09 Julho 2024
"O fato é que não há mais um centro de gravidade moral, intelectual e teológico, nem em nosso sistema político nem em nosso sistema eclesial. Muitos católicos parecem estar reconsiderando seu relacionamento com a figura central dos últimos três ciclos eleitorais. Isso é especialmente verdadeiro para aqueles que claramente não se identificam ou apoiam Joe Biden e o Partido Democrata. O controle contínuo de Trump sobre o Partido Republicano é cada vez mais um problema para os líderes religiosos conservadores".
O comentário é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, nos EUA, publicado por Commonweal, 24-06-2024.
Os últimos meses trouxeram dois acontecimentos que podem (e devem) dar às vozes influentes do catolicismo conservador a oportunidade de se distanciarem de Donald Trump como candidato do Partido Republicano à presidência.
A primeira foi a declaração de Trump em abril de que ele não apoiaria uma proibição nacional do aborto, colocando-o em desacordo com, entre outros, a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB), que continuou a caracterizar o aborto como a questão "preeminente" para os eleitores. A segunda foi a condenação de Trump por crime grave, em maio, por 34 acusações de falsificação de registros comerciais relativos ao pagamento da estrela pornô Stormy Daniels antes da eleição de 2016. (Sua sentença está marcada para 11 de julho, poucos dias antes da convenção republicana em Milwaukee.)
De fato, já há sinais desse distanciamento. Enquanto líderes evangélicos apoiadores de Trump como Franklin Graham e Robert Jeffress permanecem firmes em seu apoio, vozes católicas da direita parecem estar buscando uma dinâmica diferente. Embora tenha havido críticas sobre os supostos motivos políticos por trás do julgamento criminal e condenação de Trump, os conservadores católicos não parecem estar tão entusiasmados com ele ou seu movimento quanto seus colegas evangélicos brancos.
Em um podcast recente da revista First Things, Sohrab Ahmari — embora chamando o julgamento de Nova York de politicamente motivado — falou da necessidade de "forjar um novo centro americano". Em um artigo de 14 de maio na First Things, Jonathon Van Maren escreveu que "seria míope descartar a retórica pró-escolha de Donald Trump e outras figuras do MAGA (Make America Great Again) como mera propaganda eleitoral... Há indícios de que a campanha de Trump agora vê os pró-vida como uma inconveniência política". Em abril, Carl Trueman caracterizou Trump como "um candidato à presidência que trata os cristãos como nada mais do que alvos promissores para seu charlatanismo". Isso parece um afastamento do manifesto “contra o consenso morto” que a First Things publicou em março de 2019. (“Nós abraçamos o novo nacionalismo na medida em que ele se opõe ao ideal utópico de um mundo sem fronteiras que, na prática, leva à tirania universal. Não importa o que mais se diga sobre isso, o fenômeno Trump abriu espaço para colocar essas questões novamente. Nós guardaremos esse espaço com ciúmes.”)
A amoralidade de Trump sempre foi evidente, mas agora que ele abandonou as pretensões que eram necessárias para atrair eleitores religiosos em 2016 e 2020, parece que alguns católicos conservadores estão recalculando seu relacionamento com ele. Não é explicitamente uma resposta anti-Trump ou "nunca Trump". É mais como uma postura proposital de "não Trump". Desautorizar Trump e o trumpismo agora talvez seja uma maneira de evitar ser associado aos desenvolvimentos dos últimos meses, ou de ser visto como cúmplice do que um segundo mandato de Trump pode trazer. Também pode ser uma maneira de se posicionar para uma possível era pós-Trump. De qualquer forma, pode acelerar as recentes mudanças ideológicas entre católicos de centro-direita e intelectuais neocatólicos em busca de uma nova identidade cultural e teológica coletiva.
Há um precedente histórico. Perto do fim da Segunda Guerra Mundial, cerca de 25 após seu apoio a Mussolini na década de 1920, o Vaticano entendeu que seu acordo com o diabo estava colocando em risco a sobrevivência moral e institucional da Igreja Católica (estava até colocando a segurança pessoal de Pio XII em risco, dados os bombardeios aliados da Roma ocupada e o risco real do papa ser sequestrado pelos nazistas). Os anos após a Segunda Guerra Mundial viram a criação — com a bênção do Vaticano — dos partidos democratas-cristãos centristas da Europa. Há também o exemplo da década de 1970: sentindo a corrupção que estava se infiltrando nesses partidos democratas-cristãos, alguns movimentos políticos católicos europeus pós-Vaticano II declararam uma "opção religiosa" que reformulou a relação entre identidade católica e ação política. Isso significou maior autonomia para os leigos católicos do partido que os eleitores religiosos deveriam apoiar; a Igreja (o Vaticano e os bispos) então também recuou em mensagens políticas e retórica aos eleitores durante as campanhas.
Claro, um partido católico nunca esteve nos planos dos Estados Unidos, e é ainda menos provável agora, dado o papel decrescente da religião e das instituições religiosas. Mas ainda há algo a tirar deste exemplo. Talvez, por exemplo, os católicos conservadores embarquem em um novo caminho quando se trata de política — não eleitoralmente, mas em como eles se posicionam em relação a Trump e ao Partido Republicano. Sem surpresa, a USCCB não reconheceu o clima político em evolução em sua reunião de junho em Louisville, não mencionando como sua declaração do aborto como a questão "preeminente" para os eleitores será afetada.
A ênfase por enquanto parece estar no Reavivamento Eucarístico Nacional, que é em parte uma resposta à repreensão do Vaticano em 2021 sobre as tentativas de negar a comunhão ao presidente Biden e Nancy Pelosi. Mas em uma declaração de boas-vindas alguns dias após a reunião, o Arcebispo Borys Gudziak, presidente do Comitê de Justiça Doméstica e Desenvolvimento Humano da USCCB, pediu a todos os cristãos e pessoas de boa vontade que evitassem a violência política e, em vez disso, buscassem a paz por meio do diálogo e da justiça: “Pessoas em cargos públicos estão recebendo mais ameaças de morte do que nunca, algumas das quais se transformam em ataques físicos. Cerca de metade dos americanos esperam que haja violência em resposta aos resultados das futuras eleições presidenciais”.
O fato é que não há mais um centro de gravidade moral, intelectual e teológico, nem em nosso sistema político nem em nosso sistema eclesial. Muitos católicos parecem estar reconsiderando seu relacionamento com a figura central dos últimos três ciclos eleitorais. Isso é especialmente verdadeiro para aqueles que claramente não se identificam ou apoiam Joe Biden e o Partido Democrata. O controle contínuo de Trump sobre o Partido Republicano é cada vez mais um problema para os líderes religiosos conservadores que perceberam que qualquer esperança de domesticá-lo ou "batizá-lo" é fútil.
Com a forma como a campanha está se desenrolando e com a perspectiva muito real de uma segunda presidência de Trump, o conservadorismo católico pode não ter uma filiação partidária natural nos Estados Unidos. A transformação do GOP [Partido Republicano] sob Trump o torna um ajuste ruim, e os democratas claramente não são uma opção. O sentimento de desabrigamento político pode apenas aumentar a sensação de deslocamento cultural em um país que continua a se tornar mais secular. Talvez o risco percebido de contaminação moral do trumpismo estimule um novo foco na teologia e na doutrina — uma "opção religiosa" que funcione como uma rampa de saída do foco na política. Isso pode levar a uma alternativa (não uma oposição semelhante a um espelho) à predominância da política de identidade e sensibilidades teológicas de justiça social na esquerda católica. Resta saber como o conservadorismo católico pós-Trump verá a relação entre Igreja e Estado, especialmente se, como alguns acreditam, o integralismo diminuiu desde 2016 e 2020. Mas é dificilmente concebível que ele siga o exemplo do catolicismo político centrista e antifascista na Itália, que aceitou e contribuiu para um regime de laïcité não hostil, colaborativo e favorável à Igreja.
Nada disso deve mudar a política americana em geral. Mas pode mudar a conversa intraeclesial, fomentando novas contribuições e percepções da direita. Quanto à esquerda: será interessante ver o que acontece à medida que a geração de democratas católicos simbolizada por Joe Biden, Nancy Pelosi e John Kerry passa. Em um sistema político que é ideologicamente centrífugo e tende a se afastar do centro, as reações a uma segunda presidência de Trump podem ter um efeito paradoxalmente estabilizador no catolicismo americano. Em qualquer caso, os preparativos para uma era pós-Trump devem começar agora, porque o chamado à violência política e aos danos à credibilidade da fé cristã feitos em seu nome continuarão, seja qual for o resultado da próxima eleição presidencial.
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EUA. Católicos conservadores parecem estar reavaliando o apoio a Trump. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU