, a influência oculta do "lobby gay" é precisamente a prova da necessidade da limpeza que Francisco começou a fazer, e a maioria expressa a confiança de que ele vai fazer a coisa certa.
Os defensores de Ricca insistem que há outro lado da história de Ricca não apresentado no artigo de Magister, mas conhecido por Francisco. Eles dizem que Ricca é um reformador genuíno, e a desobstrução de um capítulo obscuro do seu passado de mais de uma década atrás pode ser uma campanha de difamação por parte de elementos de uma velha guarda do Vaticano que não quer o seu poder e o seu privilégio desapareçam.
Mesmo que ele seja gay e, talvez, tenha tido conflitos em algum momento com o celibato, dizem eles, o que isso tem a ver com a sua capacidade de implementar a reforma em um banco?
Essas vozes, também, geralmente dizem que a situação confirma o quanto Francisco é necessário e insistem que ele vai fazer a coisa certa.
Tudo isso pode ilustrar que, por causa da sua popularidade pessoal e pelo fato de o seu papado ainda ser jovem e ser capaz de parecer todas as coisas para todas as pessoas, Francisco continua sendo praticamente intocável e irrepreensível.
O que a história de Ricca também mostra, no entanto, é que essas mesmas coisas não podem ser ditas sobre aqueles que estão ao seu redor.
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Mais problemas no banco vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU