O processo sinodal 2021-2023. Papa Francisco lança o mais importante projeto católico global desde o Vaticano II

Vaticano. Foto: Cathopic / edição: IHU

25 Mai 2021

 

“O conceito de sinodalidade como “o povo caminhando junto” é essencialmente o oposto da fúria “eclesioclástica” em que a Igreja Católica parece ser culpada por tudo e por qualquer coisa. Mas esse processo sinodal pode ir para o lado muito rapidamente e, em algumas igrejas locais, tornar-se um meio para uma facção exercer o poder reacionário. A história recente da Igreja está cheia de “eventos eclesiais” fracassados que reforçaram os mecanismos de exclusão”, escreve Massimo Faggioli, historiador italiano, professor da Villanova University, em artigo publicado por La Croix International, 25-04-2021. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.

 

Eis o artigo.

 

No nono ano de seu pontificado, o Papa Francisco lançou um ambicioso “processo sinodal” global de três anos.

O processo culminará em outubro de 2023 em Roma, com a XVI Assembleia Geral do Sínodo dos Bispos.

Na data, Francisco terá 87 anos. Nesta idade, todos os seus predecessores na Cátedra de Pedro já tinham morrido (com exceção de Leão XIII) ou renunciado (como Bento XVI e Celestino V).

E se o papa jesuíta não chegar a 2023, esse “processo sinodal” terá já começado. Essa é uma segurança política contra a possibilidade de esse pontificado ser arquivado quando e se outro papa do status quo retornar.

Mesmo se houver um conclave até a Assembleia Sinodal de 2023, o processo sinodal continuará sendo uma parte integral da agenda do próximo conclave em uma forma não totalmente diferente da eleição papal de junho de 1963.

O Papa falecido, João XXIII, recém tinha iniciado a primeira sessão do Concílio Vaticano II, no outono de 1962. Seu novo sucessor, Paulo VI, continuou o Concílio e trouxe o barco para o porto em dezembro de 1965.

Não foi coincidência que Francisco e o mais alto secretário-geral do Sínodo, cardeal Mario Grech, de Malta, anunciou o processo sinodal logo antes do Pentecostes, o evento em que o Espírito Santo se manifesta através de múltiplas línguas e revela a unidade na diversidade.

 

Um projeto ambicioso com vários riscos

 

Mas esse processo sinodal global não é apenas ambicioso, ele é também arriscado em razão das suas diferentes fases – local, nacional/continental e central – que destacarão as diferenças radicais nas condições eclesiais e existenciais das Igrejas locais.

Por exemplo, será curioso ver que a fase diocesana desse processo sinodal aparecerá em locais como Hong Kong, China ou Belarus.

Sinodalidade requer um mínio de liberdade religiosa (liberdade para reunir ou publicar documentos), a qual atualmente é mínima ou inexistente para católicos de muitos países.

Ademais, a pandemia de coronavírus tornou-se um problema maior para os países de baixa e média renda. Isso também terá um impacto sobre como algumas igrejas locais estão aptas a celebrar sínodos nos níveis diocesano e nacional.

Esse novo processo global sinodal também emerge com os caminhos sinodais que já iniciaram (Alemanha e Austrália) ou que estão em estágio de planejamento (Irlanda e Itália).

Atualmente na Igreja Católica há uma vastidão de diferentes ideias sobre sinodalidade mesmo entre seus defensores.

O objetivo é criar uma Igreja mais pastoral e menos clerical ou é impulsionar o desenvolvimento doutrinal sobre certas questões críticas (como o papel da mulher na Igreja, ensino sobre sexualidade, etc.)?

 

O que os bispos farão?

 

cardeal Grech, em uma importante entrevista ao canal oficial de comunicação do Vaticano, destacou que os bispos e as conferências episcopais nacionais exercerão um papel crucial nesse processo.

De outubro de 2021, os bispos apontarão pessoas ou equipes para supervisionar o processo (particularmente de consulta ao Povo de Deus) nos níveis diocesano e nacional.

Nós já temos uma boa ideia de quem são os bispos e como suas conferências nacionais operam. Mas nós não sabemos quem eles escolherão como leigos colaboradores e conselheiros, ou como eles planejam escolhê-los.

Esses apontamentos darão importantes pistas sobre o tipo de processo sinodal que os bispos têm em mente.

O cardeal Grech insinuou que esse novo esforço para implementar a sinodalidade atualmente denotaria a mudança da era de João Paulo II e Bento XVI, embora ele não mencione os dois pelos nomes.

“Talvez no passado houve muita insistência na communio hierarchica que floresceu a ideia que a unidade na Igreja poderia apenas ser alcançada pelo fortalecimento da autoridade dos pastores”, disse o cardeal de 64 anos.

“Em alguns aspectos, esse caminho foi, de algumas formas, necessário quando depois do Concílio várias formas de dissidência apareceram”, acrescentou.

Dissidência não se manifesta por si nas organizações e movimentos hoje, mas a maioria em indivíduos que deixam a Igreja – silenciosamente, embora amargamente.

 

Sendo parte da conversa eclesial

 

O processo sinodal é um convite.

O discernimento dos bispos será o ponto focal, mas esse processo também será um processo discursivo – um processo de linguagem, para parafrasear o que o historiador jesuíta John O'Malley escreveu sobre o Vaticano II como um “evento de linguagem”.

A Igreja não é um parlamento, e Francisco sempre advertiu contra a interpretação da sinodalidade como parlamentarismo.

Mas nesta conversa eclesial a persuasão terá um papel. E isso abre um grande problema em algumas igrejas, como nos Estados Unidos onde "o dinheiro fala", como diz o ditado.

Os bispos terão que defender o processo sinodal do papel nunca neutro da mídia neo-católica “independente” e militante, cibermilícias e – de forma disfarçada, mas não menos perigosa – doadores e grupos de pressão que agora controlam grande parte da conversa nos espaços eclesiais.

O catolicismo simplesmente não tem experiência em realizar eventos sinodais nos níveis nacional e global em um ecossistema de informações que é amplamente moldado pelas mídias digitais e sociais. Esses meios de comunicação estão fora do controle dos canais institucionais administrados pela Igreja hierárquica.

Este processo sinodal é também a restituição da conversação eclesial a todo o Povo de Deus. Até agora, agendas particulares e movimentos idiossincráticos monopolizaram a conversa.

Este novo processo é, em certo sentido, um ato de reequilibrar a política que deverá ter opções preferenciais na Igreja.

 

Mulheres e jovens

 

Sem um profundo “prise de la parole” às mulheres (para citar o jesuíta francês Michel de Certeau), esse esforço em direção à sinodalidade não terá sentido.

Este processo sinodal viverá ou morrerá pelo tipo de reconhecimento que dará à palavra das mulheres, que, por muito tempo, foram tratadas como hóspedes em sua própria casa. Isso é especialmente verdadeiro para a Igreja Católica no hemisfério ocidental, mas não só.

Este processo sinodal também terá que abrir espaço relevante, tanto em seus momentos litúrgicos quanto de conversação, para os jovens – e não apenas para os tipos "eclesiásticos" escolhidos a dedo.

Como o Pa

pa Francisco notou em sua carta aos jovens há quatro anos: “São Bento exortou os abades a consultar, inclusive os jovens, antes de qualquer decisão importante, porque 'o Senhor frequentemente revela aos mais jovens o que é melhor'” (Regra de São Bento, III, 3).

O Vaticano e os bispos do mundo todo terão que lidar com uma variedade de expectativas. Alguns esperam que este processo sinodal seja como uma boa reunião para conversas triviais na Igreja, enquanto outros o veem como a oportunidade de levantar questões históricas – algo como o Vaticano III.

Este processo sinodal provavelmente não será nenhum dos dois.

 

Um convite inédito, um acontecimento eclesial importante

 

Mas, ao mesmo tempo, os líderes da Igreja também não devem frustrar imediatamente as expectativas. Este processo sinodal terá que vencer o cinismo e a amargura que tristemente desfiguram algumas de nossas conversas eclesiais hoje.

O conceito de sinodalidade como “o povo caminhando junto” é essencialmente o oposto da fúria “eclesioclástica” em que a Igreja Católica parece ser culpada por tudo e por qualquer coisa.

Mas esse processo sinodal pode ir para o lado muito rapidamente e, em algumas igrejas locais, tornar-se um meio para uma facção exercer o poder reacionário.

A história recente da Igreja está cheia de “eventos eclesiais” fracassados que reforçaram os mecanismos de exclusão.

Procuraríamos em vão a palavra “sinodalidade” (quanto mais o conceito) nos ensinamentos dos predecessores de Francisco.

O que está para começar tem suas raízes no Concílio Vaticano II e pode se tornar o evento eclesial mais importante do catolicismo global desde o Vaticano II.

O maior risco desse processo sinodal é que ele possa reforçar o ressentimento de muitos católicos contra uma Igreja institucional que continuamente convida as pessoas, mas nunca realmente as deixa entrar.

No entanto, este é um convite sem precedentes vindo do Papa e deve ser recebido com esperança.

 

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