14 Março 2017
Sandro Magister, veterano vaticanista do semanário L’Espresso e autor do blog Settimo Cielo, que é publicado em vários idiomas, é um dos críticos mais tenazes do pontificado de Francisco. Em 2002, foi o primeiro jornalista italiano que identificou a Jorge Bergoglio como papável.
Em uma entrevista ao jornal La Nación, Magister, de 73 anos, explicou por que não gosta da “revolução” colocada em marcha pelo ex-arcebispo de Buenos Aires que, segundo ele, deixou os católicos desorientados. E destacou a existência de “um forte mal-estar diante das linhas deste pontificado”.
A entrevista é de Elisabetta Piqué, publicada por La Nación, 12-03-2017. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Qual é o seu balanço destes quatro anos de pontificado?
Francisco colocou em marcha uma verdadeira revolução, que não tem a ver com a reforma da cúria, que avança de modo desordenado e para a qual acredito que o Papa tem pouco interesse. A revolução tem a ver substancialmente com a forma de guiar a Igreja, em particular, a forma do magistério, porque ele introduziu uma forma de linguagem que marca uma ruptura que não é só de estrutura linguística, mas que toca a substância. Ou seja, à clareza, seguiu-se a polivalência da mensagem; portanto, sua ambiguidade. E isto criou efeitos muito fortes: uma multiplicação de opiniões na Igreja que tem a ver com aspectos substanciais da fé, como o pecado, o perdão, a eucaristia, o matrimônio. E a esta pluralidade de opiniões segue uma pluralidade de comportamentos, e para mim é essa a novidade destes quatro anos.
Para o senhor, esta ambiguidade ocorre na Amoris Laetitia, com o tema dos divorciados em segunda união?
Certamente. Esse é um momento muito evidente desta abertura a uma Igreja poliédrica, como ele gosta de chamá-la, mas que também é poliédrica em temas substanciais, relativos aos fundamentos da fé cristã.
Então, é esta Igreja poliédrica o aspecto que menos aprecia deste pontificado?
Sim, que é o aspecto novo deste pontificado, que deixa muitas pessoas desconcertadas, em minha opinião, sobretudo dentro da Igreja. E é esta imagem da Igreja como uma grei de ovelhas à deriva, sem um pastor.
O senhor fala de muitas pessoas desconcertadas. Onde está a resistência ao Papa e qual é sua consistência?
A resistência se identifica com este mal-estar. Há uma grande parte da Igreja, nos níveis mais altos e nos dos simples fiéis, que se sente desorientada, sem uma direção segura que sempre havia sido identificada com o Papa. Portanto, mais que diante de uma resistência, estamos na presença de uma forte incompreensão, um mal-estar diante das linhas deste pontificado. Naturalmente, há momentos em que este mal-estar vem à luz, é expressado e as dubia (dúvidas) dos quatro cardeais são um exemplo evidente disto. Contudo, é um mal-estar que não é provocado pelas dúvidas dos cardeais, mas exatamente o contrário: são estas dúvidas que nascem deste mal-estar que foi posto em marcha pelo Papa.
Apesar de tudo, Francisco é muito amado pelas pessoas...
Certamente, é mais amado e compreendido fora da Igreja que dentro. Sua pregação e seu tipo de governo são facilmente recebidos e são facilmente modeláveis de acordo com a medida que cada um quer.
Os detratores não deveriam estar contentes em ter um papa respeitado, como o senhor disse, também por não crentes e não católicos?
Diria que sim. O fato de a imagem da Igreja ser, hoje, bastante positiva na opinião pública é algo que não é questionado, mas recebido com certo beneplácito, porque uma situação deste tipo permite falar e colocar em foco os problemas reais. Ao passo que, nos anos passados, a imagem negativa bloqueava o diálogo dentro da própria Igreja, ocupada em operações de defesa que tampouco funcionavam. Agora, ao contrário, esta dificuldade já não existe. E isto permite que o debate portas adentro seja sobre temas essenciais.
Então, é positivo que haja debate e que se fale de temas que antes eram tabu.
Sim, claro. E mais, é algo que o Papa disse que desejava, um debate aberto, franco, etc. Mas, ao mesmo tempo, lamento que não tenha desejado responder perguntas precisas que quatro cardeais lhe fizeram.
Não considera que essas perguntas já estão respondidas?
Não. E é um limite que considero contraditório com a sua proposta de diálogo aberto.
Isto tem a ver com o fato do Papa ter dito, em várias oportunidades, que nada é branco ou preto, ao contrário, há matizes, mas alguns preferem uma Igreja onde tudo é branco ou preto.
Claro, é o papa dos matizes, é uma boa definição. É um papa que não gosta de um sim ou um não que sejam nítidos. E é justamente este insistir nos matizes que muda o modelo da Igreja, porque multiplica as opiniões sobre questões também substanciais de doutrina e multiplica os comportamentos que derivam destas opiniões.
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“Grande parte da Igreja se sente desorientada”. Entrevista com o vaticanista Sandro Magister - Instituto Humanitas Unisinos - IHU