14 Novembro 2024
"O Sínodo revelou a vontade amplamente compartilhada de manter a unidade em torno de uma voz tão única como a dos pontífices. O objetivo é construir uma arquitetura institucional reformada que permita alguma flexibilidade dependendo dos contextos socioculturais, baseada num alargamento significativo da participação dos fiéis - e das mulheres em particular - na vida e nos processos de tomada de decisão na Igreja", escreve Marco Politi, escritor e jornalista, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 05-11-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A África é a surpresa do Sínodo Mundial, que terminou no Vaticano no final de outubro. A representação das Igrejas Católicas de todo o mundo - composta pela primeira vez não apenas por bispos, mas, por um quarto, também por padres, religiosos e religiosas, leigos e leigas, entre os quais 54 mulheres com direito a voto - viu a presença ativa de expoentes do Continente Africano com uma conscientização que afastou qualquer timidez devido ao seu status de antigas “colônias religiosas”.
O Sul católico do mundo bateu às portas do Vaticano, dando a entender que a época de uma supremacia ocidental a priori não se justifica mais. Mas se a voz da América Latina há tempo é mais fraca, se a voz da Ásia não é particularmente forte, a autoconsciência da África se fez ouvir.
Um veterano como o Cardeal Christoph Schoenborn, de Viena, apontou isso claramente: “Quarenta anos atrás, em meu primeiro sínodo, em 1985, as assembleias ainda eram determinadas pela Europa. O Sul global (Ásia, África, América Latina) participava apenas como convidado”. Agora uma página completamente nova se abriu. A grande maioria dos participantes - bispos, homens e mulheres - vem do Sul Global. “São eles que ditam o tom e trazem para a mesa as suas temáticas e preocupações. Nós, que viemos do 'Norte rico', nos tornamos uma minoria”.
Dois conceitos, expressos nos contatos durante o Sínodo, caracterizam a mudança de ritmo. Vários bispos do hemisfério norte resumiram o que transparecia das conversas com seus coirmãos africanos: “Vocês, europeus, vieram até nós há duzentos anos e nos ensinaram o que fazer, agora não podem chegar de repente e nos dizer para mudar”. A ênfase diz respeito tanto a questões sexuais quanto às concepções sobre a estrutura hierárquica da Igreja. A outra alfinetada segue a linha: vocês estão em uma crise demográfica, suas igrejas estão se esvaziando, mas nós, ao contrário, estamos florescendo. Então, como vocês podem vir e nos dizer como devemos nos comportar? De qualquer forma, especialmente as madres sinodais africanas manifestaram em suas intervenções um grande empenho e uma notável capacidade de trabalhar no cotidiano.
É uma inversão de perspectiva que caracteriza a fase histórica pela qual a Igreja Católica está passando. É uma fase que não se limita ao reinado de um papa ou de outro, mas que diz respeito à grande transição do catolicismo da temporada da “cristandade” (que informava as instituições, a cultura e a vida cotidiana) para a temporada pós-secular, na qual as massas do hemisfério norte não têm mais nem mesmo a ideia do que significa Deus e a tradição religiosa.
A “primavera” sonhada por Paulo VI após o Concílio Vaticano II não se concretizou. E João Paulo II, Bento XVI e Francisco - cada um com suas próprias características e linha teológica - não levaram a uma retomada da prática religiosa. Nessa situação, a comunidade católica de mais de 1,3 bilhão de fiéis, inserida em contextos culturais e sociais muito diversos, não pode mais ser governada de acordo com o centralismo absolutista herdado do Concílio de Trento. Mas os bispos e os fiéis tampouco querem se separar, como aconteceu com a comunidade anglicana, dividida entre Norte e Sul justamente por causa da questão dos bispos ligados a um parceiro homossexual.
O Sínodo revelou um desejo amplamente compartilhado de manter a unidade em torno de uma única voz, como a dos pontífices. O objetivo é construir uma arquitetura institucional reformada que permita certa flexibilidade de acordo com os contextos socioculturais, com base em uma ampliação decisiva da participação dos fiéis - e especialmente das mulheres - na vida e nos processos decisórios na Igreja.
O Sínodo teve, em alguns aspectos, um resultado inesperado. A babel de erros doutrinários que, de acordo com os ultraconservadores, poderia ter resultado do evento, não se concretizou no final. Tampouco se concretizou o miniconcílio, rico de debates, que os reformadores esperavam.
A férrea organização em 36 mesas sufocou o confronto na assembleia, forçando todos os participantes a uma espécie de terapia de grupo para identificar pacientemente os pontos mais amplamente compartilhados de um caminho de reforma baseado em objetivos precisos: implementação de estruturas de conselho que incluam os leigos em todos os níveis da igreja, participação das mulheres nos processos de tomada de decisão em todos os níveis, dever de prestação de contas por parte de todas as autoridades.
Dois elementos não devem ser subestimados. A questão do diaconato feminino permanece “em aberto”. E isso é um golpe no “não” definitivo de Wojtyla. Além disso, em vez de Igreja universal, o documento final fala de “Comunhão das Igrejas”, o que implica um certo grau de fisionomia autônoma das comunidades católicas nos vários países e contrasta com a ideologia teológica de Ratzinger. Por fim, cada Igreja avançará ao longo das linhas acordadas seguindo sua própria velocidade. O presidente da Conferência Episcopal Alemã, Georg Bätzing, disse: “O documento do sínodo, aprovado pelo papa, é um roteiro para o futuro. Caberá aos sucessores de Francisco manter firme o leme”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Um Sínodo com um resultado inesperado: dois conceitos mostram a mudança de ritmo. Artigo de Marco Politi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU