08 Julho 2013
Ao final dos oito dias mais difíceis do seu pontificado, que começaram com a prisão do Mons. Scarano e que continuaram com a demissão do diretor do IOR e do seu vice, Francisco decidiu sair do impasse da pressão midiática e se reergueu jogando três curingas.
A reportagem é de Piero Schiavazzi, publicada no sítio HuffingtonPost.it, 05-07-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os dois primeiros têm o rosto vencedor de Wojtyla e de Roncalli, com a convocação do Consistório e com o início da contagem regressiva da sua canonização: no horizonte de 2013 e, presumivelmente, em dezembro, para selar o Ano da Fé.
O terceiro traz o nome de Bergoglio, mas mostra nas entrelinhas o perfil de Ratzinger, que se levanta em uma tardia mas crescente popularidade desde o dia da renúncia.
Fiel à etimologia da palavra, que do grego εν κύκλος significa "em círculo", a encíclica, em certo sentido, "fechou o ciclo".
De fato, podemos afirmar que o pontificado de Bento XVI se concluiu com a apresentação da Lumen Fidei, e não com a sua partida para Castel Gandolfo no dia 28 de fevereiro.
"Ele já tinha quase concluído um primeiro esboço desta carta encíclica sobre a fé. Sou-lhe profundamente agradecido e assumo o seu precioso trabalho...". Palavras que não soam apenas como "apostólica" cortesia. Francisco, homem que prefere as metáforas, manifestou em várias ocasiões um sincero fascínio pela audácia das analogias de Ratzinger.
A comparação entre a experiência da fé e o enamoramento entre homem e mulher, logo retomada pelos comentaristas, desenvolve uma intuição ousada da Deus Caritas Est.
O ato de fé "que nos permite doar o futuro inteiro à pessoa amada", se conjuga com o impulso do eros, que Bento XVI tinha elogiado na sua primeira encíclica, como "capaz de elevar-nos em êxtase em direção ao divino e conduzir-nos para além de nós mesmos". Nem mesmo a Bíblia, no impulso erótico e místico do Cântico dos Cânticos, tinha chegado a tanto.
A assinatura de Bergoglio no texto elaborado pelo antecessor sutura um corte que o helicóptero tinha deixado em aberto no céu de São Pedro e na consciência da Igreja.
A última produção literária do papa teólogo não podia ser a lista dos três cardeais sobre o escândalo do Vatileaks.
Seria injusto, além de ingrato, fazendo dele um personagem shakespeariano, escondido do mundo e incompleto para a história, prisioneiro antes e depois, como papa e como emérito, de inspiração de Dan Brown e dos seus seguidores. Não por acaso, Francisco quis que ele estivesse publicamente ao seu lado na inauguração da estátua de São Miguel Arcanjo, padroeiro, com São José, da Cidade do Vaticano.
Por um dia, o papado, portanto, voltou visivelmente ao "plural majestático", no exercício de um magistério conjunto e a quatro mãos.
A Lumen Fidei é, ao mesmo tempo, o testamento espiritual de Ratzinger e o programa pastoral de Bergoglio.
A encíclica se apresenta e é conceitualmente estruturada como um ensaio de teologia da história, de ampla gama filosófica e restrita atualidade política, em um momento em que "a luz da razão autônoma não consegue iluminar o futuro e, no fim, este permanece na sua escuridão e deixa o ser humano com medo do desconhecido".
"Por isso", continuam os dois papas, "urge recuperar o caráter de luz que é próprio da fé, porque, quando a sua chama se apaga, todas as outras luzes também acabam perdendo o seu vigor".
Os primeiros a sofrer com isso e a enfraquecer, concluem, são os direitos humanos e o princípio de igualdade: "A fraternidade universal entre os homens, privada do referimento a um Pai comum como seu fundamento último, não consegue subsistir".
Como se vê, os temas, a sistematização e a estrutura continua sendo, em última análise, aqueles mais caros a Ratzinger. Mas a ênfase, a marca, a "carne" do documento nos remetem, na pele, a Bergoglio.
Na representação de Bento XVI, o Deus pessoal dos cristãos se revela, essencialmente, nas duas dimensões da voz e do rosto, "do escutar e do ver". Em Francisco, ao invés, como um filme em 3D, a encíclica parece sair de si mesma, para nos fazer "tocar com o coração" a sua presença: "Ao ser humano que sofre, Deus não dá um raciocínio que explique tudo, mas oferece a sua resposta sob a forma de uma presença que o acompanha, de uma história de bem que se une a cada história de sofrimento para nela abrir uma brecha de luz".
Por isso, é lícito concluir que, apesar da assinatura e da promulgação, o texto, embora completo, permanece incompleto. Até a visita a Lampedusa nesta segunda-feira.
Não é por acaso, a esse respeito, que os dois anúncios, a viagem e o documento, foram divulgados simultaneamente.
Para Francisco, a Lumen Fidei, mesmo no formato incomum a quatro mãos, não parece ser uma encíclica difícil de escrever, mas sim de viver e testemunhar. Era preciso um "lugar".
Lançando no túmulo do mar a sua coroa de flores, o papa deverá dar sentido à convicção de que, "quando um ser humano se aproxima de Deus, ele não se dissolve na imensidão, como estrela engolida na aurora, mas se torna mais brilhante".
E, desembarcando no cais dos migrantes, em Punta Favarolo, ele deverá dar corpo ao início do primeiro capítulo, onde se lê que "a fé é, acima de tudo, um chamado a sair da própria terra e o início de um êxodo que se encaminha para um futuro inesperado".
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Na primeira encíclica, Bergoglio joga os seus três curingas: Wojtyla, Roncalli e Ratzinger - Instituto Humanitas Unisinos - IHU