21 Mai 2021
Na unidade do Espírito Santo, o todo é mais do que a soma das partes. Mas a distintividade e a individualidade de cada elemento como criatura são preservadas. O Espírito é unificador e diversificador.
A reflexão é de Thomas O’Loughlin, padre da Diocese de Arundel e Brighton e professor de Teologia Histórica da Universidade de Nottingham, na Inglaterra.
O artigo foi publicado por La Croix International, 20-05-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando mencionamos a obra do Espírito na criação, pensamos que ele traz unidade, proximidade e reconciliação: o Espírito é unificador. Mas qualquer tipo de estresse traz consigo perigos gêmeos.
Primeiro, assumimos, então, que, de alguma forma, isso é tudo o que o Espírito faz, o Espírito está lá – quase funcionalmente – para produzir a unidade e os laços da paz (Ef 4,3).
Em segundo lugar, simplificamos, então, ainda mais essa ação de trazer a unidade como se fosse o tipo de unidade que nós produzimos: uniformidade, rigidez e debilidade.
Portanto, é útil lembrar que o Espírito é simultaneamente o doador da diversidade – e que, na economia divina, essa unidade e diversidade não estão em contradição. É essa riqueza que pode ser a riqueza de uma Igreja sinodal.
A noção da sinodalidade assusta muitos na Igreja – eles a veem apenas como confusão e caos. Eles nunca a veem de outra forma: diversidade é riqueza.
O Espírito une, cura, e qualquer unidade verdadeira é fruto da presença divina. Quando recordamos a nossa unidade em Cristo, a nossa unidade no batismo e no discipulado, não estamos recordando o nosso compromisso comum, nem a aceitação partilhada de um sistema de ideias, nem a adesão coletiva a uma estrutura; em vez disso, é a presença do Espírito que nos torna um único sacerdócio real, um povo escolhido e uma nação santa.
Grão Vasco, Pentecostes, da capela da portaria do mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, 1534-35 (Fonte: Wikimedia Commons)
É por meio da nossa participação no Espírito que nos tornamos quem somos.
E é pelo poder do Espírito que podemos conhecer e declarar as maravilhosas obras do Pai que nos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa (cf. 1Pe 2,9).
Essa unidade que é formada pelo Espírito é múltipla: ela nos une a Cristo, reverte a tendência humana à fragmentação, desafia-nos a rejeitar a afirmação de diferenças para reforçar o nosso senso de identidade, ajuda-nos a buscar um verdadeiro catolicismo que é o superação do seccionalismo, e confronta o nosso orgulho e ciúmes.
O dom da unidade é uma adição positiva ao nosso estado humano, não deve ser imaginado ao longo das linhas da unificação humana que pensa em termos de fusões, alianças, pactos e a destruição das diferenças para que tudo pareça igual, funcione junto e se comporte com o tipo de unidade que é essencial em um relógio, um computador ou um regimento.
Na unidade do Espírito Santo, o todo é mais do que a soma das partes, mas a distintividade e a individualidade de cada elemento como criatura é preservada. Quando pensamos na presença unificadora e reconciliadora do Espírito, temos dificuldade em encontrar paralelos na experiência humana.
Portanto, em vez de buscar “paralelos”, é mais útil pensar no Espírito como a fonte daquilo que imaginamos como o oposto da unificação: o ato de diversificação.
O Espírito está presente em toda a criação, e por toda a parte vemos a sua diversidade.
Quantos tipos de vida existem?
Quantas espécies de plantas e animais?
Quantos seres humanos existem: cada um apegado à sua individualidade, distintividade e identidade.
A diversidade está por toda a parte.
A diversidade é riqueza e a fonte de beleza.
A diversidade é o que faz a vida valer a pena.
O Espírito é doador da vida, e a vida está cheia de diferenças, atratividades e maravilhas. Esse é o Espírito diversificador em ação.
Paulo se regozijou com a diversidade do corpo humano como parte da criação, recordando a diversidade da Igreja no Espírito.
Antes de qualquer conversa sobre o Espírito na Igreja, é uma boa ideia ler 1Cor 12,4-30.
Uma Igreja que compartilha o mesmo Espírito é cheia de diversidade e não carece da multiplicidade de talentos, cada um deles expressado de forma distinta, que construirão a comunidade de amor.
Pelo contrário, quando esquecemos que o Espírito diversifica, tendemos a imaginar a comunidade da Igreja como uma estrutura, tornamo-nos cegos à riqueza da sua presença diversa e seus dons diversos nas pessoas ao nosso redor, e até começamos a nos perguntar se o Espírito está nos abandonando.
O Espírito traz a iluminação, e esta também obtém o caráter da sua riqueza a partir da diversidade. É a diversidade das intuições humanas que constrói o saber humano, é a centelha de entusiasmo, interesse e genialidade.
E, novamente, só a diversidade nos permite apreciar a maravilha do bom e do belo: e se houvesse apenas uma bela imagem ou poema?
Por que uma diversidade de línguas é melhor do que apenas uma?
Por que é melhor ter quatro em vez de um Evangelho?
Por que existe tanta diversidade de intuições na Igreja?
Aqueles que gostariam de reduzir a diversidade têm uma visão inferior da natureza humana, uma visão inferior do valor da vida humana e pouca ou nenhuma consciência do transcendente.
Todo tirano na história eventualmente procurou destruir as diferenças de opinião – sobre tudo, da política à arte – e então geralmente procurou erradicar os humanos que pareciam muito diferentes da sua imagem de perfeição. Em contraste, o Espírito produz diversidade sobre diversidade, e podemos nos maravilhar e nos regozijar com a criatividade do Espírito.
O Pentecostes por El Greco, Museu do Prado (Fonte: Wikimedia Commons)
A diversidade tem uma má história na prática cristã: “A diversidade não é riqueza, mas fragmentação, cisma, heresia...”
Olhamos para trás, para a história da Torre de Babel como um castigo para o orgulho. Nesse mito, a Terra tinha apenas “a mesma língua com as mesmas palavras” (Gn 11,1), e todos agiam como indivíduos (11,4.6). Então, as pessoas passaram a pensar que nada seria impossível para elas (11,6), de modo que Deus confundiu a língua delas para frustrá-las e os espalhou (11,7-8), e assim o lugar passou a ser chamado de Babel (11,9).
É um mito poderoso: o pecado divide e destrói a unidade – e facilmente convertemos a ideia e imaginamos que a diversidade é o resultado de uma unidade rompida!
Portanto, sempre que vemos variação e diferença, não vemos isso, talvez, como um aspecto distintivo de um mistério maior do que nós, em que todos esses aspectos podem nos chamar a ver os limites de qualquer um deles e buscar crescer em compreensão e apreciação?
No entanto, apenas reflita sobre a retórica que temos usado ao longo dos séculos para enfatizar a falta de diversidade como um sinal de unidade de fé: um ritual, uma linguagem, um método de fazer as coisas, uma teologia padronizada e assim por diante – é como se não conseguíssemos imaginar que Deus possa ser maior do que o nosso amor pela ordem e pela uniformidade impostas!
Em um contraste completo, em sua apresentação da vinda do Espírito, Lucas apresenta o seu mito para contrabalançar Babel.
Em seu grande dia de Pentecostes das muitas nações, o Espírito não remove a diversidade de línguas, mas permite que a comunidade reunida – ela mesma um grupo diversificado de homens e mulheres (At 1,14) – comece a “falar em outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que falassem” (At 2,4).
Aqueles que os ouviam não ouviam uma única nova língua – nem o latim, nem o esperanto – mas cada um ouvia em sua própria língua (um ponto que Lucas repete: At 2,6.8.11).
No mito de Lucas, o Espírito, mesmo em um milagre de união das nações, valoriza a diversidade.
No mito de Babel, as pessoas se propuseram a construir uma cidade em função da sua uniformidade – havia um só povo, e eles tinham as mesmas palavras – e isso provocou o castigo divino; no mito do Pentecostes, uma nova cidade está sendo construída pelo Espírito sobre as riquezas da diversidade.
Esse é o Espírito doando uma diversidade de línguas, culturas, povos e intuições. A partir dessa diversidade, as poderosas obras de Deus se tornam conhecidas e louvadas em cada língua.
Quando pensamos no Espírito e procuramos falar sobre o Espírito, precisamos nos perguntar qual mito é mais poderoso nas nossas mentes.
No fim da maioria das homilias – ou de textos como este – existe uma tendência humana natural a resumir, a colocar tudo em uma frase ou a tentar uma síntese.
Afinal, não é isso que um bom comunicador deveria fazer? Então, podemos falar do Espírito como um unificador na diversidade e um diversificador na unidade, ou de alguma fórmula aparentemente sintética que reúna os aspectos conflitantes da nossa reflexão.
Vemos a mesma tendência entre aqueles que temem a sinodalidade: eles a elogiam, mas depois imaginam que ela possa ser embalada de forma previsível.
No entanto, essas fórmulas sintéticas quase pressupõem que o mistério do divino pode ser compreendido ou perfeitamente embrulhado. Ao invés disso, devemos viver com as intuições “staccato” e não procurar reduzi-las àquilo que parece caber nas nossas mentes.
O Espírito é unificador. O Espírito é diversificador. O Espírito pode ser visto de várias outras maneiras. O Espírito, de fato, é infinito ou, como deveríamos constantemente lembrar a nós mesmos, Deus semper maior.
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Pentecostes e Igreja sinodal: o Espírito é diversificador. Artigo de Thomas O’Loughlin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU