09 Julho 2024
Deus está presente nos cantos escuros das comunidades locais e na vida das pessoas, disse o Papa Francisco.
A reportagem é de Carol Glatz, publicada por National Catholic Reporter, 08-07-2024.
"Sua presença se revela justamente nos rostos marcados pelo sofrimento e onde a degradação parece triunfar", falou o papa em sua homilia na missa na cidade de Trieste, no norte da Itália, em 7 de julho. “A infinidade de Deus se esconde na miséria humana, o Senhor se move e se faz presente, se torna presença amiga justamente na carne ferida dos últimos, dos esquecidos e dos descartados”, completou.
O papa estava em Trieste, cidade portuária no Mar Adriático, perto das fronteiras da Croácia e da Eslovênia, para uma visita pastoral de um dia que incluiu discursos na 50ª edição da Semana Social Católica da Itália. Cerca de 8.500 pessoas estavam presentes para a missa na Praça da Unidade da Itália, incluindo bispos e padres das igrejas Ortodoxa Sérvia, Ortodoxa Grega e Luterana.
Em sua homilia, publicada no mesmo dia pelo Vaticano, o papa refletiu sobre a leitura do Evangelho do dia (Mc 6,1-6), que descreveu a reação das pessoas ao ouvir Jesus ensinar na sinagoga: muitos ficaram chocados e ofendidos que um homem simples — filho de um carpinteiro — pudesse possuir tanta sabedoria e realizar milagres.
O fato de se sentirem ofendidos e vivenciarem um "escândalo" se refere ao fato de encontrarem uma espécie de "'pedra de tropeço', um obstáculo, algo que os impede e os impede de ir mais longe" e de realmente acreditar em Jesus, disse o papa. Esse obstáculo, ele disse, era a humanidade de Jesus, porque "como pode Deus, o Todo-Poderoso, revelar-se na fragilidade da carne humana?"
Mas "qual é o obstáculo que impede hoje de crer em Jesus", questionou o papa. O "escândalo" ou pedra de tropeço hoje, disse ele, é acreditar que Deus realmente se importa com a humanidade e "se comove com as nossas feridas, assume o nosso cansaço, é partido por nós como pão".
“Precisamos do escândalo de uma fé enraizada no Deus que se fez homem e, portanto, uma fé humana, uma fé de carne, que entra na história, que toca a vida das pessoas, que cura os corações partidos, que se torna fermento de esperança e semente de um mundo novo”, disse ele. "Não precisamos de uma religiosidade fechada em si mesma, que olha para o céu sem se importar com o que acontece na terra e celebra liturgias no templo, mas se esquece da poeira que sopra em nossas ruas", disse Francisco.
Em um mundo onde as pessoas enfrentam tantos desafios, lutas e questões sociais e políticas, é preciso haver "uma fé que desperte as consciências da letargia, que coloque o dedo nas feridas, nas feridas da sociedade, e há muitas", disse ele. Esse tipo de fé é "inquieta", move-se "de coração para coração" e é movida por problemas concretos na sociedade, disse ele. É uma fé "que se torna um espinho na carne de uma sociedade frequentemente anestesiada e atordoada pelo consumismo".
"O consumismo é uma praga, um câncer, faz seu coração adoecer, te torna egoísta", disse ele. "Precisamos de uma fé que perturbe os cálculos do egoísmo humano, que denuncie o mal, que aponte as injustiças, que perturbe os esquemas daqueles que, na sombra do poder, brincam com a vida dos fracos", disse ele, destacando como há muitas pessoas que "usam a fé para explorar as pessoas. Isso não é fé".
Em vez de ficarmos "escandalizados desnecessariamente com tantas pequenas coisas", ele disse, "fiquemos indignados com todas as situações em que a vida é degradada, ferida e morta. Por que não nos escandalizamos diante do mal desenfreado, da vida sendo humilhada, das questões trabalhistas, dos sofrimentos dos migrantes? Por que permanecemos apáticos e indiferentes às injustiças do mundo? Por que não levamos a sério a situação dos prisioneiros" e de todos aqueles que sofrem ou são descartados vivendo na cidade de alguém, ele perguntou.
É porque "temos medo, medo de encontrar Cristo ali", disse o papa. "Deus está escondido nos cantos escuros da vida e das nossas cidades. (...) Levemos a profecia do Evangelho à nossa carne, com as nossas escolhas, antes mesmo das nossas palavras", disse ele, pedindo aos fiéis que "estejam na linha de frente da difusão do Evangelho da esperança", especialmente para os migrantes e "aqueles que, no corpo ou no espírito, precisam ser encorajados e confortados".
Antes de rezar o Angelus com os presentes na praça, o papa destacou que Trieste tem uma "vocação de unir povos diferentes", pois é um porto importante e está localizada na encruzilhada da Itália, Europa Central e Bálcãs.
"Nessas situações, o desafio para a igreja e a comunidade civil é saber como combinar abertura e estabilidade, acolhimento e identidade", disse ele. Trieste está equipada para enfrentar esse desafio porque, "como cristãos, temos o Evangelho, que dá sentido e esperança às nossas vidas e, como cidadãos, vocês têm a constituição, uma 'bússola' confiável para o caminho da democracia".
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Não tenha medo de buscar Deus onde a vida é degradada, descartada, diz o Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU