26 Fevereiro 2013
Por muito tempo, a grande esperança do Brasil de alguém que fosse papa era um veterano da todo-poderosa Congregação para os Bispos, dando-lhe uma reputação como um infiltrado que sabe como fazer o Vaticano funcionar, mas também com uma vasta experiência na direção de uma complexa arquidiocese do maior país católico do mundo. Visto como muito próximo ao pontífice ao qual serviu, esse brasileiro nunca foi manchado na mente de alguns cardeais por associação ao movimento progressista da teologia da libertação do seu país, mas também não fez parte da reação mais feroz contra ele.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 23-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Poderíamos muito bem estar falando do cardeal Odilo Pedro Scherer, de São Paulo, mas, de fato, a referência no primeiro parágrafo era ao cardeal Lucas Moreira Neves, um antigo íntimo de João Paulo II e ex-prefeito da Congregação para os Bispos, que morreu em 2002 por complicações relacionadas à diabetes.
Durante a maior parte da década antes da sua morte, Moreira Neves foi visto como tanto papabile, o principal candidato a ser o primeiro papa da América Latina. Aparentemente ele tinha todo o necessário: tempero romano, vigor pastoral de dentro das trincheiras e uma reputação de ortodoxia doutrinal, assim como uma capacidade de reconciliação. Em grande parte dos anos 1990, o brasileiro estava no topo de praticamente todas as listas de "próximos papas".
Hoje, muitos observadores acreditam que o manto de papável líder da América Latina foi herdado por Scherer, 63 anos, cujo perfil é uma espécie de lembrança de coisas passadas com relação ao seu renomado precursor brasileiro.
Nascido no estado brasileiro do Rio Grande do Sul, em 1949, Scherer vem de uma família de imigrantes alemães do Sarre. Como seminarista, estudou na Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, depois realizou uma série de atribuições de ensino e pastorais nos seminários brasileiros, antes de ser enviado para a Congregação para os Bispos, do Vaticano, de 1994 a 2001.
A próxima parada de Scherer foi como bispo auxiliar em São Paulo, normalmente vista como uma das arquidioceses mais desafiadoras do mundo. Embora prelados mais liberais do Brasil inicialmente o viam com suspeita por causa da sua aparência de formação romana e basicamente conservadora, Scherer rapidamente construiu uma reputação de pragmatismo e de consenso negociado, tornando-se secretário-geral da CNBB em 2003.
Scherer tomou posse como arcebispo de São Paulo em março de 2007 e tornou-se cardeal apenas oito meses depois.
Em termos gerais, ele passou a ser visto como uma figura mais tradicional do que seus dois antecessores em São Paulo – o cardeal Paulo Evaristo Arns, que foi um defensor do movimento da teologia da libertação, e o cardeal Cláudio Hummes, um franciscano visto como moderado. Scherer certamente é mais robustamente pró-vida. Quando o Supremo Tribunal do Brasil votou em 2012 para legalizar o aborto de fetos com cérebros malformados, ele virou manchete ao perguntar quem o tribunal definiria em seguida como sendo indigno de viver.
No entanto, em grande parte, Scherer não é um linha-dura. Com relação à teologia da libertação, por exemplo, ele aplaudiu a missão social do movimento, embora criticando suas tendências marxistas. Scherer também abraçou as fortes preocupações ambientais dos bispos brasileiros, especialmente com relação à Amazônia. Em 2004, ele pediu que o governo brasileiro controlasse rigorosamente a expansão de fazendas na Amazônia, "para que as medidas não sejam mais feitas depois que o problema já está lá, depois que a floresta foi derrubada e queimada".
Scherer também ofereceu provas de ser capaz de fazer valer as suas decisões, talvez sugerindo aos seus coirmãos cardeais que ele é duro o bastante para liderar.
Em 2012, por exemplo, os estudantes, professores e funcionários da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo votaram pela reeleição do reitor da universidade. Scherer, no entanto, atuando como grão-chanceler da universidade, ao contrário, nomeou uma candidata que havia chegado em terceiro lugar. Os alunos primeiro entraram com uma ação em protesto, depois entraram em greve e até tentaram impedir que a nova reitora entrasse no seu escritório, cercando a ela e aos guarda-costas que ela foi obrigada a contratar, e forçando-os a fugir em um táxi.
Scherer, no entanto, recusou-se a recuar, e hoje a sua escolhida, Anna Cintra, é de fato a reitora da universidade. (É interessante notar que Scherer gastou esse capital político a fim de nomear uma mulher ao cargo máximo da universidade.)
Scherer claramente tem a estima de Bento XVI. Quando o papa criou o "Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização", um projeto que é a menina dos seus olhos, ele nomeou uma lista principal de prelados pesos-pesados do mundo todo como seus primeiros membros, e Scherer era um dos dois únicos latino-americanos dessa mistura.
Aqui está o argumento em prol de Scherer como candidato papal.
Primeiro, no nível simbólico, ele seria o primeiro papa do mundo em desenvolvimento. Suas raízes alemãs, no entanto, dão-lhe um vínculo cultural e linguístico com o Velho Mundo. Assim, em certo sentido, ele poderia chamar a atenção de muitos cardeais como uma ponte "segura" entre o passado da Igreja e o seu futuro.
Segundo, o Brasil pode ser o maior país católico do mundo, mas nem tudo está bem para a Igreja lá. Não só a multiplicação dos movimentos pentecostais e evangélicos desviou uma parte significativa da população católica, mas, em 2007, no momento da viagem de Bento XVI ao Brasil, o IBGE estimou que o percentual de brasileiros sem filiação religiosa havia saltado de 0,7% para 7,3% nas últimas duas décadas.
Nesse contexto, a escolha de um papa brasileiro poderia ser uma enorme injeção para a Igreja em um país destinado a ser uma das superpotências emergentes do mundo no século XXI.
Terceiro, a experiência de Scherer naquele que é amplamente visto como um dos dicastérios mais importantes do Vaticano, a Congregação para os Bispos, juntamente com a sua reputação administrativa, podem sugerir a alguns cardeais que ele pode realizar uma tão desejada reforma da burocracia do Vaticano.
Ele deu sugestões ao longo dos anos de que ele entende a necessidade de modernizar as operações do Vaticano. Em 2009, por exemplo, no auge do furor global acerca do levantamento da excomunhão de um bispo negacionista do Holocausto, Scherer admitiu sem rodeios que o Vaticano não havia feito um trabalho muito bom para explicar a sua lógica ao mundo.
"Quando usamos o nosso próprio jargão, às vezes tudo parece claro para nós, mas não para qualquer outra pessoa", disse Scherer. "Os porta-vozes da Igreja têm que lembrar que a cultura geral já não tem uma formação religiosa, de modo que as nossas palavras ou ações podem ser mal entendidos ou mal interpretados".
Quarto, o italiano de Scherer é muito bom, e ele obviamente sabe a configuração do terreno do bel paese, o que sugere que ele se sentiria confortável atuando como bispo de Roma.
Quinto, Scherer é minucioso no que se refere à ortodoxia doutrinal, tornando-o uma opção segura para os conservadores do Colégio dos Cardeais, mas ele também é visto como um pragmático que necessariamente não impõe seus pontos de vista sobre a Igreja inteira.
Existem, contudo, alguns pontos de interrogação significativos.
Primeiro, apesar do currículo vaticano de Scherer, muitos cardeais dizem que não sabem muito sobre o brasileiro. A natureza do trabalho na Congregação para os Bispos deve ficar fora dos holofotes, o que significa que ele não deixou uma impressão profunda durante o seu tempo em Roma, e, desde que voltou ao Brasil, Scherer não tem mantido um perfil internacional particularmente elevado. Alguns cardeais dizem que ele parece ótimo no papel, mas que gostariam de ter uma melhor noção dele nos próximos dias.
Segundo, se os cardeais querem um "missionário-geral", alguém que possa ser um vendedor convincente da mensagem católica, alguns brasileiros vão lhe dizer que Scherer não é necessariamente a pessoa certa. Pessoalmente, ele é gentil e acessível, mas em locais públicos ele às vezes pode aparentar ser um pouco convencional e cauteloso, e poucas pessoas realmente o descreveriam como "dinâmico" ou "carismático". Isso é verdade não apenas sobre o seu estilo pessoal, mas também sobre o tipo de catolicismo que ele está disposto a abraçar.
Por exemplo, Scherer manifestou reservas sobre o padre Marcelo Rossi, o padre mais famoso do Brasil, cujas exuberantes liturgias atraem dezenas de milhares de brasileiros ávidos a uma ex-fábrica de vidro no extremo sul de São Paulo. (Rossi uma vez realmente celebrou a missa dois milhões de pessoas em uma pista de corrida de Fórmula Um). Sobre Rossi, Scherer disse impacientemente que "um padre não é um showman", mas muitos brasileiros insistem que Rossi realmente é a "Nova Evangelização" em ação.
Terceiro, dada a sua ascendência, alguns cardeais pode, olhar para Scherer e ver não necessariamente o primeiro papa brasileiro, mas, potencialmente, o segundo pontífice alemão em sequência e se perguntam se esse é o perfil certo.
Quarto, os dois últimos brasileiros que foram para Roma, Hummes e o cardeal João Braz de Aviz (que atualmente chefia a Congregação dos Religiosos), têm sido vistos por infiltrados como pessoas legais, mas um pouco inconsequentes. Por isso, pode haver alguma ambivalência embutida com relação a um candidato brasileiro.
Quinto, alguns observadores questionam o quão eficaz Scherer foi em estancar a maré do pentecostalismo, do secularismo e da indiferença religiosa que têm devorado a base católica do Brasil. Não é razoável, obviamente, esperar que alguém reverta décadas de trajetórias culturais por si mesmo, mas alguns cardeais podem, no entanto, pensar: "Queremos que toda a Igreja vá pelo caminho do Brasil?".
Uma década atrás, Moreira Neves morreu antes que suas chances de se tornar papa fossem testadas em um conclave. Hoje, apesar dessas reservas, Scherer pode muito bem ser o homem a fazer com que essas chances do Brasil deem mais um passo à frente – embora ninguém saiba se ele realmente será eleito, ele certamente será observado com seriedade.
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Odilo Pedro Scherer, o papável líder da América Latina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU