26 Abril 2019
Os opositores do Papa Francisco, sejam eles de dentro ou de fora da Igreja, estão depositando suas esperanças em um futuro conclave.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada por The Tablet, 25-04-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Há pessoas que simplesmente não gostam deste pontificado”, disse o cardeal Walter Kasper à emissora estatal alemã ARD no início deste ano. “Elas querem que ele acabe o mais rápido possível, para então haver, por assim dizer, um novo conclave. Eles também querem que ele lhes seja favorável, de modo que haja um resultado que atenda às suas ideias.”
Mas, se seguirmos um novo livro sobre a eleição que escolheu este papa, os grupos anti-Francisco estão diante de uma luta íngreme.
Em “The Election of Pope Francis” [A Eleição do Papa Francisco], Gerard O’Connell oferece um relato sinótico do conclave de 2013, dando aos leitores uma posição privilegiada sobre o drama que se seguiu à renúncia de Bento XVI e o surgimento do primeiro papa latino-americano.
Com base em entrevistas com cardeais eleitores, o experiente correspondente vaticano da revista America explica como e por que os votos foram dados ao cardeal Jorge Bergoglio.
Embora tudo isso tenha ocorrido há seis anos, o livro oferece três intuições sobre a política das eleições papais que continuam válidas hoje.
A primeira é o inevitável fracasso de quem comanda uma campanha aberta pelo papado – ou que permite que uma campanha seja empreendida em seu nome.
Os cardeais veem o que há por trás deles, e resistem a eles, ainda mais se forem bem financiados e estiverem coordenados com a mídia. Essas campanhas são vistas como uma interferência no processo de discernimento que ocorre em um conclave, onde os eleitores são obrigados a estar abertos ao Espírito Santo que “sopra onde quer”.
O mesmo vale para os prelados que se posicionam debaixo dos holofotes nos anos antes de um conclave com livros, tuítes e entrevistas que oferecem um “papado paralelo”.
É improvável que eles recebam muitos votos de seus colegas cardeais quando se formarem a fila para votar em frente ao desconcertante afresco de Michelangelo, o Juízo Final.
A alergia a campanhas está ligada a um velho ditado que afirma: “Aquele que entra em um conclave como papa sai como cardeal”.
Embora esse ditado seja verdade, ele foi desafiado por pelo menos dois conclaves nas últimas décadas, inclusive em 1963, quando o cardeal Giovanni Montini foi eleito Paulo VI e, em 2005, com a escolha do cardeal Joseph Ratzinger como Bento XVI.
Ambos os candidatos eram os primeiros colocados e ambos foram escolhidos porque estavam muito acima dos restantes.
Para o conclave de 2013, no entanto, O’Connell demonstra que a candidatura de Bergoglio para o papado permaneceu ao alcance do radar, e ele só emergiu como candidato pouco antes da eleição. Ele também afirma categoricamente que não houve uma campanha orquestrada pelo “Time Bergoglio”.
O arcebispo de Buenos Aires, explica o livro, telefonou para o autor para explicar que planejava chegar em Roma no dia 3 ou 4 de março, menos de 10 dias antes do início do conclave. Embora mais tarde ele tenha antecipado a sua hora de chegada, dificilmente se tratava de gestos de alguém que esperava ser eleito.
Na época do último conclave, Bergoglio tinha 76 anos e havia ultrapassado a idade da aposentadoria episcopal; ele não tinha uma rede em Roma fazendo lobby pela sua candidatura, e o bloco progressista de cardeais conhecido como o grupo Sankt Gallen – que alguns dizem que pressionou pela sua eleição – havia realizado seus últimos encontros em 2006.
Sim, Bergoglio recebeu votos suficientes nas eleições de 2005 para impedir a eleição de Ratzinger, mas, em 2013, ele não era visto como um favorito.
O’Connell relata que havia pouco acordo entre os cardeais sobre quem deveria ser eleito até os últimos dias antes do conclave. Foi apenas gradualmente que eles começaram a reconhecer que o homem que se tornaria o Papa Francisco estava bem no meio deles.
O divisor de águas foi um discurso no sábado, 9 de março de 2013, quando o arcebispo de Buenos Aires eletrizou os cardeais com um discurso pedindo que a Igreja evangelizasse nas periferias e evitasse a doença da autorreferencialidade. A partir daquele momento, ele começou a ser levado a sério como candidato.
Enquanto isso, enquanto Bergoglio só entraria na disputa perto do fim, os três candidatos fortemente indicados em 2013 desapareceram gradualmente, apesar das várias redes de lobby por trás deles.
O principal concorrente, há seis anos, era o cardeal Angelo Scola, que recebeu 30 votos na primeira votação (Bergoglio recebeu 26).
Com o apoio do jornal La Repubblica e de influentes grupos católicos na Itália, os bispos do país estavam tão certos de o terem escolhido que enviaram um comunicado de imprensa agradecendo a Deus pela eleição do prelado de Milão, enquanto Bergoglio aparecia na sacada de São Pedro.
Mas O’Connell explica que, apesar dos seus muitos dons, a maioria dos cardeais eleitores sentiram que o erudito Scola teria dificuldade para se conectar com o povo.
Depois, estava o cardeal de São Paulo, Odilo Scherer. Como latino-americano com qualidades pastorais, ele foi levado seriamente em consideração. Mas ele também era o candidato da Cúria Romana e, na opinião de um cardeal italiano, “corria o risco de ser seu fantoche”. Ele, então não conseguiu impressionar quando o seu discurso durante as reuniões pré-conclave ultrapassou o tempo especificado.
Outro candidato era o cardeal Marc Ouellet, de Roma, um teólogo multilíngue do Quebec, Canadá, prefeito da Congregação para os Bispos. Um grupo conservador de cardeais achava que ele era o escolhido, dada a sua associação com a escola de teologia Communio, que era vista como um contrapeso à teologia mais progressista da era pós-Vaticano II.
Ouellet era conhecido como um homem gentil, mas O’Connell explica que os eleitores temiam que ele “não ouvisse o que as pessoas dizem”, mantivesse posições teológicas intransigentes e tivesse “habilidades administrativas” fracas.
Então, na véspera do conclave, Ouellet deu uma entrevista à principal emissora do Canadá, na qual ele falou sobre a possibilidade de se tornar papa. Os eleitores sentiram que a declaração foi dada em um mau momento e mostrava uma falta de juízo.
O’Connell ressalta que o último cardeal a dar uma entrevista na véspera do conclave foi o cardeal Giuseppe Siri, o favorito para suceder João Paulo I em 1978. Ele acabou como segundo colocado.
O segundo ponto do livro é como os conclaves são projetados para resistir às pressões externas, graças às decisões de João Paulo II e Bento XVI.
Grande parte disso se deve à longa história de tentativas de manipular conclaves, como em 1903, quando o imperador austríaco Franz Joseph usou um veto na eleição que escolheu o Papa Pio X. Hoje, os cardeais entregam seus telefones antes de entrar na Capela Sistina e são separados do mundo enquanto votam.
O’Connell lembra aos leitores que, antes do conclave de 2013, Mario Cuomo, ex-governador de Nova York, concedeu uma entrevista ao jornal italiano Corriere della Sera exaltando as virtudes do cardeal de Nova York, Timothy Dolan, para o papado. Ele o descreveu como “o homem certo para este momento extraordinário da história” que poderia “provocar uma primavera no Vaticano”.
Essa intervenção foi mal recebida, e os eleitores “não gostaram nem um pouco” disso, explica o livro.
Imagine, então, o que os cardeais de hoje devem pensar sobre as críticas de Steve Bannon ao Papa Francisco e sobre o seu plano de comissionar “gladiadores” ideológicos em um antigo mosteiro a 100 quilômetros de Roma. O lobby por parte do ex-estrategista-chefe do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, faz a intervenção do governador Cuomo parecer inofensiva e sofrerá uma forte resistência.
O mesmo pode ser dito sobre o Red Hat Report, um grupo que está planejando gastar mais de um milhão de dólares para compilar dossiês sobre os cardeais para tentar influenciar o próximo conclave.
Ao fazer suas escolhas sobre os candidatos papais, O’Connell explica que os cardeais ignoram os grupos de lobby e buscam líderes confiáveis que tenham experiência na liderança de grandes dioceses.
“Eu acho que é a Igreja local com uma forte fé católica que pode produzir o próximo papa”, disse o cardeal indiano Telesphore Toppo antes da eleição de Francisco. “O papa deve de alguma forma representar toda a Igreja e deve ter suas raízes em uma Igreja local verdadeiramente unida.”
Durante seu papado, Francisco completou o Colégio dos Cardeais com bispos de variados cantos do mundo, muitos dos quais atuam nas linhas de frente do trabalho da Igreja. O campo está aberto agora no que se refere a possíveis candidatos.
A terceira lição do livro de O’Connell é a regra da continuidade entre os papados.
Uma recente tentativa de colocar Bento XVI contra Francisco sobre os abusos sexuais clericais é amplamente vista em Roma como uma manobra pré-conclave, destinada a pavimentar o caminho para um candidato preparado para romper com este pontificado.
No entanto, tanto Bento quanto Francisco rejeitam as tentativas de criar atrito entre eles, assim como a maioria dos cardeais eleitores. Não existe algo como um pontificado “autoproclamado”: cada papa se baseia no ministério do seu antecessor.
A regra da continuidade é que é improvável que o próximo papa atrase dramaticamente o relógio em relação ao papado de Francisco, que se enraizou nas reformas do Concílio Vaticano II e na tradição viva da Igreja.
Isso não quer dizer que o próximo papa não traga nada de novo para o papel: Francisco e Bento XVI são personalidades muito diferentes, com estilo e abordagem próprios. Mas o livro de O’Connell mostra que os seus destinos estão tão interligados que, sem a histórica renúncia de Bento XVI em 2013, Bergoglio nunca teria sido eleito.
Pode-se dizer também que Francisco assegurou que Ratzinger fosse eleito. Sem a decisão do jesuíta latino-americano de renunciar à sua pretensão ao papado em 200 5, o cardeal alemão nunca teria ascendido à cátedra de São Pedro.
Um diário secreto de um cardeal que participou da eleição de 2005 revelou como Bergoglio recebeu 35 votos naquele conclave, o suficiente para impedir a eleição de Ratzinger.
O’Connell escreve que vários eleitores lhe disseram que o cardeal argentino, sentindo que seria um conclave prolongado e que prejudicaria a unidade da Igreja, retirou sua candidatura. Oito anos depois, seria a dramática decisão de Bento XVI de renunciar que abriria espaço para que um forasteiro como Bergoglio fosse eleito.
“A eleição do Papa Francisco” vale a pena ser lido apenas pelas anedotas e pelas intuições obtidas pelo autor a partir de sua proximidade com as principais figuras do conclave de 2013.
O’Connell relata as conversas pessoais que teve com Bergoglio no período que antecedeu sua eleição e dá uma ideia de por que o arcebispo jesuíta de Buenos Aires impressionou os cardeais com seu estilo de vida humilde e austero e sua proximidade com os marginalizados,
Ele explica como, na Argentina, Bergoglio transformou o imponente escritório do seu antecessor em uma despensa para que alimentos e roupas fossem distribuídos aos pobres, enquanto ele morava em um simples apartamento de um quarto.
O’Connell também falou com a religiosa que dirige a Domus Paulus VI, a residência do clero em Roma, onde Bergoglio ficou durante o pré-conclave e mais tarde retornou como papa para pagar a conta. Uma de suas faxineiras disse: “Ele [Francisco] era o único padre que arrumava a própria cama”.
No domingo antes do conclave, quando os cardeais tradicionalmente celebram a missa em suas Igrejas titulares em Roma, em meio a uma grande fanfarra da mídia, o homem que estava prestes a ser eleito como Papa Francisco, decidiu evitar os holofotes e rezou a missa em privado para um pequeno grupo de amigos na capela da Domus.
Depois, ele almoçou com a irmã de 90 anos de um ex-embaixador papal na Argentina, Ubaldo Calabresi, que o nomeou bispo e apoiou seu ministério.
Dois dias depois, ele entrou na Capela Sistina para o conclave, e, na quarta-feira 13 de março de 2013, após seis rodadas de votação, recebeu 85 votos dos 115 eleitores. Então, ele saiu para saudar o mundo como o 266º sucessor de São Pedro.
O próximo conclave parece ter tudo para ser uma poderosa batalha, mas o palco está preparado para outra surpresa.
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Por que os opositores do papa podem se arrepender de um novo conclave - Instituto Humanitas Unisinos - IHU