14 Setembro 2021
"Reduzir a zero as emissões de gases de efeitos (GEE) estufa até 2050 não é mais o suficiente para inverter as mudanças climáticas", escreve José Eustáquio Diniz Alves, demógrafo e pesquisador em meio ambiente, em artigo publicado por EcoDebate, 13-09-2021.
“É melhor ser infeliz, mas estar inteirado disso, do que ser feliz e viver como um idiota”.
Fiódor Dostoiévski (1821-1881)
O mundo tem seguido um caminho de progresso que é insustentável em termos ecológicos. A ideia do desenvolvimento sustentável virou um oximoro e o tripé da sustentabilidade (econômica, social e ambiental) virou um trilema (Martine e Alves, 2015).
O Conselho Consultivo de Crise Climática (Climate Crisis Advisory Group – CCAG), em seu terceiro relatório climático, divulgado no dia 25 de agosto, alerta para a urgência da emergência climática e diz que reduzir a zero as emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2050 não é mais o suficiente para inverter as mudanças climáticas. O relatório “The Final Warning Bell” diz que o planeta não atingirá a meta estabelecida pelo Acordo de Paris em limitar o aquecimento global em até 1,5 °C até o fim deste século, sendo que este limite poderá ser ultrapassado já em 2030 e o limite de 2º C pode ser ultrapassado antes de 2050 (CCAG, 25/08/2021).
O CCAG reúne 15 especialistas do clima de 10 países diferentes. Neste novo documento, eles se basearam no 6º Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), publicado no início de agosto, onde cientistas alertam que as atuais metas de emissões globais são insuficientes e que as estratégias devem seguir um padrão negativo, ou seja, é necessário reduzir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera numa velocidade muito maior.
O gráfico abaixo mostra que as emissões de GGE só aumentaram entre 1960 e 2020, mas precisam diminuir urgentemente até 2050 e passarem a ser negativas (retirar GEE da atmosfera) na segunda metade do século XXI.
Foto: Reprodução | EcoDebate
Uma das dificuldades para a redução das emissões de GEE é o crescimento populacional, pois a população mundial deve chegar a 8 bilhões de habitantes em 2023 e deve ultrapassar 9 bilhões até a década de 2040. Evidentemente, a produção e o consumo de bens e serviços vão crescer em uma proporção ainda maior. Zerar emissões de gases de efeito estufa até 2050 é ‘tarde demais’ para evitar desastre global.
De acordo com projeções do IHME da Universidade de Washington (Vollset, 14/07/2020), a população mundial deve alcançar o pico de 9,73 bilhões de habitantes em 2064 e iniciar uma fase de decrescimento nos anos e décadas seguintes. Mas até lá a Pegada Ecológica deve continuar crescendo e as emissões de gases de efeito estufa podem ter um efeito de colocar o aquecimento global em uma rota de não retorno.
Por conseguinte, nunca tivemos tantas evidências científicas para demonstrar que estamos no meio de uma crise climática global. O referido relatório (CCAG, 25/08/2021) é inequívoco ao dizer que as emissões antropogênicas de gases de efeito estufa já colocaram em movimento mudanças irreversíveis durante séculos por vir. Por exemplo, mesmo se pudermos limitar o aumento da temperatura para 1,5º C isto comprometerá as gerações futuras com um aumento do nível do mar global imparável de até 0,55 metro até o final do século. O degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares poderá fazer o nível do mar subir muito além de um metro no longo prazo. As ondas letais de calor vão gerar mais mortes do que a emergência sanitária da covid-19. Ou seja, se não conseguirmos limitar o aquecimento global, os resultados serão catastróficos e muitas partes do mundo se tornariam inabitáveis.
Entre os dias 31 de outubro e 12 de novembro, acontecerá a próxima Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP26) da ONU e, nesta oportunidade, o CCAG pede aos líderes mundiais que mudem a ênfase de suas metas de redução de gases de efeito estufa para as metas negativas e não apenas reduzidas. Além disso, os pesquisadores do relatório ressaltam que esta é a única maneira viável de reduzir os atuais níveis de gás carbônico para os níveis pré-industriais. Se nada for feito o mundo pode caminhar para um colapso ambiental sistêmico.
Outro alerta importante ocorreu em no dia 04 de setembro de 2021 (Lukoye Atwoli et. al.). Mais de 200 revistas acadêmicas divulgam Editorial assinado por 19 cientistas dizendo: “fracasso na luta contra o aquecimento é a maior ameaça à saúde global”, pois a destruição da natureza aumenta mortalidade entre idosos, chance de problemas de saúde, insegurança alimentar e risco de novas pandemias. Os dois primeiros parágrafos do editorial diz:
“A Assembleia Geral da ONU em setembro de 2021 reunirá os países em um momento crítico para organizar uma ação coletiva para enfrentar a crise ambiental global. Eles se reunirão novamente na cúpula da biodiversidade em Kunming, China, e na Conferência das Partes sobre Mudança Climática da ONU (COP26) em Glasgow, Reino Unido. Antes dessas reuniões cruciais, nós – os editores de revistas de saúde em todo o mundo – pedimos uma ação urgente para manter os aumentos médios da temperatura global abaixo de 1,5°C, deter a destruição da natureza e proteger a saúde.
A saúde já está sendo prejudicada pelo aumento da temperatura global e pela destruição do mundo natural, uma situação à qual os profissionais de saúde vêm chamando a atenção há décadas. A ciência é inequívoca; um aumento global de 1,5 °C acima da média pré-industrial e a perda contínua de biodiversidade trazem risco de danos catastróficos à saúde que serão impossíveis de reverter. Apesar da preocupação necessária do mundo com a Covid-19, não podemos esperar a pandemia passar para reduzir rapidamente as emissões”
Climate Crisis Advisory Group (CCAG), The Final Warning Bell, 25/08/2021. Disponível aqui.
IPCC. Climate Change 2021, The Physical Science Basis, 09/08/2021. Disponível aqui.
Lukoye Atwoli et. al. Call for emergency action to limit global temperature increases, restore biodiversity, and protect health, The Lancet, 04/09/2021. Disponível aqui.
VOLLSET et. al. Fertility, mortality, migration, and population scenarios for 195 countries and territories from 2017 to 2100: a forecasting analysis for the Global Burden of Disease Study, The Lancet, 14/07/2020. Disponível aqui.
William J Ripple et. al. World Scientists’ Warning of a Climate Emergency 2021, Bioscience, 28/07/2021. Disponível aqui.
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (português e inglês). Disponível aqui.
ALVES, JED. Cientistas alertam para as consequências da superexploração da Terra, Ecodebate, 18/08/2021. Disponível aqui.
ALVES, JED. A dinâmica demográfica global em uma “Terra inabitável”, Revista Latinoamericana de Población, Vol. 14 Núm. 26, dezembro de 2019. Disponível aqui.
ALVES, JED. Aula 11 AM088: Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta, IFGW, 11/04/21. Disponível aqui.
ALVES, JED. O relatório do IPCC e a gravidade da crise climática, Ecodebate, 11/08/2021. Disponível aqui.
ALVES, JED. Aula 11 AM088: Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta, IFGW, 11/04/21. Disponível aqui.
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O alerta final sobre a crise climática. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU